Transcrição adicionada: Podcast sobre aliades 0
Uma transcrição foi adicionada ao podcast sobre aliades que eu e Oltiel fizemos no ano passado. Ela foi feita por @verdemusgo e revisada por @oltiel.
Uma transcrição foi adicionada ao podcast sobre aliades que eu e Oltiel fizemos no ano passado. Ela foi feita por @verdemusgo e revisada por @oltiel.
Eu poderia falar que todas as grandes empresas por trás de redes sociais são culpadas por ou coniventes com atrocidades – como o genocídio em Myanmar, ameaças de bombas em escolas e trabalhadóries urinando em garrafas por medo de perderem emprego se tiverem que ir até o banheiro. Poderia também falar do que essas empresas fazem com sues usuáries, como usar dados de usuáries para treinar algoritmos de “inteligência artificial”, censura de postagens que chamam a atenção para sistemas opressivos e exposição de pessoas a desinformação e ódio.
A onda atual é enfiar “inteligência artificial” generativa em tudo, o que também é uma questão bastante problemática. Este texto fala sobre questões de ética e imprecisão nos resultados de pesquisas de Google, este é sobre como os bancos de dados usados por esse tipo de algoritmo foram construídos via exploração e este é sobre os grandes impactos ambientais que a tecnologia demanda.
Mas entendo que a maioria das pessoas não se importa com nada disso. Vão dar de ombros e reclamar que as alternativas mais éticas simplesmente não têm gente suficiente para serem interessantes a elas, ou que gostam dos algoritmos de curadoria que não exigem o esforço de pesquisar por assuntos que interessam ou de perguntar ativamente por recomendações.
E, por isso, não vou argumentar sobre largar redes mais populares, e sim sobre considerar abrir lugar em sua vida para espaços alternativos.
Redes sociais que funcionam com base em linhas do tempo – ou qualquer coisa parecida que priorize conteúdo atual – dificulta o acesso a coisas que cada pessoa pode considerar informações básicas. Isso prejudica tanto pessoas que não sabem muito sobre certo assunto e que podem nunca entrar em contato com tais informações quanto pessoas que podem querer repassar tais informações a outres.
Sites de pesquisa também são cada vez mais inúteis. Alguns começaram a mostrar logo de cara respostas geradas automaticamente que não requerem entrar em alguma página para conferir seus contextos, e mesmo lugares que não fazem isso automaticamente, como Ecosia e DuckDuckGo, acabam priorizando sites que consideram mais consagrados (sites de notícias, wikis, sites comerciais) acima de lugares onde informações são construídas e circuladas com mais frequência (blogs, redes sociais).
Acredito que a necessidade de postar todo ano “o que significa LGBTQIAPN+“, “qual a diferença entre bi e pan“, “o que é não-binárie” e outras coisas provavelmente batidas pra grande maioria das pessoas lendo este texto – mas quase sempre perguntadas quando estamos interagindo com estranhes – acaba sendo por um hábito de querer chegar em pessoas novas no assunto que só engajariam nele por estar sendo esfregado na cara. Tal hábito também tem a ver com a ideia abstrata de “informação acessível”: provavelmente algo assim vai ser mais popular a curto prazo do que um assunto como “pronome/d[pronome] é uma maneira redundante de expressar linguagem pessoal“, “existem sim orientações específicas para pessoas não-binárias” ou “o que faz com que uma identidade de gênero esteja dentro do guarda-chuva xenogênero“.
Redes sociais que colocam limites estritos nos formatos e números de caracteres também contribuem para que assuntos não sejam aprofundados, além de acostumarem pessoas com a ideia de que extrapolar tais limites justifica ignorar o que essas pessoas têm a dizer (a questão do “textão”). Vivemos num mundo complexo e cheio de nuances, mas frases prontas com opiniões extremas conseguem sempre receber mais atenção.
Afinal, o que é mais fácil repetir ou opinar sobre: “toda pessoa não-binária é trans” ou “pessoas não-binárias são cisdissidentes e suas pautas estão entrelaçadas com as da população trans, mas há motivos válidos para pessoas não-binárias nem sempre se entenderem dentro deste termo“? Ainda mais se a pessoa tiver que explicar o que é ultergênero, isogênero ou afins para que o argumento seja melhor contextualizado e entendido.
