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Posts for Tag : exorsexismo

Presumir gênero é inerentemente antitrans?  0

Presumir gênero é inerentemente antitrans?

Aviso de conteúdo: Esta é uma postagem sobre presunção de gênero. Ela é contra a presunção de identidades de gênero, mas como o público-alvo são pessoas que se acham justificadas em presumir gênero, ela menciona exemplos que podem machucar quem lida com disforia de gênero ou com questões similares.

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Termos de identidades de gênero que remetem à infância  0

Bandeiras barnean, fleurlingen, gênero-menino, gênero-menina, emboyinmaic e gênero-fofo.

Aviso de conteúdo: A introdução desta postagem e o segundo parágrafo do primeiro item mencionam brevemente pedofilia e abuso sexual de menores de idade. Não há exemplos ou detalhes gráficos, mas quem preferir pode querer pular tais seções.


 

O tema do último Rodízio NHINCQ+ foi infância, então tive a ideia de fazer uma postagem reunindo termos para identidades não-binárias que remetem ao assunto. Infelizmente, não a terminei dentro do prazo, mas ainda assim quis terminar e postar.

Por ser uma forma de trollagem popular, quero ressaltar que identidades de gênero de qualquer tipo não são justificativas para realizar quaisquer ações abusivas. Alguém com uma identidade de gênero relacionada a ser criança não necessariamente tem atração por crianças e, independentemente disso, não pode usar sua identidade como desculpa para tentar ter qualquer relação inapropriada com menores de idade. Pessoas dizendo que quaisquer facetas de suas identidades dão algum tipo de permissão para cometer abuso e/ou violência contra outres com menos poder e ter isso respeitado estão ou querendo se aproveitar de pessoas desinformadas ou tentando se aproveitar de pânico moral para virar grupos de pessoas contra pessoas marginalizadas.

Enfim, aqui estão alguns termos que podem ser usados por pessoas de quaisquer idade para descrever que seus gêneros passam sensações de características relacionadas com ser criança. A maioria deles são xenogêneros, então recomendo entender o conceito antes de ler as definições nesta página.

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Quer incluir pessoas não-binárias na língua portuguesa? Priorize o respeito à linguagem pessoal!  1

Bandeira neopronominal (de quem usa neopronomes)


Há uma certa tendência de falar sobre “linguagem neutra” ou “linguagem não-binária” em círculos preocupados com questões de justiça social atualmente. Uso os termos entre aspas porque eles tendem a ser usados mais ou menos como substitutos para neolinguagem: isto é, a existência de palavras que se encontram fora dos gêneros gramaticais impostos pela língua padrão.

Geralmente essas discussões são em torno de usar alguma forma de neolinguagem como linguagem neutra/genérica, que aqui vou definir como a linguagem que deve ser utilizada para pessoas/seres cujos conjuntos de linguagem pessoal são desconhecidos e grupos onde presume-se que membres usem conjuntos de linguagem pessoal diferentes. Então, por exemplo, ao invés de alguém usar o/ele/o como linguagem neutra/genérica, como na oração “aqueles alunos chegaram atrasados“, alguém poderia usar e/elu/e, como em “aquelus alunes chegaram atrasades, i/il/i, como em “aquils alunis chegaram atrasadis, ou qualquer outro conjunto envolvendo neolinguagem.

(Conjunto de linguagem se refere a uma espécie de gênero gramatical, mas é um termo mais flexível por ser compatível com quem quer misturar gêneros gramaticais diferentes. Conjunto de linguagem pessoal é um conjunto de linguagem que deve ser utilizado para se referir a alguém, e então é possível dizer que tal alguém “usa” certo conjunto ou certos conjuntos de linguagem. Mais sobre isso aqui, aqui ou aqui.)

