Uma retrospectiva de 2014
Aqui no Orientando, as páginas para cada identidade são, em geral, separadas: cada uma vai relatar a história de uma única identidade, e poucas mencionam detalhes sobre o contexto onde cada identidade surgiu para além de alguém específique apresentando um termo e definindo-o com suas palavras.
Porém, identidades LGBTQIAPN+ não surgem espontaneamente: cada uma é construída com base em concepções já existentes. Um termo como neuorientade, por exemplo, não pode existir sem o conceito de inexistência de gênero, que como parte de uma identidade precisa ser uma oposição a existência de gêneros, mesmo em uma sociedade onde só se conhecem os gêneros homem e mulher.
Estes são exemplos mais óbvios. Nesta postagem, porém, eu não tenho como dizer com certeza o quanto dos desenvolvimentos elaborados aqui são espontâneos ou partem de contextos diferentes, e o quanto se devem a interações entre as mesmas comunidades. Eu conheço parte da história por ter participado de grupos com pessoas que fizeram parte delas, ou por ler blogs onde partes dessas histórias ocorreram, mas não consigo conectar todas as pessoas que cunharam termos importantes em 2014 entre si de forma concreta. Mesmo assim, houveram e haverão pessoas colocando todas essas figuras relevantes de 2014 como parte de um mesmo movimento. Esta postagem é sobre isso.
Termos descrevendo cisdissidência e heterodissidência antes de 2014
Embora seja possível afirmar com segurança que a maior parte dos termos cunhados hoje em dia possuem suas origens na última década, isso não significa que antes dela não havia nenhuma diversidade de termos. Por exemplo:
- O termo “homossexual” surgiu no século XIX. Lésbique surgiu pela mesma época, enquanto o termo gay se popularizou como sinônimo para “homem que tem relações com homens” décadas depois. Dito isso, até o surgimento de outros termos, era comum (assim como ainda é, até certo ponto) colocar outras pessoas que desviam da cisnorma e da heteronorma como gays, lésbicas ou outros sinônimos, por mais que não se encaixem na definição comumente entendida hoje em dia de “homem ou mulher que tem atração somente pelo mesmo gênero que possui”;
- As palavras transgênero e transexual, assim como outras similares que não são mais utilizadas (como “transgenerista”), surgiram no século XX (fonte 1, fonte 2);
- O movimento bissexual – o qual está se reunindo em torno de um termo separado por conta de sua atração por múltiplos gêneros – existe desde os anos 60 ou 70;
- O Manifesto Assexual é um documento de 1972 que coloca assexualidade como “alguém que não se vê sexualmente com ninguém” ou “alguém cuja sexualidade é autocontida”, em oposição a noções de que sexo é inerentemente errado ou que não ter relações sexuais é uma forma de sacrifício. O contexto é que feministas heterossexuais, homossexuais e bissexuais dentro de um conselho de Nova Iorque podiam trazer suas próprias pautas, e Lisa Orlando e Barbie Hunter Getz sentiram que não se encaixavam em nenhum desses três grupos e se reuniram para escrever o manifesto.