Daí as discussões ficam estagnadas. Não há o hábito – ou, dependendo da rede social, a própria possibilidade – de colocar links em textos para que pessoas saibam qual é a base da discussão, então há sempre a necessidade de se repetir quando se vai referenciar algum conceito que não for considerado comum. A maioria também não quer ter o trabalho de organizar coisas fora das redes sociais às quais se apegam, preferindo uma sequência de postagens referenciando outras sequências ou uma coleção de stories (isso quando há alguma organização) a sistemas disponíveis para quem não quer ter contas em tais sites ou em formatos mais preparados para lidar com informações pertinentes.
Sempre há gente não informada, e portanto sempre há gente que precisa de informações básicas, e portanto há uma ausência de discussões aprofundadas, a qual também contribui para que menos gente lembre das informações básicas. Discussões mais profundas acabam tendo alcance limitado, porque lugares favoráveis a tais discussões são menos frequentados e mais difíceis de pesquisar. Já postagens feitas em perfis pessoais ordenados de forma cronológica sem oferecer muitas alternativas se perdem facilmente.
“Todo mundo está no Instagram.” Só que as poucas vezes que visito o site não são o suficiente para acompanhar tudo o que todas as contas que sigo postam. Só que conheço outras pessoas que não usam muito ou nada dessa rede social, só entrando no máximo quando alguém manda um link ou uma mensagem.
Só que praticamente toda pessoa que sei que tentou produzir conteúdo frequente para a rede demonstrou decepção com a pouca repercussão de suas postagens e com a superficialidade do entendimento dos assuntos que tratavam no site. Há relatos frequentes de pessoas que recebem grandes números de “curtidas” em suas publicações, mas que posteriormente presenciam as mesmas pessoas que “curtiram” interagindo da mesma forma com publicações defendendo opiniões opostas, ou fazendo perguntas que demonstram uma falta total de compreensão de informações que foram repetidas várias vezes.
Espaços chamados de alternativos na internet se tratam de colocar qualidade acima de quantidade. Quem está em fóruns quer falar com outres entusiastas de certo assunto, mesmo que isso signifique que haja menos gente com quem interagir e compactuar com regras mais rígidas. Quem está em redes sociais mantidas por entusiastas está procurando gente com valores parecidos em ambientes mais saudáveis, mesmo que suas postagens não tenham chance de “viralizar”. Quem tem blogs ou sites pessoais muitas vezes não tem métricas boas acerca de quantas pessoas diferentes estão lendo ou ouvindo suas palavras.
Mas a questão é que, na minha experiência, com poucas exceções, o que faz com que alguém preste atenção em qualquer assunto é uma conexão pessoal. E essa conexão pode acontecer com conteúdo online aleatório achado por alguém, mas isso vai ser sempre muito mais raro do que quando relações ativas são formadas com grupos e pessoas.
A maioria das pessoas que absorveu a questão de artigo/pronome/final de palavra ser importante fez isso por conta da repetição, de ter mais de uma pessoa falando sobre isso no mesmo lugar, de estar um espaço comunitário obrigando todes a aprenderem esse sistema ou da minha insistência em ensinar como ele funciona em conversas presenciais. Eu posso ter distribuído centenas de livretos sobre linguagem pessoal e ter falado sobre o sistema em diversos lugares e formatos, mas gente que tem 99% de contato com quem usa indicações como “elu/delu” e “pronomes neutros” ainda vai cair nisso se o único contato com a/p/f for como uma curiosidade abstrata ao invés de pessoas com conjuntos incomuns lutando pra que um sistema mais inclusivo seja popularizado.
Esse é um exemplo, e ele pode parecer “de nicho”, mas a realidade é que qualquer questão não tão presente na vida de alguém vai parecer “de nicho” se não houver investimento pessoal. Existem trocentos espaços que consideram quaisquer questões de marginalização como “políticas demais para espaços de lazer” porque as pessoas marginalizadas à sua volta não falam disso, por mais que em certos espaços para pessoas marginalizadas qualquer pessoa seria ridicularizada ao levantar a ideia de que chamar a atenção para racismo ou misoginia seja irrelevante só porque o assunto não é esse.
Mesmo que o que você faça não tenha a ver com ativismo, a questão é que a maioria das pessoas não se importa em absorver informações, e que quem realmente se importa vai ir atrás do que você faz mesmo que não esteja nas redes sociais que geralmente usa. Redes sociais populares podem ser úteis pra espalhar a mensagem de que o que você faz existe, mas se limitar aos seus formatos de organização e postagens não vai te beneficiar tanto assim.
