Um espaço de aprendizagem

Posts by Aster

26 de outubro: Dia da Visibilidade Intersexo  0

Uma das bandeiras intersexo, criada pela OII

Esta é uma das poucas datas dedicadas a pessoas intersexo. Nenhuma identidade LGBTQIAPN+ possui muitas datas por si só, mas levando em consideração a invisibilidade de questões intersexo dentro de espaços LGBTQIAPN+, parece que é pouco.

Caso você não saiba o que significa intersexo, você pode ver a página sobre isso aqui. Caso esteja sem tempo, pessoas intersexo são pessoas que, por motivos congênitos – ou seja, naturais, e não induzidos por acidentes, terapia hormonal ou cirurgias – não se encaixam nos padrões diadistas de “sexo feminino” ou “sexo masculino”. Isso pode ser devido a uma série de fatores, afinal existem dezenas de variações corporais relacionadas a sexo conhecidas.

Poucos países possuem o direito à autodefinição de gênero ou à autonomia corporal de pessoas intersexo. De fato, apenas Malta, um pequeno país europeu, atualmente garante integridade física, autonomia corporal, reparações, proteções anti-discriminação, acesso a documentos de identificação, acesso aos mesmos direitos de pessoas perissexo/diádicas (não-intersexo) cisgênero, direito a mudar seus documentos entre masculino e feminino e acesso a uma classificação X nos documentos caso não se sintam confortáveis com categorias binárias. (Fontes: 1, 2)

Ou seja, na maior parte dos países, pessoas intersexo não possuem acesso a classificações além de “masculina” ou “feminina” em seus documentos. Tais classificações não podem ser autodeterminadas. Pessoas intersexo menores de idade não possuem proteções contra terapias hormonais e cirurgias de mutilação genital forçadas e/ou erroneamente recomendadas por pessoas da área médica que acreditam que ser intersexo é “doença” ou “malformação” a ser “curada”. Não possuem nenhuma proteção contra discriminação por serem intersexo. Também não possuem nenhum direito a reparações pelo sofrimento que essas condições de vida podem causar. E, ainda assim, muitos grupos que lutam por direitos humanos nem mencionam questões intersexo.

A partir da introdução e da fortificação do binário de sexo e gênero, pessoas intersexo tornaram-se marginalizadas por seus corpos supostamente “não alinharem” com seus gêneros, assim como outras pessoas não-cis (outras porque pessoas intersexo não possuem privilégio cis), e assim como pessoas não-hétero são excluídas pelos seus gêneros/corpos “não alinharem” com as expectativas sobre suas atrações. Por isso, pessoas intersexo fazem parte da comunidade LGBTQIAPN+, ainda que existam pessoas intersexo que não se sentem seguras ou que não fazem questão de participar de espaços para a comunidade, assim como existem pessoas gays, bi, assexuais, não-binárias, etc. que fazem o mesmo.

Algumas organizações atualmente incluem pessoas intersexo em suas versões da sigla (LGBTI, LGBTIQ, LGBTQIA, etc.), mas muitas tentam passar a ideia de que questões intersexo são totalmente diferentes de “questões LGBT” (como se as identidades cobertas por essas quatro letras não tivessem demandas diferentes entre si), que pessoas intersexo “cis e hétero” estão “se forçando na comunidade”, ou que pessoas de alguma outra identidade “controversa” (queer, assexual, arromântica, não-binária, etc.) estão “forçando pessoas intersexo na comunidade” para “confundir as pessoas e arranjar desculpas para invadir a comunidade”. Essas versões da história ou do propósito da comunidade são desrespeitosas tanto a pessoas intersexo quanto a outras pessoas que não são visivelmente parte da sigla que foi definida como “tradicional” ou “consagrada”.

Como comunidade e como pessoas, devemos aceitar, respeitar e incluir pessoas intersexo, não só por suas demandas serem parecidas com outras partes da comunidade, mas também por serem um grupo marginalizado pela sociedade dicissexista por si só.

Procurem se informar, especialmente pelo dia de hoje ter gerado diversas postagens sobre questões intersexo.

Intersex Day (inglês/espanhol) (+ Facebook)

Visibilidade Intersexo (+ Tumblr)

Intersexo e Dignidade

Coletivo Intersexo RS (sem postagens informativas no momento, precisa de gente)

#VisibilidadeIntersexo no Twitter

#VisibilidadeIntersexo no Instagram

#Intersexo no Instagram

A culpa des excluídes  2

Boa parte das pessoas LGBTQIAPN+ – e, convenhamos, especialmente quem tem não tem sua identidade explicitamente descrita na sigla – já ouviu falar que estamos “complicando as coisas demais”, que estamos criando rótulos “desnecessários” ou “específicos demais”, que temos “fetiche por rótulos”, que estamos “reforçando normas” ou “colocando pessoas em caixas” por meio da existência de rótulos, ou da identificação com estes rótulos.