- Embora o termo só tenha sido popularizado posteriormente quando mencionado na internet, TeddyMiller mencionou ter começado a usar o termo fictossexual em 1989 ou em algum ano próximo deste;
- O termo bigênero foi usado como autoidentificação em uma publicação de 1991;
- O termo neutrois, com sua definição original de “alguém que quer perder suas características físicas generificadas“, foi cunhado em 1995;
- Termos como andrógine, salmaciane e epicene são descritos também com significados que podem ser entendidos como partes de experiências não-binárias neste site publicado em 1996;
- Os termos homoflexível e heteroflexível são mencionados em um livro publicado em 1997;
- O termo pomossexual foi cunhado em uma publicação de 1997;
- Sites como Gillyboo’s Gay Graphics, Gayscape e PrideLinks, do final dos anos 90 e início dos anos 2000, já demonstram que a separação entre gay, lésbique, bi e trans era reconhecida dentro da comunidade na internet, assim como, muitas vezes, a união desses termos sob uma única bandeira ser também relevante;
- A Asexual Visibility and Education Network, mais conhecida por sua sigla AVEN, foi fundada em 2001. A organização em questão não só popularizou o conceito de assexualidade como também forneceu espaços de discussão que acabaram gerando vários termos e símbolos na década seguinte, como as orientações demissexual (2006) e grissexual (2006). A linguagem acerca da separação de orientação sexual e romântica usada no Orientando em outros lugares também foi desenvolvida na AVEN no meio da década de 2000;
- Este diagrama de 2010 inclui o termo skoliossexual (atualmente cétero/medissossexual), de forma que define o termo como “atração por pessoas genderqueer, que se identificam tanto como homens quanto mulheres, como nem homens e nem mulheres ou como completamente fora do binário de gênero”. O diagrama também usa combinações de skoliossexual com ginessexual (com definição essencialmente igual a woma/mulheorientade) e androssexual (com definição essencialmente igual a ma/homeorientade para descrever atração por um gênero binário e por pessoas genderqueer, definindo pansexual como atração por pessoas genderqueer assim como mulheres e homens e bissexual como atração por homens e mulheres;
- Genderqueer and Non-Binary Identities tem este texto de 2011 sobre como os termos não-binárie e genderqueer estavam sendo utilizados na época: algo a se destacar é que a postagem fala que a maioria das pessoas se identificavam individualmente como genderqueer, enquanto “gênero não-binário” era mais comum como termo acadêmico;
- O mesmo blog também tem esta postagem mencionando os termos transfeminine e transmasculine, o que aponta que tais termos foram cunhados em ou antes de 2011;
- O blog Ask a Non-Binary fez sua primeira postagem em 15 de março de 2011, e é um exemplo raro de Tumblr de não-binaridade com tal idade que ainda está ativo;
- Este gráfico, intitulado “O guarda-chuva bissexual”, foi postado em 2011, e menciona diversas identidades já citadas aqui, assim como lesbiflexível como alternativa a homoflexível para mulheres, bicuriose, polissexual, omnissexual, fluide, multissexual, antrossexual e outras;
- “WTFromântique”, que depois virou quoirromântique, vem de postagens feitas em 2011, como esta. No ano seguinte, o termo quoi foi sugerido;
- A orientação akoi/lith também foi cunhada antes de 2014, possivelmente em 2012;
- Este glossário de 2012 no fórum da AVEN menciona os termos androrromântique, gine/ginorromântique e transromântique (um termo para pessoas que se apaixonam principalmente pra pessoas trans, o qual é geralmente usado por pessoas trans, ainda que hoje em dia o termo “T4T” seja mais comum).
Estes são alguns exemplos dos termos que existiam/estavam em circulação antes de 2014. Há outros que não foram mencionados aqui, mas, essencialmente, temos:
- Cis e trans como modalidades de gênero;
- Algumas identidades fora do binário homem/mulher, assim como discussão sobre elas, mas poucas especificações de como alguém pode ter gêneros diferentes de homem e de mulher, e experiências poligênero ou centrigênero com tendência de serem pensadas apenas de formas que contém ambos os gêneros binários;
- Alguma especificação de atração de/por pessoas não-binárias, mas não muita (por exemplo, alguém que quer um termo que define sua atração por um gênero binário e gêneros não-binários teria que usar ou pôli ou alguma combinação de skolio com outra orientação, e não há termos que permitem a especificação de por quais identidades não-binárias alguém é capaz de sentir atração);
- Pouca variedade de termos para descrever atração fluida ou indefinida;
- Alguns termos a-espectrais surgindo, geralmente em publicações detalhadas em blogs ou discussões de fóruns, mas eles tendem a ter propósitos bem separados entre si.
Obviamente, termos que descrevem identidades não são indicativos de quantas experiências existem ou podem existir. O que acontece é que, quando divisões são formadas (heterossexual/homossexual, mulher/homem), isso abre espaço para que cada pessoa possa questionar o quanto se encaixa em cada um desses termos, e para discussões onde mais palavras precisam surgir para explicar similaridades ou diferenças entre experiências. Portanto, faz sentido que, com o passar do tempo, mais termos venham surgindo.