Considere qual o formato mais adequado para disponibilizar as informações:
É possível ter um domínio que disponibilize mais de um tipo de formato: aqui no Orientando, o menu oferece uma série de páginas estáticas, e as listas nunca são categorizadas simplesmente por qual página foi feita mais recentemente, mas há também este blog, que embora tenha tags vá sempre priorizar publicações mais recentes. A parte estática é mais adequada para passar informações que não vão ser mais ou menos relevantes dependendo da época visitada de forma organizada, enquanto o blog possui publicações que fazem mais sentido de acordo com contextos específicos, ou que são opiniões ou compilações consideradas menos essenciais para o foco do site.
O blog também permite comentários diretamente após cada publicação, enquanto comentários ou correções direcionadas às páginas estáticas devem ser feitas em nosso fórum. Que é por si só um formato diferente que visivelmente usa um software separado para seu funcionamento.
Enquanto isso, Blogue Alternative, cuja manutenção é feita por ume amigue minhe, tem majoritariamente publicações de opinião, muitas das quais são feitas em resposta a discussões do momento, mas também tem um menu oferecendo algumas páginas estáticas com informações que podem ir sendo atualizadas quando isso for adequado.
Existem opções envolvendo mais ou menos complexidade dentro de cada um dos formatos citados:
Para quem não sabe, quando eu digo um servidor próprio, estou me referindo a uma máquina que terá sempre que estar ligada para que o site fique acessível. É possível usar um computador na própria casa, mas é mais comum a utilização de serviços oferecidos por empresas ou outras entidades, como leprd.space, NearlyFreeSpeech.Net ou TinyKVM. Esta é uma opção mais avançada que eu não recomendo para quem não sabe o que está fazendo, mas há sempre a possibilidade de aprender a usar servidores se houver vontade de ir atrás do conhecimento.
Ao se registrar em um site como Dreamwidth, Miraheze, Neocities ou Straw.Page, ainda há servidores envolvidos: é só que sues usuáries têm menos controle sobre eles. Isso tem suas próprias vantagens e desvantagens.
Após fazer uma conta e/ou instalar programas na máquina, é possível testar se suas ideias funcionam naquele formato. Por exemplo, talvez o site gratuito que não requisite mexer com código acabe não possibilitando o layout desejado para a página, ou talvez o servidor barato não tenha memória suficiente para a intenção original do projeto. Pode ser importante testar os limites de cada formato antes de insistir em algum.
Publish (on your) Own Site, Syndicate Elsewhere (publique em seu próprio site, transmita no resto dos lugares) é um princípio que defende manter conexões em quaisquer redes sociais que a pessoa quiser, mas de forma que indique um link para a página original a qual (a princípio) a pessoa tem mais controle sobre. Assim, outras pessoas recebem a notícia de publicações novas nos aplicativos/sites que frequentam, mas de forma que (idealmente) a pessoa não precisa repostar versões diferentes da mesma coisa em lugares diferentes.
Por exemplo: Ariel tem seu próprio site em ariel.example. Quando Ariel publica a página ariel.example/texto.html, elu pode espalhar a informação sobre essa publicação em grupos de WhatsApp, no Tumblr, no Reddit, em colorid.es e no BlueSky, sem ter que se preocupar com reescrever o texto de forma diferente para cada lugar, com fornecer um link que vai pedir para que ume visitante crie uma conta para ler ou com seu texto ser perdido por Ariel ter sido banide de uma plataforma social por motivos alheios à publicação.
RSS também é uma ferramenta útil para acompanhar blogs alheios e agregá-los de forma compatível com diversas plataformas diferentes. Nem sempre faz sentido acompanhar as atualizações de um site via RSS, mas é uma ferramenta bem importante para o formato de blog. Um texto explicando mais sobre RSS e como usar está disponível aqui.
Alguns princípios comuns em comunidades queer são:
Quanto mais alguém se aventura a construir o próprio layout, codificar o próprio site, manter serviços personalizados em um servidor próprio e afins, mais a pessoa pode exercer independência sobre sua própria página. Em um mundo onde perfis de redes sociais estão cada vez mais padronizados, até algumas plataformas de blogs e sites gratuitos conseguem oferecer possibilidades mais diversas de identidade visual.
Quanto menos alguém depende de alguma rede social específica funcionando para socializar ou conseguir visualizações para seu trabalho, mais é possível questionar o quanto é importante alguém ter que frequentar tal rede social. E se há menos publicações, ou publicações mais vagas que apontam para links próprios, há menos material para ser usado livremente e facilmente por grandes empresas.