Já escrevi sobre o possível motivo das pessoas preferirem certos rótulos ao invés de rótulos mais “comuns” ou “óbvios”. Esta postagem é mais para questionar a direção da raiva, indignação ou frustração das pessoas que não compreendem o motivo desses rótulos existirem.

Quando questionam a existência da identidade pan, já que bi supostamente incluiria qualquer tipo de atração por mais de um gênero, é a comunidade pan que é questionada, ou vista como dramática: não se pensa em quanto comunidades bi empurraram tanto ideais cissexistas (de não incluir pessoas trans em sua atração) ou exorsexistas (de considerar que só existem dois gêneros, homem e mulher, e que esses devem ser os gêneros pelos quais pessoas bi são atraídas).

Aliás, quando questionam a existência da identidade bi, é a culpa da própria comunidade bi que “quer fazer modinha”, e não do heterossexismo que coloca a atração por determinado gênero como importante, ou do monossexismo da sociedade em acreditar que uma pessoa só pode ter atração por um ou por outro gênero.

Quando questionam o uso de bi e pan ao invés de bissexual ou pansexual, a culpa é das comunidades assexual e arromântica que quiseram “esmiuçar orientações desnecessariamente”, não da insistência da sociedade em tratar amor e sexo como um pacote único.

Quando questionam identidades como gênero-fofo, gênero-estrela e altegênero, são essas pessoas as culpadas por “confundir gostos/personalidade com gênero”, “trivializar questões trans” ou “criar caixinhas”, e não a sociedade que é culpada por reforçar a ideia de dois gêneros binários distintos com expectativas definidas, e depois reclamar que várias pessoas não querem se identificar com esses gêneros não importa o quanto há uma flexibilidade maior dessas expectativas.

A culpa também certamente não é das pessoas que assumem coisas sobre rótulos menos específicos como não-binárie e gênero queer, descrevendo pessoas que se identificam como tal como “sem gênero” ou “meio homem meio mulher” ou “neutras” ou “confusas sobre gênero” sem ao menos perguntar como experienciam sua não-binariedade. A culpa também não é de pessoas não-binárias de rótulos mais abrangentes ou até mesmo “aceitáveis” que pregam o quanto suas experiências não-binárias são as únicas que existem.

Transgênero como palavra para substituir transexual? A culpa é desse bando de floquinhos de neve especiais que não conseguem se decidir se são trans ou não e que se ofendem com qualquer tipo de cissexismo casual, não da comunidade médica que usa transexual como diagnose, ou de setores da comunidade transexual que reforçam ideais exorsexistas, ou até mesmo a ideia cissexista de que só pessoas trans que passam por transição médica possuem o direito de serem respeitadas como seu gênero de verdade.

Rotular a orientação como queer? Pra quê, pra se achar? Porque certamente não é por causa do cissexismo em comunidades gays e lésbicas, ou do estigma da palavra bissexual, ou da rejeição de outros rótulos pela sociedade em geral ou mesmo por comunidades LGBT- como ridículos e desnecessários.

Cupiossexual, demissexual, gray-assexual? Só diga assexual! Mesmo que isso faça as pessoas questionarem sua identidade assim que você expressar interesse sexual em alguém, ou falar que gosta de sexo, ou que quer sexo. Mesmo dentro da própria comunidade assexual.

Se palavras existem, há razão para elas. Não importa o quanto você não as usaria. Rótulos servem para mostrar que existem possibilidades, não para estereotipar ou limitar. Caso você não se sinta confortável com seu rótulo, use outro, e confie que outras pessoas possuem discernimento para fazer o mesmo.

Qualidades de gênero  6

Atualização de 22/07/2020: Esta postagem é antiga, e teria sido completamente diferente se fosse feita hoje em dia. Quero que quem leia tenha as seguintes coisas em mente:

  1. Todas essas definições, especialmente as relacionadas com gêneros binários, partem de um ponto de vista branco, que parte de uma cultura eurocêntrica e cristã. Outras culturas/sociedades vão perceber essas características de forma diferente e/ou ter outras características relacionadas com gêneros.
  2. Estas qualidades de gênero podem ser chamadas de elementos de gênero em outros contextos, e eu provavelmente teria postado sobre eles caso o termo tivesse sido cunhado na época. Elementos de gênero são coisas que fazem parte da experiência de gênero e que geralmente interagem com a identidade de gênero, podendo ser um aspecto importante de tal identidade, mas que podem ser descritos à parte da identidade de gênero.
  3. Ambiguidade, autonomia, outerinidade… diversas outras qualidades de gênero já foram cunhadas. Esta postagem não é nada completa como uma lista de referência.
  4. Esta postagem usa gênero feminino binário como sinônimo de mulher, e gênero masculino binário como sinônimo de homem. Porém, classificar mulheres como um gênero feminino e homens como um gênero masculino tanto estigmatiza pessoas binárias que não são femininas/masculinas quanto pessoas não-binárias cujos gêneros são femininos sem ter a ver com ser mulher, masculinos sem ter a ver com ser homem, parecidos com mulher sem serem femininos ou parecidos com homem sem serem masculinos.

Este é um assunto complexo, abstrato e subjetivo. Esta postagem não possui o intuito de classificar pessoas em categorias contra suas próprias vontades, ou de dizer que existem pessoas que precisam trocar seus rótulos porque estão utilizando tais rótulos do jeito errado. Confio que cada pessoa tenha seus motivos para utilizar ou não utilizar certos rótulos, e acredito que nem todas as pessoas precisem de rótulos ou de alinhamentos, além de acreditar que há possibilidades infinitas de qualidades de gêneros, assim como existem possibilidades infinitas de experiências de gênero.

Também gostaria de avisar que esta postagem pode ter linguagem mais rebuscada/complexa do que a maior parte do que escrevo. Dicio me ajudou muito, e pode ajudar vocês também. Alguns conceitos mais importantes estão linkados em suas primeiras aparições.

Agora que os avisos foram dados, eis a postagem em si:

Existem diversas maneiras de descrever gêneros. Boa parte dela tem a ver com certas qualidades. Enquanto algumas qualidades sejam simplesmente sinestésicas, ou analogias, existem algumas que aparecem com certa frequência. Algumas delas são:

Feminilidade: Geralmente, feminilidade é associada com delicadeza, passividade, requinte e vaidade; estereótipos associados ao gênero feminino binário. Obviamente nem todas as pessoas femininas cumprem estes estereótipos, assim como mulheres e meninas não deveriam se sentir obrigadas a cumpri-los. Porém, feminilidade (assim como outros itens da lista) é um arquétipo, que pode ser aplicado por diferentes pessoas em diferentes contextos.

Também gostaria de dizer que esta definição de feminilidade tem bastante a ver com a cultura em que cresci, e ela pode variar de acordo com a cultura ou experiência de vida de cada pessoa.

Pessoas de qualquer gênero podem se dizer femininas, mas existem gêneros específicos que giram em torno disso, como nonera, ceterofeminine e femigênero. Por causa da conflução entre feminilidade e gênero feminino (mulher/menina), pessoas não-binárias que sentem conexões com feminilidade ocasionalmente se identificam com gêneros não-binários relacionados ao gênero feminino (ou que possuem mulher/menina no nome), como juxera, demimulher e mulher não-binária.

Mulheridade: Característica associada a ser mulher. Geralmente essa palavra é encontrada em contextos feministas, mas ela também é útil fora deles para dissociar a ideia de feminilidade da ideia de ser mulher, e para discutir a associação que certas pessoas não-binárias sentem com ser mulher.

Mulheridade, na minha opinião, também é um arquétipo, mas um com significados que variam muito mais de pessoa para pessoa do que o arquétipo de feminilidade. Mulheridade pode ser associada à sororidade, ao companheirismo entre mulheres ou pessoas que se alinham com mulheres. Pode ser associada ao corpo, tanto para as pessoas que desejam ter corpos associados estereotipicamente a mulheres quanto para as pessoas que abraçam a ideia de que seu corpo é um corpo de mulher ou possui associação com ser mulher. Pode ser associada à feminilidade. Pode ser associada a experiências em grupos de mulheres, ou a experiências de ser tratade como mulher, ou de querer ser tratade como mulher.

Obviamente, essas características não fazem de alguém mulher ou mais mulher, mas pessoas que se identificam positivamente com estas experiências podem querer se identificar com mulheridade, parcialmente ou totalmente.

Pessoas que se identificam com mulheridade podem ter diversos gêneros além do feminino binário, e não são obrigadas a se rotular de forma que sua mulheridade seja óbvia (como mulher agênero ao invés de agênero ou mulher não-binária ao invés de não-binárie). Porém, existem gêneros não-binários especificamente relacionados ao gênero feminino binário, como juxera, menina-fluxo e schrodimenina. Por causa da conflução entre feminilidade e mulheridade, pessoas não-binárias que sentem conexões com mulheridade ocasionalmente se identificam com gêneros não-binários relacionados à feminilidade (ou que possuem “feminine” no nome), como librafeminine, transfeminine e femigênero.