A utilização de neolinguagem como forma de linguagem neutra/genérica é bem-vinda por muites, porque esta combate a ideia de que um conjunto de linguagem geralmente associado com masculinidade e/ou com ser homem (o/ele/o) deva ser o padrão, e também por oferecer uma alternativa mais fácil à inclusão de todes sem que tenham que ser feitos contornos para que o uso de a/ela/a ou de o/ele/o seja mais justificado (como em “todas as pessoas“, “minhas amizades” ou “alguém que trabalha com pintura” ao invés do uso mais problemático de “todos“, “meus amigos” ou “algum pintor“). A integração de um gênero gramatical que se propõe a ser neutro dentro da língua padrão será um passo à frente tanto em relação a facilitar essa questão quanto em relação a fornecer um conjunto de linguagem pessoal visto como neutro mas amplamente aceito, o qual pode assim ser usado por pessoas não-binárias que só querem ser referidas de qualquer forma neutra/genérica ou para se referir a crianças que ainda não desenvolveram suas próprias preferências de linguagem pessoal de forma que não impõe a elas conjuntos de linguagem binários de forma geralmente cissexista e diadista.

Porém, o foco único em padronizar um gênero gramatical neutro muitas vezes deixa de lado a necessidade mais importante de não maldenominar pessoas cisdissidentes e/ou inconformistas de linguagem. De fornecer o respeito básico do uso de pronomes, artigos e outras partes de um conjunto de linguagem que cada pessoa quer que sejam utilizades para si, assim como quem usa a/ela/a ou o/ele/o e possui certa aparência aceitável dentro da sociedade cissexista tem seus conjuntos de linguagem respeitados.

Concordo que o uso de o/ele/o como linguagem neutra/genérica deva ser evitado. Porém, também não acho que isto seja um problema maior do que outras expressões problemáticas comuns no dia-a-dia, como o uso constante de xingamentos capacitistas de forma extremamente casual, de termos racistas para descrever pessoas, culturas, grupos étnicos ou afins, da utilização de termos neutros para descrever grupos marginalizados como gorde ou gay como descrições negativas e por assim vai. Eu defendo o combate a qualquer forma de linguagem opressiva, mas acho ainda mais importante evitar e acabar com formas de violência mais diretas contra pessoas marginalizadas.

Só que o que vejo em debates acerca de qual deve ser o novo gênero gramatical neutro ou se deve existir um novo gênero gramatical neutro é uma falta de consideração com pessoas que dependem de neolinguagem não (só) como uma forma de expressar inclusividade, mas (também) como uma forma de ter conjuntos de linguagem com os quais não se sentem maldenominadas; de ter conjuntos de linguagem que sentem que as representam quando os conjuntos dentro da língua padrão se mostram insuficientes.

Talvez isso pareça fútil para pessoas binárias – especialmente cis – as quais possuem gamas enormes de formas de encontrar validação interna e externa para suas identidades de gênero. Porém, no caso de pessoas não-binárias, muitas vezes a linguagem pessoal é uma das únicas formas que temos para buscar euforia de gênero ou combater inseguranças em relação a não sermos vistes da forma certa. E maldenominação não deixa de poder machucar só porque uma pessoa trans está deixando de ser referida por um conjunto como ê/elu/e ou ly/ily/y ao invés de a/ela/a ou o/ele/o.

Enfim, quando alguém diz que deve existir apenas um conjunto de linguagem válido que inclui neolinguagem e que o resto das possibilidades não presta, isso é um ataque muito mais direto a pessoas inconformistas de linguagem do que o uso de o/ele/o como linguagem neutra/genérica. Quando alguém diz que a única importância da neolinguagem é a formação de um gênero gramatical neutro a ser incluso na norma padrão da língua portuguesa, isso exclui de forma bem mais direta a existência de pessoas que usam neolinguagem em seus conjuntos de linguagem pessoais do que o uso de o/ele/o para se referir a grupos com conjuntos de linguagem pessoais diferentes.

Pessoas não-binárias que não usam (apenas) a/ela/a, o/ele/o, -/-/- ou algum conjunto específico envolvendo neolinguagem já existem. Eu estou entre essas pessoas, assim como outres que conheço. Nós não vamos deixar de existir quando/se houver um gênero gramatical neutro incluso na língua padrão, até porque já nos identificamos usando conjuntos de linguagem pessoais que diferem dos padrões da língua sem aguardar a permissão de ninguém. Nem todo mundo quer expressar neutralidade e/ou indeterminação com a neolinguagem inclusa em seu(s) conjunto(s) de linguagem pessoal(is). Mesmo quem quer expressar tais características pode não estar confortável com os elementos do conjunto escolhido como neutro por qualquer entidade.

