Um espaço de aprendizagem

O que é neolinguagem?

Neolinguagem poderia ser definida como algo que engloba todos os gêneros gramaticais não aceitos na norma padrão da língua portuguesa, e isso inclui tanto o que usa @ como um artigo e como final de palavra (“@ menin@”) quanto o que usa elu como um pronome e a letra E como final de palavra (“elu é não-binárie”).

Porém, nem todes concordam com a ideia de chamar esses gêneros gramaticais de gêneros. Afinal, qualquer linguagem deveria poder ser utilizada por qualquer pessoa de qualquer gênero, sem consequências negativas, em um mundo ideal. Fora que a ideia de gênero gramatical coeso não funciona muito bem com a ideia de pessoas terem a liberdade de serem referidas de formas mais diversas.

O termo neolinguagem vem de neopronoun, neopronome na língua inglesa. Neopronomes existem na língua portuguesa, mas neolinguagem cobre muitas outras classes gramaticais também.

Há críticas ao termo por usar um prefixo que supostamente exclui neolinguagem da língua padrão, mas a questão é que tanto o uso da neolinguagem como linguagem neutra quanto seu uso como linguagem pessoal são marginalizados por instituições misóginas e cissexistas. Assim como queer significa esquisite e ainda assim pode ser uma palavra usada de forma positiva, não é a admissão da diferença que faz com que neolinguagem seja marginalizada.

É possível que o termo possa ser revisto ou em sua definição ou em seu uso quando parte da neolinguagem for incorporada na língua padrão, mas não é este o caso atualmente.

É possível falar que os “gêneros gramaticais” padrão fazem parte da exilinguagem (que vem do termo exipronoun).


Quais são as utilidades da neolinguagem?

Na língua portuguesa, a gramática define dois gêneros: masculino e feminino. O gênero masculino utiliza o artigo o (“o chapéu”), o pronome ele (“ele é um menino”), e muitas outras palavras específicas, incluindo outros artigos e pronomes. O gênero feminino utiliza o artigo a (“a camisa”), o pronome ela (“ela é uma menina”), e muitas outras palavras específicas, que também incluem outros artigos e pronomes. Geralmente, quando estamos nos referindo a grupos com pessoas de mais de um gênero, ou a alguém de quem não sabemos o gênero, utilizamos o gênero gramatical dito masculino. Isso significa que, na norma padrão atual da língua portuguesa, linguagem neutra se refere à linguagem dita masculina.

Porém, pessoas não-binárias existem.

A existência de pessoas que não são estritamente homens e nem estritamente mulheres questiona a efetividade desse modelo. Podemos usar o gênero gramatical feminino sem nossos gêneros serem femininos, e podemos usar o gênero gramatical masculino sem nossos gêneros serem masculinos. Podemos rejeitar ambos esses gêneros gramaticais, pois ainda que não devam ser restritos a gêneros binários (homem e mulher), são associados a tais.

Neolinguagem e conceitos que a incluem tentam resolver esse problema, introduzindo novos artigos, novos pronomes, e novas variações de várias palavras. Muitas organizações e pessoas feministas também possuem interesse em desmantelar a ideia de que a linguagem associada com/atribuída a homens seja utilizada como linguagem padrão, e certas formas de neolinguagem foram feitas e/ou perpetuadas por feministas.

Assim, podemos definir dois objetivos para a existência de neolinguagem:

1. A expressão pessoal de pessoas não-binárias (entre outras) dentro de uma língua construída para reforçar que “só existem dois gêneros”;

2. Uma forma de neutralidade que não coloca uma linguagem associada a homens como a linguagem padrão.

É um equívoco acreditar que ambos os objetivos possam ser contemplados por apenas um único conjunto, ou “gênero gramatical”.