Fóruns e wikis moderades por pessoas queer permitem colaborações alheias em ambientes que não deixam espaço para discursos de ódio, fortalecendo também a saúde mental des interessades. Também tendem a ser ambientes que estimulam discussões com mais nuance do que simplesmente expressar concordância ou discordância do que alguém disse.
Promover sites próprios e comunidades alternativas também se alinha com o que o próprio Orientando faz: mostrar que não existe um limite absurdamente pequeno para as formas de existência que alguém pode expressar, o qual é baseado em popularidade e só pode aumentar com base no que publicações mais formais reconhecem.
Aqui vão uns exemplos de projetos na língua portuguesa que foram requisitados por mim:
Também posso apresentar como exemplos de independência das redes sociais comerciais este próprio site (orientando.org), nosso fórum e meu blog pessoal, assim como outras coisas linkadas no meu site pessoal.
Para quem não sabia, Orientando.org foi escolhido como um dos coletivos chamados para compor a Feira Cultural da Diversidade LGBT+, no Memorial da América Latina em São Paulo. Por termos entrado como coletivo, não pudemos comercializar qualquer produto: tudo o que oferecemos foram informações, panfletos informativos e adesivos de conjuntos de linguagem.
Infelizmente, nossa posição estava entre as mais desprivilegiadas. Colocaram um palco à nossa frente, o qual teve música altíssima pela maior parte do evento; também estávamos próximes à entrada restrita a idoses e pessoas com deficiência, mas estávamos nas últimas tendas do ponto de vista da entrada pela qual a grande maioria iria chegar.
É muito difícil dizer quantas pessoas que pegaram nossos panfletos foram atrás de mais informações no site. Não houveram novos registros no nosso fórum desde antes da feira, e houve um pico de atividade no site que começou na segunda (dia 27), enquanto o dia após a feira (sexta, dia 31) foi onde houveram menos visitas nos últimos dias. Além disso, como estamos no mês do orgulho, também é comum que pessoas achem o Orientando enquanto estão tentando pesquisar assuntos do site por conta própria, como o que significa a sigla LGBTQIAPN+ (nossa página mais acessada desde que a sigla popularizou) ou quais identidades não-binárias existem.
Enfim, conseguimos entregar:
Também haviam opções envolvendo conjuntos rotativos, conjuntos quaisquer desde que estejam dentro da neolinguagem, o uso de nenhume artigo/pronome/flexão (-/-/-), diversas opções envolvendo neopronomes diferentes (elo, ile, elae, el e ila, para citar alguns) e muitos adesivos que permitiam o preenchimento de qualquer conjunto ou de quaisquer dois conjuntos, então as escolhas acima não foram feitas por falta de opção.
Para finalizar o relato, quero dizer que ainda é cedo para saber se vamos tentar novamente no ano que vem. O problema de distribuir panfletos é que muitas vezes dá a impressão de que nada adiantou, de que as pessoas podem ter lido e achado as informações vagamente interessantes mas ainda vão nas redes sociais perguntar qual a diferença de bi e pan ou usar conjuntos no formato “elu/delu”. É possível que tenhamos mudado vidas, mas também é possível que a gente tenha perdido tempo e dinheiro com um esforço inútil.
Pessoalmente, eu não gosto de jogar a toalha. Um esforço de visibilidade pode ser provado inútil, mas desistir de ir em eventos físicos também não vai ajudar a disseminar informações ou ideias. Sendo alguém não-binárie que deve ser referide apenas usando conjuntos de linguagem que não possuem a aprovação dos grandes nomes da “linguagem neutra” brasileiros, eu não tenho a opção de descansar e esperar que algum dia as pessoas vão parar de insistir em me maldenominar (ou indicar que gostariam de fazer isso sem serem pintadas como exorsexistas): o sistema artigo/pronome/final de palavra foi publicado aqui já faz mais de 8 anos, mas já percebi que a maioria das pessoas só vai tentar se esforçar em ser inclusiva quando tem alguém dando motivo pra isso. Também tem as outras questões LGBTQIAPN+ que afetam a mim e a outres, como visibilidade a-espectral, múlti, não-binária e xenogênero.
Ficar batendo na mesma tecla é horrível, mas é isso o que tem pra hoje. Ao menos é possível que a próxima geração tenha que bater menos teclas pra conseguir ser respeitada das mesmas formas.