A diversidade dos conjuntos que contém neolinguagem não é um problema teórico que pode ser resolvido caso seja decidido um gênero gramatical neutro na língua padrão o mais rápido possível. É uma realidade que precisa ser considerada em qualquer proposta de reavaliação de como se ensina a língua portuguesa de forma que inclui neolinguagem.

Antes de querer debater sobre a inclusão de um gênero gramatical oficial novo, é importante levar em consideração a questão de não impor qualquer conjunto de linguagem em quem não quer ser referide com o uso de tal conjunto, e isso inclui qualquer conjunto de linguagem visto como neutro/genérico. Se a proposta é incluir melhor pessoas não-binárias na língua, é importante não agir como se apenas um dos conjuntos de linguagem usados pelo grupo existisse.

Entendo querer debater sobre qual conjunto é mais adequado como neutro/genérico, levando em consideração questões como a facilidade de ensinar ou de entender o conjunto e o quanto ele parece visualmente ou sonoramente algo “mais masculino” e/ou “mais feminino” do que neutro. Tais discussões podem ser interessantes e saudáveis. Porém, a partir do momento onde são circulades mentiras sobre o quanto outros conjuntos são inacessíveis e/ou ataques/chacota contra elementos neolinguísticos usados por outras pessoas como parte de seus conjuntos de linguagem pessoal, isso deixa de ser apenas uma discussão teórica sobre a inclusão de um gênero gramatical neutro na língua padrão para também impor de forma violenta quais tratamentos pessoas não-binárias podem ou não podem aceitar para si mesmas. E isso a sociedade cissexista já faz; não precisamos de “aliades/camaradas bem intencionades” para isso.

Queerspectivas 3: Não-binaridade e narrativas trans  0

Queerspectivas é uma série de transmissões ao vivo (que depois são gravadas e postadas) feitas com o objetivo de pessoas com certas identidades poderem falar sobre suas próprias experiências sem terem que depender de painéis conduzidos por pessoas que não fazem parte do grupo, ou que são voltados a grupos completamente alheios às questões tratadas na transmissão.

Link para assistir no YouTube

Link para assistir no Nextcloud (ou baixar)

Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Outros links:

Não temos ninguém para transcrever Queerspectivas no momento, mas entre em contato caso você queira fazer isso ou tenha feito uma legenda ou transcrição!

Como expressar linguagem em eventos físicos LGBTQIAPN+  0

Buttons contendo diversos conjuntos de linguagem por cima de uma série de folhas de adesivos que também contém diversos conjuntos de linguagem.

(Nota: Caso você esteja procurando por um texto mais básico que explique o que são conjuntos de linguagem pessoal, sugiro este texto se você quiser algo mais resumido, e este texto se você quiser algo mais completo.)

Eventos físicos são boas oportunidades de oferecer espaços de expressão que muitas vezes não existem na escola, no trabalho, na família ou em outros ambientes. Esses espaços podem ser úteis para trocar experiências, ajudar no processo de questionamento das próprias identidades, normalizar a existência de pessoas LGBTQIAPN+, trocar contatos, fazer amizades, etc.

Uma questão importante quando se tem interação direta entre pessoas é a da linguagem. Na maior parte dos ambientes, ao menos no período no qual este texto está sendo publicado, nenhum tipo de neutralização da linguagem sequer é considerada, e pessoas se referem entre si presumindo que alguém é “feminine” e portanto “deveria aceitar” a/ela/a, ou que alguém é “masculine” e portanto “deveria aceitar” o/ele/o.

Isso acaba por maldenominar (errar a linguagem e/ou o gênero de) muitas pessoas. Às vezes é só a pessoa corrigir que as outras respeitam, mas muitas vezes nem isso é respeitado. Por isso, em alguns lugares se tornou prática se apresentar já falando a própria linguagem, ou usar algum adesivo ou crachá com a própria linguagem. E isso vale para todes, não só pra quem não usa a linguagem que seria presumida no dia-a-dia, justamente para normalizar a ideia de que linguagem não deve ser presumida.

Mas então, como isso funciona? Como podemos incluir a linguagem como uma informação importante, excluíndo o menor número de pessoas possível?

 

1) Métodos visuais constantes (crachás, adesivos, camisetas, buttons, etc.)