Masculinidade: Geralmente, masculinidade é colocada como o contraponto da feminilidade. Ou seja, geralmente é associada com rudeza, ação, agressividade e desleixo; estereótipos associados ao gênero masculino binário. Obviamente nem todas as pessoas masculinas cumprem estes estereótipos, assim como homens e meninos não deveriam se sentir obrigados a cumpri-los.

Também gostaria de dizer que esta definição de masculinidade tem bastante a ver com a cultura em que cresci, e ela pode variar de acordo com a cultura ou experiência de vida de cada pessoa.

Pessoas de qualquer gênero podem se dizer masculinas, mas existem gêneros específicos que giram em torno disso, como nonvir, ceteromasculine e mascugênero. Por causa da conflução entre masculinidade e gênero masculino (homem/menino), pessoas não-binárias que sentem conexões com masculinidade ocasionalmente se identificam com gêneros não-binários relacionados ao gênero masculino (ou que possuem homem/menino no nome), como proxvir, demimenino e homem não-binário.

Hombridade: Esta palavra pode se referir a “uma aparência máscula e viril”, ou a uma característica de quem é “íntegre, destemide e corajose”. Esta palavra derivou-se de hombridad, que daí sim se refere ao que estamos falando aqui: a “qualidade de ser homem”, ou “qualidade exclusiva de homens”. Também tentei procurar por outras opções, mas a única que gerou resultado foi hombritude, que aparentemente é utilizada da mesma forma que hombridade. Ou seja, não achei nada que falasse de ser homem por si só, sem o arquétipo machista de que homens são o ápice da sociedade, fodões, etc etc. Enfim, estou usando hombridade aqui no lugar de uma palavra melhor, para falar de características relacionadas a ser homem, que não necessariamente são exclusivas de homens binários, e que não necessariamente possuem conexões com o arquétipo da masculinidade.

Hombridade pode ser associada à fraternidade, ao companheirismo entre homens ou pessoas que se alinham com homens. Pode ser associada ao corpo, tanto para as pessoas que desejam ter corpos associados estereotipicamente a homens quanto para as pessoas que abraçam a ideia de que seu corpo é um corpo de homem ou possui associação com ser homem. Pode ser associada à masculinidade. Pode ser associada a experiências em grupos de homens, ou a experiências de ser tratade como homem, ou de querer ser tratade como homem (de uma maneira não relacionada ao privilégio, e sim à utilização da palavra homem, ou talvez à utilização da linguagem o/ele/o, e conceitos relacionados).

Obviamente, essas características não fazem de alguém homem ou mais homem, mas pessoas que se identificam positivamente com estas experiências podem querer se identificar com hombridade, parcialmente ou totalmente.

Pessoas que se identificam com hombridade podem ter diversos gêneros além do masculino binário, e não são obrigadas a se rotular de forma que sua hombridade seja óbvia (como homem neutrois ao invés de neutrois ou homem não-binário ao invés de não-binárie). Porém, existem gêneros não-binários especificamente relacionados ao gênero masculino binário, como proxvir, menino-fluxo e schrodimenino. Por causa da conflução entre masculinidade e hombridade, pessoas não-binárias que sentem conexões com hombridade ocasionalmente se identificam com gêneros não-binários relacionados à masculinidade (ou que possuem “masculine” no nome), como libramasculine, transmasculine e mascugênero.

Androginidade: É relacionada à mistura de qualidades masculinas e femininas. Por andrógine já ser um gênero não-binário, não vemos muitas pessoas distinguindo androginidade como mistura de masculinidade e feminilidade de androginidade como mistura de mulheridade e hombridade.

Por conta do exorsexismo da sociedade, androginidade não é um conceito muito explorado, então acaba sendo mais vago do que os anteriores. Além disso, é um conceito muitas vezes misturado com o conceito de neutralidade, pela crença de que como só existem dois gêneros, o que estiver entre os dois é neutro. Mesmo assim, existem pessoas que se associam com androginidade e não com neutralidade, e vice-versa.

Existem muitas pessoas que acabam descrevendo seu gênero como “um pouco dos dois”, “meio homem e meio mulher”, “bicha fancha”, aquela palavra com H utilizada para alienar pessoas intersexo, e outros termos que remetem tanto ao gênero masculino quanto ao feminino, ou tanto à masculinidade quanto à feminilidade; essas pessoas podem se identificar com um conceito de androginidade.

