Modalidade de gênero foi um termo cunhado em 2019 por Florence Ashley para descrever a correspondência entre a identidade de gênero de alguém e seu gênero designado ao nascimento, além de categorias suplementares que podem não descrever exatamente isso, mas que fazem parte do mesmo conjunto de rótulos. Para entender melhor o conceito, aqui estão mais informações:
O gênero imposto ao nascimento (ou sexo atribuído ao nascimento, ou termo similar) é uma designação forçada na maioria das crianças do mundo baseada em sua genitália, assim que nascem e são registradas. As pessoas em volta veem a genitália do bebê e o categorizam como homem/masculino/macho se tiver pênis ou como mulher/feminino/fêmea se tiver vagina.
(Crianças que não possuem genitálias tão estereotípicas podem passar por cirurgias não consensuais para que passem a ter genitálias padrão e só depois disso são registradas em uma das categorias citadas, podem ser registradas como uma das categorias mesmo que não tenham passado pela cirurgia ou podem ser registradas como algo diferente das categorias binárias. Isso depende muito das circunstâncias que a criança nasce e cresce.)
Enquanto isso, a identidade de gênero é algo social, de forma que é relacionada com as experiências pessoais da pessoa e com a sociedade à sua volta e os arquétipos de gêneros presentes nela (sendo que tais arquétipos são mais expansivos do que estereótipos ou papéis sociais). Sociedades diferentes vão ter ideias diferentes do que é ser homem ou mulher, por exemplo.
Quando se diz identidade de gênero, a intenção não é dizer que ela é menos real do que o que seria um gênero. Uma mulher que foi designada como mulher ao nascimento tem a identidade de gênero mulher, e pode dizer que mulher é seu gênero e que se identifica como mulher, assim como uma mulher que foi designada como homem ao nascimento tem a identidade de gênero mulher e pode dizer que mulher é seu gênero e que se identifica como mulher. O objetivo de usar identidade de gênero ao invés de gênero é incluir pessoas que não possuem gênero, que possuem mais de um gênero, que são completamente removidas do conceito de gênero e afins, que não são muito contempladas quando suas identidades são chamadas de gêneros.
Termos como “biologicamente homem” ou “nascide mulher” atribuem gênero a corpos de forma que contribui com uma concepção cissexista do mundo. Identidades de gênero são autoafirmadas com base em contextos sociais, enquanto sexo não é binário, imutável ou indicador da identidade de gênero de alguém. É por isso que os termos desta lista são explicados com base na relação de cada modalidade de gênero com a cisnormatividade, um sistema social que coloca experiências cisgênero como as ideais e/ou as únicas que existem, e não com base na presunção de que identidades de gênero geralmente têm a ver com determinados corpos.
Enfim, aqui estão algumas das modalidades de gênero existentes:

Bandeira absgênero
Absgênero
Alguém que se considera entre, além de ou removide da dicotomia cisgênero/transgênero.
Pessoas absgênero podem optar por usar outros termos além deste, inclusive utrinquegênero ou transgênero, caso se encaixem em suas definições de alguma forma.
Este termo foi originalmente cunhado como uma alternativa ao termo isogênero, o qual é uma das primeiras modalidades a serem cunhadas fora do binário trans/cis. Porém, sua definição não é exatamente a mesma, já que inclui explicitamente diferentes relacionamentos que alguém pode ter com os termos cisgênero e transgênero.
Cisgênero
Alguém que se identifica completamente e pela vida inteira com o mesmo gênero que lhe foi designado ao nascer, e que a princípio possui todas as características corporais esperadas de uma pessoa de tal gênero em sua sociedade.
Esta modalidade de gênero é injustamente considerada a padrão em sociedades eurocêntricas, e isso gera consequências como:
- Pessoas cisdissidentes, ou seja, que não são cis, são mais invalidadas ou questionadas quanto às suas identidades de gênero do que pessoas cis com experiências de vida e identidades similares, a ponto de serem consideradas menos humanas, mais dignas de violência e menos dignas de direitos;
- Qualquer pessoa que não se encaixa em todos os moldes da cisnormatividade é ou pode ser considerada cisdissidente, independentemente de sua identificação pessoal;
- Muitas pessoas cisgênero não se entendem como cisgênero, colocando-se como “normais”, “biológicas” ou outras denominações que marginalizam pessoas cisdissidentes.
Na prática, pessoas cisgênero são as que são centralizadas dentro de sociedades cissexistas. Isto é, a definição de cisgênero está sujeita a mudanças e adaptações, porque sua função principal é a de apontar uma posição social, e não simplesmente a de descrever uma forma de identificação.