Essas ideias funcionam de forma similar, afinal são rótulos de identificação que a pessoa pode usar no evento e depois guardar, devolver ou jogar fora.

Questões que precisam ser pensadas ao usar esses métodos são:

  • Os materiais necessários (papel, adesivo, caneta, etc.) precisam ser distribuídos na entrada, já que as pessoas podem não lembrar ou ficar com preguiça de trazer os próprios; especialmente quem acha que “é bobagem”.
  • A linguagem precisa estar disposta de forma que todes possam utilizá-la. Por exemplo, colocar opções pré-prontas como “masculina”/”feminina”/”neutra”/”outras” prioriza pessoas masculinas que usam o/ele/o e pessoas femininas que usam a/ela/a, enquanto pessoas neutras que usam o/ele/o, pessoas femininas que usam a/ila/e e pessoas que querem especificar sua linguagem além de “neutra” ou “outras”, entre outros casos, não são corretamente contempladas dentro dessas opções. Colocar um campo para gênero ao invés de linguagem também não ajuda a identificar a linguagem de pessoas não-binárias e/ou que não usam os conjuntos normalmente associados a suas identidades de gênero.
  • Pessoas precisam ser ensinadas a ler e usar sistemas de conjuntos que não sejam excludentes de pessoas que não usam “conjuntos óbvios”. Alguém que pensa que é só colocar sua linguagem como “ele/dele” ou como “feminina” pode não saber o que fazer quando ver alguém com “ze/elz/e” ou “o/ele/e”, e isso é um problema. Um panfleto informativo ou um exemplo junto ao preenchimento podem ajudar.
  • Como as pessoas no evento serão lembradas de que devem sempre checar a linguagem escrita, ao invés de presumirem? É um problema grande e comum existirem eventos aonde alguém pode preencher “-/elu/e” ou “ELD” em algum campo de conjunto ou pronome, sem ninguém perceber que esses termos são os que devem ser utilizados. Lembretes e repreensões podem ser bem-vindes.
  • Como serão tratadas as pessoas que não sinalizarem nada? Algumas pessoas podem não ter entendido o sistema, estarem se questionando e/ou estarem no armário. Se a pessoa colocou -/-/-, ok, nada deve ser utilizado, mas se a pessoa realmente não preencheu ou não está usando nada? O ideal seria evitar usar qualquer tipo de linguagem diferenciada, mas acho sempre bom preparar um conjunto neutro e avisar sobre ele. Por exemplo, um cartaz no local dizendo: Pessoas que não sinalizarem nenhum conjunto de linguagem serão tratadas por ê/elu/e.
  • Como será o apoio a quem usa mais de um conjunto? Pessoas que mudam de linguagem de tempos em tempos poderão ter mais de um crachá/adesivo? Se o registro for eletrônico, há como alguém mudar facilmente o conjunto que usa? Há espaço para colocar mais de um conjunto?
  • É necessário pensar nas pessoas que não vão conseguir ler ou enxergar as linguagens das outras pessoas; é recomendável que métodos orais também sejam utilizados em conjuntos com os visuais.

 

Prós de usar adesivos, pulseiras ou crachás:

  • Geralmente são feitos de forma barata e descartável, permitindo que pessoas mudem facilmente seus conjuntos e não precisem perder muito tempo escondendo o sinal de que não usam a linguagem esperada ao mudar de ambiente;
  • Geralmente possibilitam que as pessoas possam usar os conjuntos que quiserem, pois todo mundo tem que escrever os seus;
  • Ao serem preenchidos na hora do evento ou da inscrição, há como ensinar pessoas a usar conjuntos de linguagem mais completos e inclusivos;
  • Adesivos e crachás podem ser relativamente fáceis de ler em um evento de tamanho pequeno ou médio.

 

Contras de usar adesivos, crachás ou pulseiras:

  • Alguma forma de ensinar a escrever e interpretar conjuntos precisa ser providenciada;
  • O tamanho pode acabar sendo limitado e dificultando que pessoas leiam os conjuntos umas das outras, ou que alguém possa usar quantos conjuntos quiser;
  • Pode ficar muito óbvio que pessoas que podem querer esconder que não sabem que conjunto usar não estão usando o item;
  • Pulseiras podem ser difíceis de ler, por conta de sua posição.