Versão em áudio (não inclui os links do final da postagem)
Ei, você ainda usa pronome/d + pronome como forma de expressar linguagem? Que tal especificar suas preferências em um nível um pouco maior?
Além desta vantagem, você ajuda pessoas com conjuntos de linguagem menos óbvios, nos ajudando com o trabalho de repassar essas informações.
Esse é o tipo de informação que pode virar “senso comum” – assim como a ideia do final de palavra e ser adequado como genérico – desde que não seja descartada.
Esse é o tipo de esforço que vai ficar cada vez menor desde que dê pra contar com o apoio da comunidade.
Links com mais informações: Use a/p/f | Links sobre neolinguagem, conjuntos de linguagem e linguagem genérica
Aviso de conteúdo: Esta é uma postagem sobre presunção de gênero. Ela é contra a presunção de identidades de gênero, mas como o público-alvo são pessoas que se acham justificadas em presumir gênero, ela menciona exemplos que podem machucar quem lida com disforia de gênero ou com questões similares.
Boas vindas ao quarto ano seguido de postagens que apresentam certas identidades que foram cunhadas no ano que recém passou!
Como sempre, esta é apenas uma pequena parcela do que o ano de 2023 teve a oferecer em relação a cunhagens. Epikulupu, neopronouns e ryanyflags são alguns exemplos de Tumblrs que publicaram uma porção de cunhagens novas durante o ano, enquanto r/XenogendersAndMore e LGBTQIA+ Wiki são alguns exemplos de lugares de participação coletiva onde vários termos são publicados.
Também quero ressaltar novamente que o advento de terminologia mais específica não tem o objetivo nem de obrigar pessoas a largarem os rótulos que já usam, nem de obrigar pessoas a adicionarem novos termos às suas listas e nem de colocarem termos mais comuns ou gerais como “ultrapassados”. Para saber mais sobre isso, há dois textos mais antigos por aqui que já tratam desse assunto: “Por que usar [y] ao invés de [x]?” e A culpa des excluídes.
O primeiro termo desta lista foi cunhado em 3 de fevereiro por epikulupu no Tumblr a pedido de uma pessoa anônima.
Ele é definido como um gênero relacionado à personalidade de ume personagem fictície.
Ficto tem relação com ficcional, enquanto personen provavelmente se refere à palavra pessoas na língua alemã.
Este termo foi cunhado em 5 de abril por Reign, mogai-sunflowers no Tumblr, a pedido de Atticus-Kirby, fagdykefrank na mesma rede.
Ele se refere a um gênero masculino da mesma forma que pássaros experienciam masculinidade. Isso porque é comum que pássaros “machos” sejam chamativos e/ou coloridos e tentem chamar a atenção de parceires em potencial por meio de danças e cantos.
O termo original é aviamasc, e pode ser viável utilizá-lo assim na lusosfera também, mas decidi por traduzi-lo utilizando uma forma mais completa do sufixo. Desta forma, seu final de palavra é flexível: uma pessoa seria aviamasculina, um grupo seria aviamasculino, etc.
Em 17 de abril, Nil (kitgay em write.as) publicou um texto detalhando o que este xenogênero cobre. Ele pode ser lido na íntegra aqui, e acredito que dê pra resumir alguém que possui esta identidade de gênero como:
Alguém não precisa cumprir todos estes parâmetros para se dizer gênero-ponte; só há a necessidade de associar de alguma forma a identidade de gênero com alguma forma de ponte, sendo os itens acima alguns exemplos de como atingir isso.
Theo (Eutocansada6789 em colorid.es) cunhou este xenogênero em 26 de junho. Ele descreve um gênero relacionado a, conectado a, influenciado por ou que tem qualidades comparáveis às de baleias.
Portanto, é um termo que pode abranger praticamente qualquer gênero que tenha a ver com baleias, como um gênero grande como uma baleia, ou que lembra sons que baleias fazem.
Este termo descreve qualquer forma de atração, relacionamento, orientação ou afins que envolvam ao menos uma pessoa não-binária. Ele foi cunhado em 4 de julho por Delta, the-delta-quadrant no Tumblr.
Méstrique é uma resposta a diamórique, um termo juvélico que foi feito para centralizar pessoas não-binárias. Uma pessoa não-binária pode chamar qualquer atração que tem de diamórica, e qualquer relacionamento envolvendo ao menos uma pessoa não-binária pode ser chamado de diamórico, mas pessoas binárias (as que são sempre, completamente e somente homens ou sempre, completamente e somente mulheres) não podem se dizer diamóricas. No entanto, uma pessoa binária que sente atração por pessoas não-binárias pode chamar tal atração de méstrica.