Bandeira ipsogênero
Ipsogênero
Uma pessoa ipsogênero é uma pessoa intersexo que se identifica completamente e pela vida inteira com o mesmo gênero que lhe foi designado ao nascer.
O termo ipsogênero foi cunhado para reconhecer como pessoas intersexo não fazem parte da categoria cisgênero como comumente colocada, por não terem acesso total ao privilégio cis: seus corpos são tratados como fora do padrão, passam por correções para moldar seus corpos de acordo com padrões cis e muitas vezes não são mencionados quando se explica o que é ser mulher ou homem dentro de uma ótica cissexista.
Ainda assim, como o termo ipsogênero é pouco conhecido e nem todas as pessoas que se encaixam nele o usam, ainda pode ser importante ressaltar discriminação contra quaisquer corpos cisdissidentes como dicissexista, e nomear as pessoas que se encaixam nesses padrões sociais como pericis (perissexo, ou seja, não-intersexo, e cisgênero) ao invés de somente cis.

Bandeira isogênero
Isogênero
Pessoas isogênero não querem se categorizar como cis ou trans.
Este termo foi cunhado antes de termos como utrinquegênero e ultergênero, então é difícil saber se é para ser um termo que abrange qualquer modalidade de gênero que não seja cisgênero ou transgênero, ou se é para ser uma modalidade de gênero para quem não quer se categorizar como uma das outras existentes.
Muitas pessoas não-binárias se sentem excluídas do termo trans, seja pelas narrativas padrão sobre ser trans serem extremamente binárias, seja por terem tido experiências pessoais com comunidades trans exorsexistas e quererem se distanciar delas, seja por se identificarem parcialmente com seu gênero designado, seja por não terem gênero e considerarem transgênero um termo associado demais com quem tem gênero, entre outros motivos. Para estas pessoas, entre outras, o termo isogênero pode acabar sendo mais atraente do que transgênero ou outras modalidades compatíveis com suas experiências.
Quoimodal
Alguém que, assim como pessoas quoiorientadas ou quoigênero, acha o conceito de modalidade de gênero inacessível e inaplicável para si mesme.
Alternativamente, pode ser uma rejeição consciente do uso de outros termos para descrever a própria modalidade de gênero.

Bandeira transgênero
Transgênero
Alguém que se identifica, ao menos parcialmente, com um gênero diferente do gênero que lhe foi designado ao nascer, independentemente de suas características corporais. É possível notar que várias pessoas que se encaixam nesta descrição podem não querer utilizar o rótulo trans ou transgênero, utilizando somente transexual, travesti, as próprias identidades de gênero ou outras modalidades de gênero para descrever esta questão.
Enquanto pessoas cis ou ipso são sempre de gêneros binários (homem e mulher), pessoas trans podem ser tanto binárias quanto não-binárias, ou podem mesmo não ter certeza se são binárias ou não.
É possível utilizar transgênero como um termo genérico para seu próprio gênero, como uma identidade aberta significando apenas “não-cis” sem especificar gênero, mas não é comum ver isso nos dias de hoje; geralmente pessoas nesta situação utilizam genderqueer, não-binárie ou pomogênero.
O termo transgênero foi cunhado em 1965 por John Oliven, que queria uma substituição para o termo “transexualismo” visto que ser trans tem a ver com gênero, e não com orientação sexual (como outros termos que terminam em -sexual). O termo ganhou popularidade décadas depois, e já foi usado para cobrir qualquer pessoa que desafiava papéis de gênero, mas eventualmente ficou associado apenas a pessoas cuja identidade de gênero difere do gênero designado ao nascimento.
Ainda assim, ele é rejeitado por muites ativistas brasileires, que muitas vezes associam erroneamente o termo transgênero somente com fluidez de gênero ou com quem não quer realizar transição física. É por isso que muitas organizações ainda usam transexual, um termo mais associado com pessoas trans que passam por terapia hormonal e/ou cirurgias para terem corpos mais próximos com os associados a corpos pericis. Pessoas que se identificam apenas como trans ou transgênero podem e muitas vezes querem passar ou passam por estes procedimentos, fazendo com que transgênero seja um termo bem mais abrangente do que transexual.