 

Prós de usar buttons ou broches:

  • As pessoas podem utilizá-los em múltiplos eventos, por serem resistentes;
  • Caso a ideia seja fazer antes um item personalizado por pessoa, é possível incluir qualquer conjunto, desde que seja combinado com antecedência;
  • Ainda que não seja o método mais barato, pode ser uma opção viável para eventos menores;
  • Por ser algo que possa ser “bonitinho” ou “legal”, pode ser mais fácil convencer algumas pessoas a usar estes do que a usar crachás ou adesivos.

 

Contras de usar buttons ou broches:

  • Estes itens tendem a ser menores, e portanto mais difíceis de ler, do que crachás, adesivos ou camisetas; Como precisam ser feitos com antecedência, existe a possibilidade de algumas pessoas mudarem de ideia sobre seus conjuntos, caso os itens sejam personalizados;
  • Caso os buttons ou broches não sejam personalizados para cada pessoa, há a possibilidade de sobrarem ou faltarem buttons de certos conjuntos;
  • Pessoas que precisam de mais de um conjunto com certeza vão precisar de buttons/broches extras;
  • Algumas pessoas não usariam estes itens em lugares facilmente visíveis, por não quererem furar suas roupas ou seus acessórios.

 

Prós de usar camisetas:

  • É possível ter bastante espaço para deixar os conjuntos bem visíveis;
  • Caso sejam feitas com antecedência, é possível incluir quaisquer conjuntos;
  • Não há como alguém ter a desculpa de não querer estragar a roupa;
  • Dependendo da situação, pode ser possível usar as mesmas camisetas para múltiplos eventos.

 

Contras de usar camisetas:

  • É o método mais caro entre os citados, e eu só recomendaria para grupos pequenos com encontros frequentes;
  • Assim como buttons e broches, como camisetas precisam ser feitas com antecedência, ou há o risco de pessoas mudarem de ideia entre a confecção das camisetas e o evento, ou há o risco de faltarem e/ou sobrarem camisetas por não checarem quantas pessoas querem quais conjuntos;
  • Algum vestiário precisará ser providenciado, e muitas pessoas cisdissidentes não se sentem seguras em vestiários ou banheiros divididos entre gêneros binários;
  • É difícil de não notar alguém sem a camiseta, o que pode causar problemas para quem não quer declarar seu(s) conjunto(s).

 

2) Métodos ditos (apresentações, correções, perguntas na hora, etc.)

São métodos que não precisam de materiais prévios, e que só dependem de uma pessoa dizer para outras qual é a sua linguagem (ou qual é a linguagem de outra pessoa).

Apresentação seria quando alguém diz seu nome e outras informações relevantes para o evento, que neste caso incluiria um ou mais conjuntos de linguagem. Dependendo do evento, uma outra pessoa pode anunciar o nome e o conjunto de linguagem de cada pessoa. Correção seria esperar alguém maldenominar para corrigir com o conjunto certo. Perguntar na hora seria esperar até o momento de se referir a alguém para perguntar a palavra certa a ser utilizada.

Questões a serem pensadas em relação a isso:

  • É necessário incentivar pessoas a não presumirem linguagens alheias mesmo sem lembretes visuais de que nem todo mundo tem uma linguagem “óbvia”;
  • Ainda é bom ter uma explicação sobre artigo/pronome/final de palavra ou algum sistema inclusivo, para que pessoas não tenham que passar por invalidação ou vergonha;
  • Caso algum dos métodos específicos seja recomendado, isso precisa ficar bem explícito para todes es participantes do evento;
  • Para que pessoas com conjuntos de linguagem fora da norma se sintam confortáveis em dizer/afirmar seus conjuntos, é preciso haver pistas de que o ambiente é seguro para isso. Isso pode ser feito de várias formas, mas explicações sobre conjuntos de linguagem e presença forte de pessoas com conjuntos fora do padrão pode ajudar;
  • A pronúncia de palavras dentro da neolinguagem pode confundir algumas pessoas. Existe alguma forma de garantir que os conjuntos sejam entendidos por todo mundo, sem constranger pessoas para que soletrem seus conjuntos ou expliquem funções gramaticais?
  • Como não deixar pessoas “de linguagem óbvia” em sua zona de conforto, tirando sarro da ideia de que linguagem não é sempre óbvia, se recusando a dizer a própria linguagem e maldenominando outras pessoas, sem forçar pessoas a falar seus conjuntos caso realmente não queiram escolher ou culpar pessoas por não conseguirem lembrar dos conjuntos de todo mundo na sala?