Pessoas não-binárias possuem experiências de gênero variadas, desde estar entre gêneros binários até ter um gênero completamente diferente destes, desde ter uma identidade relacionada a algum gênero binário até ter uma identidade relacionada a um conceito, desde ter vários gêneros até não ter gênero algum. Essas pessoas não necessariamente vão querer utilizar os mesmos conjuntos, mas também não necessariamente vão querer conjuntos diferentes por terem identidades diferentes.

Também existem pessoas binárias que não querem ser associadas com serem “femininas” ou “masculinas”, e que preferem usar conjuntos de linguagem diferentes de o/ele/o e de a/ela/a por conta disso.

Enquanto isso, neutralidade na linguagem não precisa levar isso em consideração, afinal o ponto é ter algum conjunto que sirva para qualquer pessoa ou grupo de pessoas, até que você descubra o conjunto pessoal do indivíduo ao qual você se refere.


Como se usa neolinguagem?

Para aprender a usar neolinguagem, precisa-se construir a noção de que estamos atribuindo conjuntos de linguagem o tempo todo.

Atribuindo, porque, sem neolinguagem, precisamos escolher se vamos tratar alguém “como mulher” ou “como homem”. Ou, no caso de grupos, precisamos escolher se vamos presumir que o grupo é composto apenas por mulheres, ou se também há homens nele. E, no caso de haverem homens, também escolhemos utilizar a linguagem associada a homens como neutra.

Ou seja: antes de se referir a alguém como “amiga” ou “moço”, ou antes de se referir a um grupo como “eles” ou “meninas”, é necessário pensar: esta é mesmo a forma adequada de se referir a este indivíduo ou grupo? Será que não vai ter gente sendo maldenominada ou se sentindo excluída ao usar estas palavras? Se a escolha de palavras não parecer adequada, pode ser uma boa ideia evitar palavras com terminações que variam de acordo com o conjunto (como camarada ao invés de amigue, amiga ou amigo) ou escolher usar algo que usa neolinguagem (como menines ao invés de meninas ou meninos). Caso alguém tenha falado seu conjunto de linguagem ou o tenha deixado disponível em seu perfil ou nome de exibição, é tal conjunto que deve ser utlizado (por exemplo, moçu se a pessoa usa -/ílu/u).

Utilizamos o termo “conjuntos de linguagem” porque, como já foi explicado, gênero gramatical não é um nome adequado para algo que não depende de gênero. Além disso, o nome conjunto de linguagem descreve muito melhor um grupo de variações na língua utilizado para diferenciações de sujeitos do que o nome gênero gramatical, que pode ser confundido com a própria denominação da identidade de gênero.

 

Conjuntos

Conjuntos podem ser escritos de diferentes formas. Também não são algo que só existe dentro da neolinguagem, já que os conjuntos padrão ou outros conjuntos que só usam elementos da língua padrão também podem ser descritos nos mesmos modelos de conjuntos que incluem neolinguagem.

No Guia para a Linguagem Oral Não-Binária ou Neutra da Wiki Identidades, conjuntos são chamados de sistemas, e são descritos por seus pronomes.

Alguém usando o sistema el descreveria seu conjunto como el, els, del, dels, nel, nels, aquel e aquels.

Já neste site, o tipo de conjunto escolhido é composto pelo artigo (definido e singular), pelo pronome (pessoal reto da terceira pessoa do singular) e pelo final de palavra (uma terminação utilizada para a maioria das palavras com variação de conjuntos de linguagem).

Alguém também usando o pronome el poderia descrever seu conjunto como -/el/’ (“el é noss’ professor’”), -/el/- (“el é quem nos ensina”), e/el/e (“el é e nosse professore”), le/el/o (“el é le nosso professor”), ou de qualquer outra forma que desejar.

É importante lembrar que nenhum desses sistemas é perfeito. Muitos aspectos de neolinguagem não conseguem ser sinalizados por nenhum deles, e não há garantia de que um sistema que contenha todas as particularidades de nossa língua consiga se popularizar.

Para entender mais sobre conjuntos de linguagem, neolinguagem, linguagem pessoal e linguagem neutra, confira os links a seguir.


Mais recursos