Há gêneros além de andrógine que podem ser associados com androginidade, como inavire, ambonec e alteandrógine. Mas é possível ter conexão com androginidade sendo de qualquer gênero.

Neutralidade: É relacionada à neutralidade em relação a todos os gêneros ou qualidades relacionadas a gêneros. Pode ter a ver com não ter gênero, com não se importar com arquétipos de gênero, entre outras questões. Também é um conceito que não é tão discutido, e que pode parecer vago por conta disso.

Assim como as outras qualidades, não é necessário ter um gênero neutro ou não ter gênero algum para se identificar com neutralidade. Porém, existem gêneros especificamente relacionados com neutralidade, como gênero neutro, transneutre e ceteroneutre.

Maveriquinidade, maverinidade ou veriquinidade: É definida como o conceito de masculinidade em relação a homens, ou de feminilidade em relação a mulheres, só que em relação a maveriques. Não existe muita discussão sobre o que cobre o arquétipo da maveriquinidade, mas pode ter a ver com a independência do binário de gênero além da neutralidade, androginidade ou ausência de gênero.

Desta forma, poderia ser associada a vários gêneros não-binários, mas fora isso, maverinidade pode ser associada a certas expressões de gênero que tentam ir além de “misturar sinais masculinos e femininos” ou de neutralidade.

É possível que existam outras palavras para conceitos similares a estes, ou que novas palavras venham a surgir, porém acredito que este seja um bom panorama de quais qualidades temos atualmente. =)

Como uma identidade é formada?  0

A resposta para esta pergunta varia de acordo com cada pessoa.

Com certeza existem instituições pesquisando o que forma o gênero ou a atração. Mas, convenhamos: isso não importa. A única coisa que vai acontecer serão testes que invalidarão as identidades de pessoas que não se encaixarem no critério adequado. E, se o motivo for genes, esterilização forçada será uma possibilidade.

(Vale lembrar que, em vários países, uma pessoa trans precisa ser esterilizada para ser reconhecida como sendo do seu gênero.)

Enfim, a comunidade LGBTQIAP+ precisa parar de se distanciar de pessoas que formam suas identidades de forma diferente. Assimilação tem sua parte nisso, mas outros fatores também.

Bandeira duo

A recente e pouco conhecida bandeira duo

Algumas pessoas possuem atração fluida. Isso significa que podem sentir atração por gêneros diferentes – ou por gênero nenhum – em períodos de tempo diferentes.

Às vezes, pessoas conhecem identidades como gênero-fluido e suas variações, mas raramente são encontradas pessoas que conhecem orientações como bifluxo, abro e duo.

(A mensagem aqui é: parem de falar como se todas as pessoas nascessem com certa atração ou falta de atração e mantessem ela pela vida toda! Parem de falar que fluidez não existe, que é só uma incerteza!)

Poucas pessoas também conhecem omnigay, uma identidade que pode ser utilizada tanto como gênero quanto como orientação. Uma pessoa omnigay é basicamente uma pessoa de gênero-fluido que é sempre atraída pelo mesmo gênero que o seu; uma pessoa que é atraída por homens quando é homem, por mulheres quando é mulher, etc.

Omnigay é uma identidade que pode ser tanto gênero quanto orientação. Muitas pessoas desta identidade não sabem identificar se mudam seu gênero por causa de sua atração ou se mudam sua atração por causa de seu gênero.

(A mensagem aqui é: Parem de falar como se orientação e gênero fossem sempre identidades completamente separadas! Para muitas pessoas, essas identidades estão ligadas! É bom saber que existem diferenças, e que gênero geralmente não deixa certa orientação implícita, mas muita gente sente conexão entre uma coisa e outra, e identidades como omnigay deixam estes dois conceitos inseparáveis!)

Luas crescentes bi

Bissexuais começaram a criar sues própries símbolos e comunidades porque foram excluídes da comunidade gay e lésbica na segunda metade do século XX, por “manterem relações hétero”.

Algumas pessoas se preocupam com a suposta heteronormatividade das comunidades trans e não-binárias. Afinal, e se uma pessoa bissexual gênero-fluido está só “criando uma desculpa” para sempre ter “privilégio hétero”, se ela é sempre homem quando está com parceiras mulheres e mulher quando está com parceiros homens?

Em primeiro lugar, sua orientação já será questionada por estar tanto com mulheres quanto com homens. Pessoas bi não deixam de ser bi se estão em relacionamentos.

Em segundo lugar, mesmo que a heteronormatividade seja um fator que contribua com estas mudanças – algo que não é impossível – a pessoa ainda é gênero-fluido. A pessoa ainda pode se identificar como transgênero e/ou não-binária, e ainda sofre com cissexismo e exorsexismo.