 

Prós de uma apresentação que inclui conjunto(s) de linguagem:

  • Cada pessoa pode incluir que elementos quiser de seu conjunto de linguagem, e quantos conjuntos quiser, geralmente sem limites de espaço;
  • Pode ser mais fácil alguém que não quer revelar seu(s) conjunto(s) deixar de revelá-lo(s);
  • Ao pronunciar palavras, pessoas podem entender melhor como falar de quem usa neolinguagem sem terem que chutar se baseando em materiais que são somente visuais.

 

Contras de uma apresentação que inclui conjunto(s) de linguagem:

  • Não há como esperar que todas as pessoas lembrem dos conjuntos de todo mundo, especialmente se houverem várias pessoas que se apresentaram;
  • A inclusão do conjunto na apresentação pode pressionar alguém a escolher entre falar seu conjunto corretamente (e talvez explicá-lo) naquela hora ou arriscar ser maldenominade;
  • Por ser um formato mais livre, pessoas podem descrever seus conjuntos de formas pouco inclusivas ou complexas demais;
  • Pessoas podem esquecer ou omitir seus conjuntos com mais facilidade, o que pode desencorajar algumas pessoas de falarem de seus conjuntos, e/ou prejudicar pessoas que queriam ser chamadas por seus conjuntos.

 

Prós de corrigir pessoas quando ocorre maldenominação:

  • É mais fácil de alguém lembrar da linguagem certa para se referir a alguém quando há um lembrete na mesma hora sobre ela;
  • A maioria das pessoas não vai precisar falar seus conjuntos, já que eles só vão ser relevantes se alguma pessoa falar sobre outra, o que ajuda pessoas que não querem dizer seus conjuntos.

 

Contras de corrigir pessoas quando ocorre maldenominação:

  • Esperar ocorrer maldenominação para corrigir coloca esta responsabilidade somente na pessoa que está sendo maldenominada, o que vai afetar desproporcionalmente pessoas cuja linguagem não é presumida corretamente no dia-a-dia;
  • Enquanto é possível não usar linguagem específica para ninguém para não ocorrerem maldenominações, a maioria das pessoas não pensa em fazer isso, o que pode causar constrangimento para certas pessoas, que vão ter que ser corrigidas o tempo todo;
  • Algumas pessoas podem não se sentir à vontade de interromper a fala de alguém para corrigir, e algumas falas podem ser inadequadas de parar para corrigir, o que faz com que algumas maldenominações possam ficar sem ser corrigidas.

 

Prós de perguntar conjuntos para pessoas na hora de falar com elas/sobre elas:

  • A maioria das pessoas não é pressionada a falar de seus conjuntos;
  • Não há a necessidade de lembrar das apresentações de várias pessoas, apenas de lembrar de perguntar conjuntos na hora de falar sobre elas;
  • Não há nem a necessidade de presumir conjuntos, nem a necessidade de se forçar a não usar nenhuma linguagem específica.

 

Contras de perguntar conjuntos para pessoas na hora de falar com elas/sobre elas:

  • Caso a pessoa em questão vá embora, não vai mais ter como saber a linguagem da pessoa;
  • Pessoas que não querem revelar seus conjuntos podem ser mais intimidadas por esse jeito de lidar com a situação do que pelos outros;
  • Alguém pode ter que parar no meio de uma frase para perguntar a linguagem alheia, quebrando o ritmo de uma fala.

 

Mas e então, o que seria melhor?

O motivo desta postagem oferecer várias opções e seus prós e contras é que não existe uma solução perfeita, ao menos não enquanto existe a prática de presumir conjuntos de linguagem de outras pessoas.

Ao escolher que métodos serão utilizados, o tipo de evento deverá ser considerado: é um piquenique entre um grupo fechado aonde a maioria se conhece? É uma roda de conversa pública aonde poderão haver dezenas de pessoas que desconhecem o assunto? É um evento de premiação aonde não haverá muita interação entre quem está falando e a plateia? É um evento dividido entre várias atividades diferentes acontecendo ao mesmo tempo, sendo que haverá um mesmo período de confraternização para todes? É um evento aonde quase as mesmas pessoas se encontram toda semana ou todo mês, ou é provável que a maioria não se conheça?