MOGAI (Marginalized Orientations, Gender Alignments and Intersex)
Esta sigla foi desenvolvida em discussões no Tumblr, como esta, esta e esta. Como é possível perceber pelas datas, sua formação é datada do início de 2014, ainda que a pessoa creditada com a sigla exata não tenha certeza de onde está sua postagem original acerca disso.
A razão principal da sigla ter sido formada é se afastar de siglas formadas por listas de identidades (como LGBTQIAPN+) e da sigla GSM ou GSRM, pelo M significar “minorias” ao invés de grupos marginalizados/minorizados e por alegações da pessoa que cunhou tal sigla também querer incluir parafilias como “minorias sexuais” (e românticas, na versão com R).
A sigla MOGII também ficou em circulação por um tempo, mas a questão é que os “alinhamentos de gênero” (Gender Alignments) os quais foram inclusos em MOGAI não se tratavam do que conhecemos como alinhamento de gênero hoje, e sim de uma tentativa de definir modalidade de gênero (um termo que só foi cunhado 5 anos depois). “GI” (Gender Identities) foi um termo rejeitado porque, enquanto homem é uma identidade de gênero e existem homens trans, mulher também é uma identidade de gênero e existem mulheres cis; em questão de identidade de gênero por si só, mulheres são um grupo marginalizado, mas homens não.
É interessante notar que, mesmo que MOGAI tenha ficado com a reputação de ser só para identidades “não consagradas” – isto é, termos mais novos, termos que rejeitam tanto a cisgeneridade quanto a transgeneridade, identidades não-binárias mais específicas usadas por pouques, orientações que são consideradas impossíveis por quem só acredita em atração por homens, por mulheres ou por ambos estes gêneros, e por assim vai – não existiam tantos desses termos na época que a sigla foi cunhada. Era comum colocar toda a a-espectralidade “dentro do guarda-chuva assexual”, toda atração por múltiplos gêneros “dentro do guarda-chuva bissexual” e toda cisdissidência “dentro do guarda-chuva trans”: portanto, LGBTQIA+ não estaria longe de ser uma sigla completa, faltando apenas algumas pessoas com orientações indefinidas, fluidas ou definidas por atração de e/ou por pessoas não-binárias.
Mesmo assim, acredito que a criação da sigla MOGAI tenha aberto novas possibilidades: as pessoas não precisavam mais justificar conexões com termos existentes para descrever suas experiências. Por exemplo, alguém com atração fluida não precisaria justificar seu lugar na comunidade por meio de estar “dentro do guarda-chuva bi” ou “dentro do guarda-chuva assexual”: ter uma orientação heterodissidente por si só seria justificativa suficiente para inclusão.
Esta pode parecer uma questão superficial ou pedante, mas a questão é que invalidação de experiências incomuns ou pouco representadas é algo muito comum tanto dentro quanto fora de comunidades LGBTQIAPN+. Portanto, não é inconcebível que pessoas mais inseguras só tenham conseguido falar sobre suas experiências a partir do ponto em que haviam mais sinais de que elas seriam aceitas.
Blogs de cunhagem/arquivamento
Embora pessoas LGBTQIAPN+ já se reunissem em fóruns e outras redes sociais, Tumblr facilitou bastante o compartilhamento de novos termos, tanto em comunicação direta com blogs que servem ou serviam para centralizar conhecimento sobre termos quanto pelo meio de “reblogar” postagens já feitas por outres. Também surgiram alguns blogs específicos para resolver dúvidas ou oferecer apoio sobre identidades específicas.
O blog Non-Binary Noise, que repostou vários termos relacionados com não-binaridade, começou em janeiro de 2013. Em tal ano, houveram postagens definindo os termos gênero-fluido, androginia, agênero, neutrois, bigênero, hijra, dois espíritos, gêneros não-binários e genderqueer, em termos de identidades de gênero ou questões similares.