Para facilitar a explicação da diferença entre méstrique e outros termos juvélicos que envolvem pessoas não-binárias, vou usar as seguintes siglas:
(Não existem termos específicos para relacionamentos envolvendo mais de duas pessoas, e portanto fica a critério de cada ume que termos se aplicam a si dentro de um polículo.)
Enfim:
O termo mestric foi inspirado em Mnestra/Mestra da mitologia grega, que ganhou a habilidade de trocar de forma do deus Poseidon. A tradução, méstrique, possui final de palavra flexível: um símbolo seria méstrico, alguém que usa i como final de palavra seria méstriqui e por assim vai.
A bandeira méstrica usa a cor amarela para simbolizar não-binaridade e um girassol para representar alegria.
Em 15 de agosto, queer-coining no Tumblr postou uma resposta à pergunta de uma pessoa anônima que pediu uma bandeira para o termo. A bandeira foi postada em 27 de agosto.
Os termos em si se referem a alguém que quer ter genitália/sexo angelical. É um termo altersexo do mesmo tipo que transgenital, angenital e genital-fluxo, por exemplo.
Esta identidade provavelmente foi cunhada com base na ideia de que anjos não possuem genitália ou possuem genitália que não é humana, visto que não é uma espécie que precisa se reproduzir de acordo com várias histórias produzidas sobre a espécie.
Em 12 de dezembro, queer-coining publicou bandeiras e definições de queertine, que se refere àquelus cujas identidades queer são influenciadas por serem latines (ou seja, por serem ou terem ascendência da América Latina). É possível dizer que este termo é uma forma de identidade vesil.
Queertine tem final de palavra flexível. Uma pessoa é queertina, um grupo é queertino, etc.
Este termo foi cunhado por lovesicklie no Tumblr em uma postagem feita em 14 de dezembro. Sua base foi um pedido feito no Tumblr the-mogai-request-graveyard publicado em 2 de dezembro por Autumn, autumnmoon-morrison no Tumblr. O pedido em si continha uma definição sem qualquer menção a possíveis nomes ou símbolos para a identidade.
Uma pessoa virnorromântica – o final de palavra é flexível, assim como acontece em geral com orientações românticas – sente atração romântica facilmente por conta de neurodivergência e/ou trauma. No sentido de que tem quedas por praticamente qualquer pessoa em volta de sua idade que demonstra bondade para ela e compatibilidade com suas preferências.
Esta orientação não especifica gênero, então é tanto possível que seja uma orientação múlti que não depende de identidade de gênero quanto uma orientação “combinável” com outras (hétero, tóren, bi, etc). É, de qualquer forma, uma neuro-orientação.
A pedido de uma pessoa anônima, Dexter, neopronouns no Tumblr, cunhou a orientação enba e postou sobre ela e sua bandeira em 28 de dezembro. O termo descreve alguém que sente atração por pessoas não-binárias, de forma que explicitamente não se refere à identidade de gênero de quem possui tal atração.
Enba vem de enban, um termo para descrever pessoas não-binárias adultas (o qual eu adaptaria como embã ou enebã). A orientação é para ser equivalente a home/ma e mulhe/woma; por isso a ausência da última letra. A bandeira também imita algumas das bandeiras de tais orientações.
Como o termo é quase que uma palavra usada para descrever pessoas não-binárias, pode ser uma boa ideia tentar usá-lo com sufixos de orientações quando possível, como em enbaorientade, embarromântique ou enebassexual.
Também no dia 28 de dezembro, Lacey, haunted-thing no Tumblr, cunhou salilian, uma palavra para descrever lésbiques inconformistas de gênero.
A cunhagem foi inspirada por laveniane, que descreve turianes (homens gays) inconformistas de gênero.
Saliliane é uma palavra com final de palavra flexível. Uma lésbica seria saliliana, enquanto um lésbico seria saliliano. (Há pessoas que, mesmo tendo alguma associação com mulheridade, não usam a/ela/a, por conta de não-binaridade e/ou inconformismo de gênero. Leia mais sobre não-conformidade de linguagem aqui.)
Como quatro destes termos foram cunhados em dezembro, que tal uma lista rápida com mais termos, um por mês?
Aqui terminam os destaques de 2023. Que eles tenham ajudado a descobrir termos novos para considerar!
Aviso: Como o título já indica, esta postagem presume uma posição exilinguista de leitore.