Bandeira ultergênero
Ultergênero
Alguém intersexo que não se identifica parcialmente ou totalmente com seu gênero designado, mas que sente que não se encaixa bem na identidade trans por ser intersexo.
Pessoas ultergênero se encaixam na modalidade transgênero, e podem usar o termo em certos contextos, mas em geral se identificam primariamente como ultergênero.
De qualquer forma, o termo ultergênero não deve ser forçado em pessoas intersexo que se identificam apenas como trans ou com outras modalidades de gênero. A decisão de quais termos são os mais adequados para cada situação deve ser feita por cada pessoa intersexo.
Utrinquegênero
Alguém que, mesmo se identificando com seu gênero designado totalmente e completamente, tem um corpo que passou por algum tipo de transição e que por isso tem experiências mais parecidas com as de pessoas trans do que de pessoas cis.
Este termo é exclusivo para pessoas em sistemas onde outras pessoas/as pessoas principais são trans e decidiram viver como tal, ou para pessoas intersexo cujos corpos estão bem distantes do esperado para uma pessoa cis.

Bandeira Dois Espíritos
Sobre sociedades/culturas para as quais estas modalidades de gênero podem não fazer sentido
Várias culturas possuem sistemas de gênero que abrigam gêneros além de homem e mulher, e/ou que incluem identidades equivalentes a homem trans e/ou mulher trans. Também existem identidades que não necessariamente são ou já foram abrigadas por suas culturas como partes intrínsecas de suas sociedades, mas que são diretamente influenciadas por suas culturas e/ou pela alienação causada por colonização/imperialismo.
Pessoas com estas identidades podem não achar adequado se classificar como cis, trans, últer, ou qualquer outra modalidade de gênero que surgiu por conta de uma sociedade eurocêntrica cristã, embora também existam muitas que se classificam de tais formas. De qualquer maneira, tais pessoas ainda sofrem opressão dentro de sociedades cissexistas e (etno)binaristas.
Algumas destas identidades são evidência de que pessoas cisdissidentes não são novidade; porém, não se deve agir como se a existência de identidades fora do binário em culturas às quais alguém não pertence fosse a razão pela qual identidades que surgiram em outras culturas são válidas. Se alguém não tem a mesma experiência cultural que outras pessoas, a pessoa vê gênero de forma diferente, e portanto sua experiência com gênero é diferente. As experiências de gênero dentro de cada cultura são válidas por si só, outras não merecem ser usadas como tokens.
Links adicionais
- ‘Trans’ é minha modalidade de gênero: Uma modesta proposta terminológica – Florence Ashley
- Modalidade de gênero: Proposta para nova terminologia – Florence Ashley
- Um termo potencialmente importante: modalidade de gênero – Asterismos
- Vocabulário usado em círculos NHINCQ+ inclusivos – Ajuda NHINCQ+
- Termos referentes a grupos – Blogue Alternative
- Absgênero – LGBTQIA+ Wiki
- Absgênero – Gender Resource (Wayback Machine)
- Por que é tão difícil respeitar autoidentificação e Modalidade de Gênero – r/agender
- Cis Gênero, Ipso Gênero – TransFusion
- [Título omitido por linguagem capacitista]: Apagamento Intersexo em Retórica Cisgênero – Intersex and Out
- Ipsogênero – Pride-Flags
- Quoimodal – aceofenbies
- Higiene Sexual e Patologia – John Oliven
- FAQ Trans – orgulho estrelado
- Transgênero – Wikipedia
- O Dicionário do Anjo – Página de Raphael Carter (Wayback Machine)
- Transgênero – Pride-Flags
- ‘Intervenção divina’ ajudou Monica Helms a criar a bandeira de orgulho transgênero – The Daily Beast
- Em direção a um futuro trans? Contribuição para a história do movimento de travestis e transexuais no Brasil – Sexualidad, Salud y Sociedad
- Esclarecimento: Transgênero – Tópico do fórum do Orientando
- Ultergênero – ultergender
- Esta é minha ideia para uma bandeira ultergênero. – intersex-education (reblog)
- Cis, Trans e Utrinque – married-to-the-night
- Para resumir: é um termo exclusivo. Achei que a postagem original tivesse sido explícita em relação a isso. – married-to-the-night
- “O que é utrinque/utrinquegênero?” – Aster
- Pluralidade I: Rótulos para Origens de Sistemas – Whispering Flowers
- Isogênero – Pride-Flags
- O que podemos com a isogeneridade – Blogue Alternative
- 8 Coisas Que Você Deveria Saber Sobre Pessoas Dois Espíritos – Tony Enos
- Pessoas Nativas Americanas ‘Dois-Espíritos’ Preenchem Papéis Únicos Dentro De Suas Comunidades – Wisconsin Public Radio
- Perspectivas Tradicionais sobre ser LGBTQ2S – We R Native
- Sobre Gênero, LGBTQ, Māhū, Leʻaleʻa, e Homofobia – Kumu Hina