Não houveram muitas postagens em 2014, mas, em 2015, mais de 40 novos termos foram definidos, incluindo muitos cunhados em 2014, como alexigênero, juxera, gênero-cinza, aporagênero, intergênero (com a definição de 2014 por actuallyintersex) e apogênero. Mesmo com a inatividade no ano de 2014, é possível perceber um aumento significativo na gama de identidades não-binárias disponíveis.
O Tumblr Pride Flags For Us foi capturado pela primeira vez na Wayback Machine por uma postagem feita em 13 de junho de 2014 sobre uma bandeira de orgulho hétero. Embora tenha sido refeito e depois deletado de vez posteriormente, foi neste blog que originaram vários termos e bandeiras, como poligênero-fluxo (20/06/2014), novi (06/07/2014), amicussexual (ao menos a bandeira é de 05/10/2014), anogênero (bandeiras publicadas em 28/10/2014) e demirromântique (bandeira publicada 30/09/2014).
O blog MOGAI Archive é, ou ao menos foi, um dos exemplos mais famosos de blogs que arquivaram termos. Embora só tenha funcionado por, no máximo, um ano, é por lá que foram divulgados termos como ambonec, duragênero, biexgênero, autigênero, cáli, vácuo (como orientação) e cas. Um documento contendo todas as identidades não-binárias listadas em MOGAI Archive em 23 de agosto de 2014 pode ser encontrado aqui.
Curiosamente, o Tumblr Pride Archive só esteve ativo durante os meses de julho e agosto de 2014, mas ele ajudou a divulgar dezenas de termos e bandeiras. Algumas das bandeiras feitas por Lyric, que administrava o blog, foram Gênero-Leão (Lyric também cunhou o termo em questão), leukogênero, inersgênero (termo mais conhecido como apagênero), paragênero, hemigênero e ignota/fray.
É possível que hajam outros exemplos, mas acredito que estes tenham sido os mais influentes. O Tumblr Heterosexual is not a default, por exemplo, tem vários termos arquivados, mas ele só começou a ser mais ativo a partir de janeiro de 2015 e não consigo lembrar de nenhum termo que tenha sido cunhado a partir de tal blog. Purrloin sucks arquivou várias identidades não-binárias publicadas em MOGAI Archive, mas o blog não tem muito além disso.
Em 2015, surgiram MOGAI Lexicon (que não existe mais) e Pride-Flags (que posteriormente também passou a responder perguntas no Tumblr via Ask Pride Color Schemes). Outros arquivos e blogs similares também foram surgindo nos anos seguintes, mas é interessante notar que não existiam muitos antes de 2014.
O efeito dominó
Ok, foi feita uma sigla que encorajou expressão pessoal ao descrever identidades LGBTQIAPN+ e haviam blogs dispostos a arquivar e espalhar esse vocabulário que foi surgindo. Porém, ainda não foi dado muito foco em relação a qual foi a progressão dos termos foram surgindo durante o ano de 2014.
Primeiramente, quero falar sobre o termo aliagênero, originalmente proposto em 20 de janeiro de 2014. A ideia era de descrever um gênero cuja sensação era de estar além dos conceitos de homem, mulher, andrógine ou gênero neutro.
Pelo termo ter sido mal interpretado como apropriativo, o termo aporagênero foi cunhado como uma forma supostamente mais ética de se ver como um gênero diferente de homem e mulher. Porém, foi espalhada a ideia de que “aporagênero é um termo baseado em aliagênero”, e, assim, tal termo também foi colocado como igualmente apropriativo, e, portanto, inapropriado.
O termo maverique (31/05/2014), que também descreve um gênero separado de homem, mulher, gênero neutro ou qualquer combinação entre tais gêneros foi cunhado pela mesma época que aporagênero, embora isso aparentemente tenha sido coincidência. O termo gênero-inconformista (16/06/2014) foi cunhado com base em maverique, com a diferença principal sendo que pessoas gênero-inconformista desafiam intencionalmente as normas de gênero.