Em terceiro lugar, ao invés de fazer a pessoa se sentir mal por “contribuir com a heteronormatividade” (o que não acontece por razões acima, fora que pessoas cis e hétero raramente acham isso uma solução desejável para pessoas gays/lésbicas), que tal aceitá-la como é na comunidade, onde ela poderá ter outras pessoas não-hétero por perto e aprender mais sobre sua identidade?

Por falar em fatores que contribuem com mudanças: já sabemos que tanto gênero quanto orientação podem ser mutáveis, certo? E gênero geralmente é construído em relação aos gêneros de outras pessoas, e em relação a experiências diversas. Algumas destas experiências podem mudar completamente a identidade de alguém, ou influenciá-la desde o início de sua formação.

(A mensagem aqui é: Parem de falar como se orientação e gênero fossem sempre identidades com as quais a pessoa nasce/”sempre soube”! Parem de falar como se pessoas cujas identidades possuem influência externa fossem inválidas!)

Bandeira neurogênero

A identidade neurogênero cobre qualquer pessoa cujo gênero é influenciado por sua neurodivergência (autismo, déficit de atenção, dislexia, etc).

Tanto orientação quanto gênero podem ter a ver com experiências em cultura diferente, neurodivergência, intersexualidade, trauma, kin, disforia, religião, experiências diferenciadas na infância, entre muitos outros fatores.

Não, uma pessoa que se diz arromântica por causa de neurodivergência ou agênero por causa de trauma não precisa ser “curada”.

Não, uma pessoa que diz que seu gênero tem a ver com certa estética (espaço, cores, etc.) ou com ser intersexo não está confusa ou mentindo.

E também não é necessário ter medo de alguém que escolhe não ser cis ou hétero, porque a pessoa não tem nada a ganhar da sociedade com esta escolha. Se é mais alguém que quer quebrar padrões, que aceita as consequências envolvidas, e a pessoa não vai pisar no dedão de ninguém enquanto isso, que se junte ao barco.

Libertação x Cissexismo  0

Existem dois extremos em relação a como tratar gêneros.

Um deles é o cissexista: só existem dois gêneros, determinados por dois sexos, que supostamente causam também certas escolhas em comportamento e apresentação. Cada um desses gêneros possui uma linguagem associada a tal (o/ele/o para homens e a/ela/a para mulheres).

O outro é supostamente libertador e vanguardista: a ideia de que gênero não existe e não deveria ser levado em consideração, de que pessoas deveriam utilizar qualquer pronome e roupa porque nada dita o gênero de alguém. De que deveríamos ser uma sociedade pós-gênero.

Enquanto esta segunda opção é tentadora para várias pessoas não-binárias, ela também é desrespeitosa com várias pessoas não-cis, e ignora a realidade em que vivemos. Ela também reproduz partes do cissexismo, dependendo de como é tratada.

Bandeira genderqueer

A comunidade genderqueer é formada tanto por pessoas que querem quebrar as normas e o conceito de gênero quanto por pessoas que querem ter sua identidade respeitada, seja qual for.

Caso você queira se identificar como alguém que vai além de gênero – seja como pomogênero, pangênero, sem gênero ou sem rótulos – você pode fazer isso pessoalmente. Caso você queira aceitar qualquer tipo de linguagem e usar qualquer tipo de roupa, você também pode fazer isso.

Porém, você não pode forçar pessoas a agir desta forma, ou fazê-las se sentirem culpadas por perpetuarem estereótipos de gênero, quando estas pessoas também são vítimas do cissexismo.

Uma pessoa gênero-estrela que enfrenta forte disforia social e não aguenta mais escolher entre ser chamada de “ela” ou “ele” não deveria ter que se sentir culpada por buscar um visual ambíguo e insistir em linguagem alternativa.

Uma mulher trans que tem medo de andar na rua e sofrer violência por parecer “homem vestido de mulher” não deveria ser culpada por “perpetuar estereótipos femininos” como se depilar e usar maquiagem e roupas vistas pela sociedade como femininas, para parecer menos com o que a sociedade enxerga como homem e se sentir mais segura.

Uma pessoa transmasculina que tem sua identidade constantemente invalidada por sua família e escola tem o direito de se sentir braba com pessoas que acham que essa pessoa deveria aceitar usar qualquer pronome e qualquer roupa, já que tecnicamente essas coisas não possuem gênero.

Uma pessoa dois-espíritos não deveria ter que encontrar pessoas dizendo que gênero e rótulos relacionados a gênero não importam e deveriam sumir.

