Um espaço de aprendizagem

Guia de estilo e tratamento

Qualquer grupo, comunidade ou pessoa que quer ajudar a comunidade LGBTQIAPN+, que quer combater o di/cis/heterosexismo no dia-a-dia, deve:

  1. Não presumir que LGBT é uma sigla tradicional demais para ser modificada (num contexto brasileiro ou não), ainda mais quando ela tem poucas décadas de história – as letras B e T só foram adicionadas no fim dos anos 80. Adicionar um + ao fim da sigla é o mínimo de esforço que deve ser feito, e pessoas que buscam ser mais inclusivas e que não estão sob a obrigação de usar uma sigla derivada podem preferir optar por algo como queer, variante ou NHINCQ+.
  2. Tentar ao máximo utilizar linguagem genérica acessível quando se referir a um grupo que pode conter mais de um gênero, ou mais de um tratamento sendo utilizado. O uso de X ou @ no fim de palavras não é lido de forma ideal por leitores de monitor para pessoas que não enxergam, e letras como E deixam palavras mais fáceis de pronunciar. “Todos e todas” não inclui pessoas que só devem ser tratadas por neolinguagem.
  3. Não deve-se presumir ou inferir que há um número limitado de identidades de gênero ou de orientações, ou que orientações são apenas sexuais (ou apenas sexuais e românticas). Existem infinitas experiências com gêneros e modos de atração diferentes, e, enquanto só existem termos para algumas possibilidades, certamente novos termos ainda são e serão cunhados.
  4. Não deve-se presumir ou inferir que existem apenas sexos biológicos binários, quando balanços hormonais, genitália e características sexuais secundárias podem variar bruscamente de pessoa para pessoa. O gênero imposto ao nascer é só com base na genitália, que ainda pode ter passado por mutilação para se encaixar num modelo diádico. Muitas pessoas também passam por processos de transição corporal envolvendo hormônios ou cirurgias. Portanto, não está correta a presunção de que todas as pessoas que foram atribuídas um certo gênero ao nascer possuem todas as características biológicas associadas a tal. Isso também significa que termos como “sexo feminino” e “sexo masculino” são inapropriados tanto por associar qualidades generificadas a corpos quanto por dividir corpos de forma imprecisa.
  5. Não presumir identidade de gênero ou linguagem (artigo/pronome/final de palavra) baseando-se na aparência, especialmente na frente da pessoa, ainda mais em espaços com alta concentração de pessoas não-cisgênero.
  6. Não presumir que pessoas intersexo, de certa identidade de gênero, de certa modalidade de gênero ou de certa orientação deveriam agir ou ter certa aparência ou certo corpo.
  7. Evitar palavras estigmatizadas (“homossexual”, “traveco”, “hermafrodita”, etc.) para se referir ao grupo todo que estas palavras atingem (pessoas gays e lésbicas, pessoas trans/travestis, e pessoas intersexo, respectivamente). Uma pessoa pode utilizar palavras como estas para se referirem a si mesmas, ou a um grupo que se identifica com estas palavras, mas não para pessoas que não conhecem e que podem não querer que se refiram a elas com estas palavras, ou para um grupo gay, lésbico ou trans em geral.
    É importante reconhecer a auto identificação: caso alguém (ou alguma organização) só queira se chamar de bicha ou hermafrodita, por exemplo, estas palavras devem ser respeitadas, e você não tem o direito de reclamar que não são adequadas ou corretas.
  8. Não reclamar de identidades “complicadas demais” ou “desconhecidas demais”, ainda mais quando a pessoa que está falando sobre as próprias identidades provavelmente só está explicando sua situação, e não vai se importar se todos os detalhes não forem memorizados.
  9. Não utilizar “normal” para se referir a pessoas heterossexuais, heterorromânticas, cisgênero, perissexo ou afins. Utilizar “não-gay”, “não-trans”, “não-intersexo” ou afins pode ser coerente em certos casos, mas não na maioria deles. Por exemplo, pessoas que se referem a pessoas cis como “não-trans” estão, na prática, incluindo todas as outras identidades cisdissidentes além de trans como cis.
  10. Não tentar resumir identidades em “basicamente cis”, “basicamente hétero”, “basicamente gay”, “basicamente bi“, “basicamente homem”, “basicamente mulher”, “basicamente andrógine“, e por assim vai, sem o consentimento da pessoa ou do grupo ao qual estas expressões se referem. Respeitar as particularidades de cada experiência é fundamental para respeitar a comunidade de forma geral.
  11. Evitar explicações e termos problemáticos, como dizer que ser bi é ter atração por “ambos os gêneros”, que ser trans é “querer ser de outro gênero” (nem “querer mudar de sexo” ou “nascer no corpo errado”), ou que pangênero é “ser de todos os gêneros” (quando há limitações de gênero baseadas em cultura, corpo, trauma ou neurótipo, entre outras experiências). Também não se deve colocar toda pessoa fora do binário homem/mulher como “terceiro gênero” ou toda pessoa indígena que não é mulher ou homem como dois espíritos: são ambos termos com contextos culturais específicos. No caso de “terceiro gênero”, é um termo que impõe uma hierarquia inapropriada entre gêneros e que foi historicamente utilizado para apagar experiências de gênero cisdissidentes em culturas racializadas.
  12. Caso possível e em momentos adequados, educar pessoas sobre a existência de diversas orientações, gêneros, conjuntos de linguagem e variações que compõem o sexo biológico. Caso alguma pessoa esteja questionando a própria identidade, é importante não agir como se a solução para o questionamento seja necessariamente direta ou absoluta: é possível que as impressões iniciais da pessoa sejam distorcidas por di/cis/heteronormatividade enraizada ou por falta de vocabulário para suas próprias experiências. Cada pessoa tem o próprio processo de descoberta, e embora seja importante poder recomendar bons recursos sobre o assunto, impor termos específicos contra a vontade de alguém não é ideal.