Outro termo derivado da mesma árvore foi ilyagênero (30/12/2014), termo cunhado com a intenção de ser mais específico do que aporagênero ou maverique.
Voltando para o início do ano, temos gênero-estrela: um termo cunhado em 27 de janeiro de 2014 para descrever uma experiência de gênero tão desconhecida que seria alienígena ou não-humana, talvez como de uma estrela, por ser um gênero completamente distante dos gêneros binários e que ao mesmo tempo também parece poder ser uma neutralidade que abrange tanto feminilidade quanto masculinidade. Embora gênero-estrela tenha se tornado um exemplo de “identidade ridícula para odiar” na anglosfera (assim como a presença de gênero-fofo no Orientando incitou ódio e chacota contra esta identidade específica na lusosfera), e tenha tido popularidade suficiente para ter alguns blogs dedicados à identidade (como stargender support), não é um termo que parece ter sido muito citado como influência para a cunhagem de outras identidades não-binárias.
Dito isso, caelgênero (julho de 2014; bandeira de 2015) e gênero-astral (09/06/2016) são exemplos de identidades onde ao menos suas bandeiras provavelmente foram influenciadas por esta bandeira gênero-estrela publicada em Pride Flags For Us em 16 de abril de 2014, a qual foi posteriormente republicada em qualidade melhor em Pride-Flags.
Os termos colocados dentro do guarda-chuva chamado gêneros do zodíaco também começaram a ser cunhados em 2014, com gênero-Libra. Pride Archive, após publicar tal termo, chegou a fazer postagens sobre gênero-Áries, gênero-Virgem, gênero-Leão, gênero-Aquário, gênero-Câncer e gênero-Touro, o que coloca estes termos em 2014, mesmo que algumas das postagens originais cunhando tais termos tenham sido perdidas.
Algumas pessoas também começaram a publicar listas com cunhagens de identidades não-binárias, ao invés de se limitarem a uma identidade de cada vez. Curiosityismysin cunhou estetigênero e fisgênero em uma lista contendo outras 4 identidades. Os termos apogênero, egogênero, histrigênero e paragênero foram cunhados juntos. O termo xenogênero, que possivelmente se tornou o maior guarda-chuva de identidades não-binárias além de termos como não-binárie ou genderqueer, foi cunhado em uma lista com várias outras identidades, incluindo gênero-vácuo.
Os termos feminine in nature e masculine in nature também vieram de uma sugestão ao Pride Flags For Us publicada em 20 de julho de 2014. Estes conceitos geraram um modelo repetido para muitas outras qualidades, como autonomia de gênero e aporinidade, de formas que são tanto usadas como partes de orientações quanto como identidades de gênero.
Proqua e proquu surgiram como orientações feitas para pessoas não-binárias femininas e masculinas. São possivelmente alguns dos primeiros exemplos de orientações feitas para pessoas com identidades não-binárias específicas, e também de orientações feitas para que pessoas não-binárias usem, em geral: afinal, termos como fin/min e gine/andro eram abertos para pessoas binárias, enquanto cétero/medisso só ganhou a conotação de exclusividade para pessoas não-binárias por conta de preocupações com fetichização, ao invés de ter sido um termo pensado somente para quem era não-binárie.
Enquanto o termo demigênero tenha provavelmente surgido antes de 2014, termos como nanogênero, magigênero, pixelgênero, horogênero e duragênero provavelmente foram cunhados em 2014. Além disso, demigenderpalace e demigenders são ambos blogs demigênero focados em responder dúvidas/informar que só ficaram ativos em 2014 e 2015.
Proxvir e juxera (02/07/2014) também são outros termos relativamente conhecidos que surgiram em 2014. Assim como os termos do parágrafo anterior, estes facilitam estabelecer conexões com outras identidades já existentes para especificar experiências de gênero com mais sutileza, embora juxera e proxvir se resumam a estabelecer tais conexões com mulher e homem.