Além do formato do evento, também pode ser importante considerar outros fatores: o quanto é esperado que quem vá para o evento saiba sobre o quanto é errado maldenominar pessoas? O quanto é esperado que vão saber lidar com o modelo de conjunto de linguagem escolhido? Ao levar em consideração com que roupas as pessoas vão para o evento, o quanto é provável que rejeitem adesivos, camisetas ou broches?

Eu diria que o fator mais importante nisso é que as organizações de eventos levem essa questão de conjuntos de linguagem a sério, a ponto de oferecer para todes es participantes explicações efetivas sobre conjuntos e sobre não presumi-los. Para que maldenominações, piadas com neolinguagem e descaso com explicações acerca de linguagem pessoal parem de ser norma, as organizações dos eventos precisam pensar em como vão lidar com estes problemas, e não só esperar que o oferecimento de crachás, adesivos ou possibilidade de falar dos próprios conjuntos enquanto cada pessoa se apresenta vá magicamente fazer com que pessoas com conjuntos de linguagem “inesperados” sejam respeitadas e contempladas.

Mais mitos e verdades sobre pessoas não-binárias  2

Mitos e verdades é uma série de postagens que vão direto ao ponto sobre opiniões preconceituosas ou errôneas de alguma outra forma.

A presente postagem não cobre assuntos cobertos por esta outra postagem.

Mito: Qualquer conjunto que não é o/ele/o ou a/ela/a é neutro.
Verdade: Linguagem dita neutra é a utilizada para se referir a grupos de pessoas que usam diferentes linguagens, ou a pessoas às quais você não sabe como se referir. Existem conjuntos que raramente são utilizados como neutros (como i/íli/i ou u/ilu/u), e, em nossa sociedade, é possível assumir que o/ele/o é geralmente utilizado como conjunto neutro.
Caso alguma pessoa disser que “usa linguagem neutra”, recomendo perguntar qual a linguagem que utiliza como neutra, afinal neolinguagem oferece opções infinitas que alguém poderia teoricamente considerar neutra.

Mito: Todas as possibilidades de gêneros envolvem masculinidade, neutralidade, feminilidade ou relação a estes conceitos de alguma forma.
Verdade: Limitar as possibilidades de gêneros é sempre prejudicial a alguma categoria de pessoas. Existem diversas experiências de gêneros diferentes que utilizam outros conceitos para serem descritos, existem diferentes gêneros que rejeitam estes conceitos de diferentes formas. Alguns exemplos são maverique, egogênero e caelgênero.
Além disso, é possível ser mulher, ser homem, ou ter algum gênero relacionado a estes sem ter alguma ligação particular com masculinidade, neutralidade ou feminilidade.

Mito: Não existem orientações para pessoas não-binárias atraídas apenas por algum gênero binário.
Verdade: Existem diversas orientações feitas com esse propósito em mente, como home- e mulhe- e diversos prefixos que foram feitos para substituir tanto estes quanto andro- e gine- (prefixos que algumas vezes são utilizados como “atração por pênis” e “atração por vagina” e que por isso são evitados por muita gente). Viramórique ou vir- para atração por homens e feminamórique ou femina- para atração por mulheres são os termos mais populares atualmente, mas isso pode mudar, afinal criam termos novos para isso frequentemente.
Pessoas não-binárias que se sentem confortáveis com isso e que acreditam que estes termos se aplicam à sua experiência também podem utilizar gay, lésbica ou similares.

Mito: Pessoas não são atraídas por pessoas não-binárias, e sim por qual gênero cada pessoa parece ser.
Verdade: Atração por gêneros é por gênero. É possível mentir para si mesme para ver uma pessoa como outro gênero ainda que a pessoa não seja de tal gênero, ou mentir para outras pessoas para que vejam certa pessoa como outro gênero, mas pela consciência e conhecimento sobre o gênero alheio, a atração vai naturalmente começar a ocorrer, deixar de ocorrer, mudar de intensidade, etc., dependendo das orientações e dos gêneros envolvidos.