Não, você não pode olhar para uma pessoa e decidir sua linguagem, seu gênero, e se essa pessoa é trans ou cis ou não. Mas só agir como se gênero e linguagem não tivesse significado nenhum – especialmente quando isso é direcionado a pessoas não-cis – só isola pessoas que possuem a coragem de explorar e de se identificar com gêneros que a sociedade cissexista e exorsexista diz que não podem. E tem pouco efeito em uma população cis que pode justificar seu gênero de acordo com uma lógica cissexista, sexista e diadista.

“Radicalismo” reformista  1

Piadas e manifestações de desprezo genéricas contra opressories* e pessoas ignorantes podem ser catárticas e importantes. Porém, quando são levadas ao patamar de princípios, retiram nuances existentes na vida real, além de criarem um ideal distorcido para grupos ativistas.

Estou falando tanto sobre teorias que desprezam a realidade em troca de dualidades falsas de opressories e oprimides, quanto sobre piadas e brincadeiras que ajudam a normalizar essas dualidades.

É importante perceber que a maior parte dos grupos oprimidos consistem de várias identidades diferentes, e que nem sempre uma vai ser mais ou menos oprimida do que a outra. Isso porque a sociedade centraliza uma característica como certa e outras características como erradas em cada eixo, por não se encaixarem no modelo privilegiado por diferentes motivos.

Por exemplo, uma pessoa heterorromântica é vista como padrão pela sociedade. Uma pessoa heterorromântica exibe interesse romântico em pessoas somente de um gênero, aquele que é considerado oposto pela sociedade, e eventualmente se apaixona e entra em relacionamentos amorosos com pessoas do gênero “certo”.

Enquanto isso, existem pessoas que não são heterorromânticas. Pessoas multirromânticas vão sofrer repressão por não sentirem atração por só um gênero, além de sofrerem repressão por sentir atração por algum gênero “errado”; pessoas arromânticas e do espectro arromântico vão sofrer repressão por não desejarem ou manterem relações românticas com o “gênero certo”; e gays, lésbicas, e pessoas de orientações similares vão sofrer repressão por sentirem atração pelo “gênero errado” e não pelo “gênero certo”.

Existem maneiras, é claro, de uma pessoa heterorromântica não parecer heterorromântica, e ser confundida com alguém de outra orientação, recebendo então repressões por parte da sociedade. Porém, no momento, vamos lidar com um modelo teórico de uma pessoa heterorromântica que não dá a impressão de ser arromântica, gay, etc.

Mesmo assim, uma pessoa heterorromântica não é necessariamente privilegiada em outros aspectos. Uma pessoa heterorromântica ainda pode ser transgênero, mulher, deficiente, indígena, profissional do sexo e/ou até mesmo não-heterossexual, para citar algumas das inúmeras minorias existentes no planeta.

Dentro da comunidade LGBTQIAP+, existem diversos tipos de marginalização. A comunidade é unida desta forma porque a sociedade ainda vê certas características como desvio das normas de gênero: muitas vezes não separam um homem trans hétero de uma mulher cis lésbica, ou uma mulher trans perisexo de uma mulher ipsogênero, por exemplo.

No entanto, é importante que cada pessoa possa se identificar em seus próprios termos, não importa se a sociedade as coloca no mesmo saco de pessoas estranhas que deveriam ser tiradas de vista ou corrigidas. Só que, dentro da comunidade, alguns grupos se aproveitam da invisibilidade de outros para tentar homogeneizar a comunidade, o que só leva à criação de grupos assimilacionistas; grupos que tentam ser mais aceitáveis para a sociedade que os oprime, para ganharem privilégio a troco da marginalização de quem não está nesses grupos.

Existe um fenômeno chamado homonormatividade, que é, essencialmente, a normalização da identidade gay – e, na maioria das vezes, da identidade lésbica também – como a identidade LGBTQIAP+ “padrão”, muitas vezes colocando questões gays como as mais importantes para a comunidade, e tratando representação gay como o único tipo de representação importante para a comunidade.

É a homonormatividade que vende o padrão de casais gays/lésbicos monogâmicos, cis, brancos, de classe média e razoavelmente atraentes como a experiência LGBTQIAP+ ideal. Que mostra a liberdade de casais do mesmo gênero poderem se casar oficialmente e adotar filhes como as pautas mais importantes para o progresso da sociedade, quando crianças intersexo passam por cirurgias forçadas e pessoas transfemininas são frequentemente assassinadas por não “parecerem mulheres” o suficiente.