Autigênero já foi mencionado, mas os termos gênero-vago, arovague e acevague provavelmente também foram cunhados em 2014, assim como neurogênero. Estes termos abrem as portas para identidades que têm neurodivergência como pré-requisito. Naquela lista de termos publicados em MOGAI Archive, múltiplos outros neurogêneros aparecem, como corugênero, fascigênero, gênero-neblina, ludogênero, maestusgênero, narkissisgênero e nesciōgênero.
Em relação à fluidez de atração: a orientação mud provavelmente foi cunhada até meados de junho de 2014. Há este compartilhamento de MOGAI Archive apontando como data máxima o mês seguinte para a cunhagem de acefluxo e arofluxo, a qual inclusive referencia gênero-fluxo, outro termo provavelmente cunhado em 2014. Esta postagem sobre omnigay também aponta que é provável que o termo tenha sido cunhado no mesmo ano.
Acredito que isto já dê uma ideia do quanto cada vez mais termos foram cunhados durante este período. Além de casos específicos, acho que é possível perceber os seguintes padrões:
- Pessoas tendo ideias para termos a partir de outros que também recém foram cunhados;
- Pessoas cunhando termos como forma de resistência contra discursos queermísicos;
- Pessoas querendo evitar conotações de termos anteriores, seja por não se verem como partes daquelas comunidades, seja por acreditarem que os termos anteriores eram problemáticos a ponto de serem evitados completamente;
- Socialização a partir da cunhagem de termos, por meio de discussões intracomunidade, participar de esforços de arquivamento e afins.
A comunidade lusófona
O Tumblr Espectrometria Não-Binária só teve atividade em 2014 e 2015. A Wiki Diversidades, originalmente Wiki Identidades, também começou em 2014.
Em tais espaços, foram promovidas algumas identidades não-binárias, como as presentes nesta revisão de 18 de dezembro. Gráficos como este de símbolos de gênero e este explicando espectros de gênero também foram publicados em 2014.
A publicação Guia para a Linguagem Oral Não-binária ou Neutra (PT-BR) não oferece alguma forma resumida de explicitar preferências da mesma forma que o modelo artigo/pronome/final de palavra, mas demonstra diversas opções de pronomes (el, ilu, elu, ili) e de finais de palavra (e, nada/apóstrofo, i), além do neoartigo le.
Sei que também existiam comunidades de Facebook acerca da não-binaridade, que inclusive geraram ou influenciaram tais plataformas e publicações, mas, como alguém que nunca teve Facebook, nunca tive muito contato com tal parte da comunidade. (Sintam-se livres para preencher esta ou outras lacunas nos comentários!)
De qualquer forma, o foco parece ter sido reunir identidades cunhadas na anglosfera, e não a cunhagem de termos próprios, com a exceção da questão da neolinguagem. A quantidade de neutralidade em si como um aspecto de identidades de gênero, a qual aparece no gráfico acima, parece ser um conceito original, mas não parecem haver publicações mais detalhadas sobre o conceito.
A magia continuou?
Como já mencionei, alguns dos blogs da época ainda estão ativos, e outros espaços também foram surgindo. Alguns exemplos de contas de Tumblr que estão arquivando postagens atualmente são radiomogai e centlpede, mas projetos como LGBTQIA+ Wiki e Gender Wiki facilitam a contribuição comunitária em comparação com espaços no Tumblr.
Termos ainda são cunhados com muita frequência, e não só no Tumblr (ainda que seja mais fácil pesquisar no Tumblr do que no Instagram ou no X). Já não estamos mais numa era onde é fácil acompanhar todas as cunhagens já feitas, porque elas são feitas de forma espalhada e independente. Os termos em questão acabam se perdendo mais facilmente por conta disso (de modo geral), mas também é mais comum ver pessoas não se importando com informar outres sobre os termos que usam ou cunham: listas repostando definições são menos comuns, por exemplo.
Dito isso, não acredito que faça sentido chamar os termos cunhados nesta época de “mortos”. Embora alguns nunca tenham obtido grande popularidade, muitos dos termos cunhados no meio da década de 10 são justamente os que estão arquivados em mais lugares.
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