Essa homonormatividade também desvaloriza outras identidades não apenas por ignorá-las, mas por considerá-las extensões das identidades gay e lésbica. É daí que vem a preocupação de pessoas trans hétero serem “gays ao extremo”, de pessoas trans gays/lésbicas serem “pessoas hétero com um fetiche”, de pessoas não-binárias poderem ser “pessoas que querem ser de outro gênero por terem homofobia internalizada” ou “pessoas cis e hétero que se acham especiais”, de pessoas bi serem “apenas parcialmente gays”, “secretamente hétero”, ou “secretamente gays”, de identidades como poli e pan serem irrelevantes, de pessoas intersexo não terem nada a ver com a comunidade, etc.

Este tipo de pensamento se estende dentro das comunidades LGBTQIAP+, quando há uma pressão para ser o mais gay possível; ou, em certos casos, o mais trans possível. Por exemplo:

  1. Dizer que uma personagem que possui relacionamentos tanto com homens quanto como mulheres é lésbica não é desrespeitoso com pessoas bi, porque várias lésbicas já tiveram relacionamentos com homens. Porém, dizer que uma personagem que só possui relações com mulheres é possivelmente bi é desrespeitoso, porque passa a mensagem de que lésbicas não existem/que qualquer mulher deve “estar disponível a um homem”;
  2. Uma pessoa multi não pode dizer que sua atração por pessoas do mesmo gênero é gay, ou se chamar de palavras estigmatizadas direcionadas a pessoas gays/lésbicas (viado, sapatão, etc.); porém, casais formados por pessoas do mesmo gênero são “casais gays”, direitos para estes casais são “direitos gays”, etc.
  3. Lésbicas e homens gays podem sentir atração por pessoas não-binárias que ~parecem ser~ do gênero que geralmente se atraem, e isso, de alguma forma, não é desrespeitoso. Porém, se uma pessoa se identifica com alguma identidade multi por sentir atração por pessoas de vários gêneros que não é o seu, essa pessoa é “basicamente hétero” e “fetichiza identidades não-binárias”;
  4. Pessoas assexuais ou arromânticas que também são lésbicas ou gays sofrem de “homofobia internalizada” por não se identificarem completamente como lésbicas ou gays, mas pessoas assexuais ou arromânticas que também são hétero são “basicamente hétero” e não deveriam estar em “espaços LGBT”;
  5. Pessoas trans precisam de disforia de gênero para serem “trans de verdade”, que são as únicas pessoas trans que devem ser respeitadas. Porém, identidades não-binárias e pronomes alternativos são constantemente alvos de chacota, sem que ninguém pense na possibilidade dessas pessoas possuírem disforia.

Isso também culmina em ódio a pessoas hétero que nem realmente são hétero. Ódio a “relacionamentos hétero” muitas vezes afeta pessoas dentro da comunidade BTQIAP+; ódio a identidades não-binárias que ~parecem falsas~ muitas vezes afeta pessoas que não são cis; ódio a pessoas com fetiches ou em relacionamentos poliamorosos por “acharem que podem ser LGBT” afeta pessoas LGBTQIAP+ nestas comunidades.

E de que adianta rir de pessoas que se identificam como demissexuais ou magigênero? De que adianta alienar pessoas multi, que são grande parte da comunidade, dizendo que não podem se sentir representadas na mídia, e que são sujas por terem “relacionamentos hétero”? Quem ganha com a ideia de que pessoas trans precisam entrar em um certo molde para serem respeitadas?

Apenas o sistema, é claro, e as pessoas que querem fazer parte dele.

Porque, de resto, você está alienando partes de um grupo que se uniu justamente para ser mais forte e visível desta maneira.

Combater heteronormatividade e cissexismo em espaços LGBTQIAP+ é importante, mas tentar manter um ideal de pessoas que são “oprimidas o suficiente” está mantendo estes sistemas, dando a ideia de que só certos pequenos grupos são puros o suficiente para serem respeitados.

Se você tem medo de agressões contra lésbicas, pessoas gays e pessoas trans binárias na comunidade, o ideal é educar qualquer pessoa sobre cisheteronormatividade, e não reduzir a comunidade LGBTQIAP+ apenas a estas pessoas.

É um erro pensar que qualquer pessoa que não é de certa identidade vai ser preconceituosa contra certa identidade (especialmente em espaços LGBTQIAP+), e também é um erro pensar que qualquer pessoa que é de certa identidade não vai ser preconceituosa contra pessoas dessa mesma identidade.

Também é muito importante combater racismo, misoginia, capacitismo e outras marginalizações que não são relacionadas à comunidade LGBTQIAP+, afinal existem outros sistemas que devem ser destruídos.

* Recentemente, fui informade que palavras que já possuem e podem ser acompanhadas de i para serem claramente neutras, como em professories, opressories ou trabalhadories. Pretendo escrever desta forma de agora em diante.