Mito: Pessoas que se identificam como bi/poli/multi que não sentem atração pelo próprio gênero estão fetichizando gêneros não-binários e tentando esconder que só aceitam sentir atração por um tipo de corpo.
Verdade: Pessoas que deixam de se identificar como hétero por reconhecerem que alguém por quem possuem atração possui um gênero diferente do qual imaginaram estão respeitando mais a existência de gêneros não-binários do que quem quer manter a “pureza” da comunidade LGBTQIAPN+ com a ideia de que só atração pelo mesmo gênero pode ser considerada não-hétero.
Pessoas multi sem atração pelo próprio gênero possivelmente aceitam mais a ideia de que corpo não determina gênero do que pessoas que suspeitam que alguém que (aparentemente) só sente atração por pessoas com certo tipo de corpo seja secretamente hétero.

Mito: Pessoas não-binárias não possuem demandas próprias, diferentes das de pessoas trans binárias.
Verdade: Exorsexismo existe. Pessoas não-binárias precisam de ao menos uma opção de neolinguagem sendo reconhecida oficialmente, precisam da aceitação da sociedade em relação à diversidade de identidades de gênero existentes, precisam de banheiros e espaços que não obriguem a escolher uma opção binária de gênero, precisam de acesso a procedimentos de transição que não assuma ou force pessoas a se identificarem com algum gênero binário. Precisam de que haja acesso à informação sobre pessoas não-binárias para a população geral, precisam poder ter suas identidades respeitadas em consultas, aulas e profissões. Precisam que a sociedade respeite que linguagem, nomes e maneiras de se vestir não devem ser sempre consideradas masculinas ou femininas, e nem prova de que alguém está mentindo sobre seu gênero. Um mundo ideal para pessoas não-binárias precisa de muito mais reestruturação social do que um mundo ideal apenas para pessoas trans binárias.

Mito: Neurogêneros (identidades exclusivas para pessoas neurodivergentes) dificultam o processo de recuperação de pessoas neurodivergentes.
Verdade: Nem toda neurodivergência é “curável”. De qualquer forma, pessoas neurodivergentes merecem palavras para descrever suas experiências, ainda que elas mudem no futuro por conta de certos sintomas amenizarem ou desaparecerem. Ninguém precisa ficar prese a rótulos que não são mais úteis.

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Libertação x Cissexismo  0

Existem dois extremos em relação a como tratar gêneros.

Um deles é o cissexista: só existem dois gêneros, determinados por dois sexos, que supostamente causam também certas escolhas em comportamento e apresentação. Cada um desses gêneros possui uma linguagem associada a tal (o/ele/o para homens e a/ela/a para mulheres).

O outro é supostamente libertador e vanguardista: a ideia de que gênero não existe e não deveria ser levado em consideração, de que pessoas deveriam utilizar qualquer pronome e roupa porque nada dita o gênero de alguém. De que deveríamos ser uma sociedade pós-gênero.

Enquanto esta segunda opção é tentadora para várias pessoas não-binárias, ela também é desrespeitosa com várias pessoas não-cis, e ignora a realidade em que vivemos. Ela também reproduz partes do cissexismo, dependendo de como é tratada.

Bandeira genderqueer

A comunidade genderqueer é formada tanto por pessoas que querem quebrar as normas e o conceito de gênero quanto por pessoas que querem ter sua identidade respeitada, seja qual for.

Caso você queira se identificar como alguém que vai além de gênero – seja como pomogênero, pangênero, sem gênero ou sem rótulos – você pode fazer isso pessoalmente. Caso você queira aceitar qualquer tipo de linguagem e usar qualquer tipo de roupa, você também pode fazer isso.

Porém, você não pode forçar pessoas a agir desta forma, ou fazê-las se sentirem culpadas por perpetuarem estereótipos de gênero, quando estas pessoas também são vítimas do cissexismo.

Uma pessoa gênero-estrela que enfrenta forte disforia social e não aguenta mais escolher entre ser chamada de “ela” ou “ele” não deveria ter que se sentir culpada por buscar um visual ambíguo e insistir em linguagem alternativa.

Uma mulher trans que tem medo de andar na rua e sofrer violência por parecer “homem vestido de mulher” não deveria ser culpada por “perpetuar estereótipos femininos” como se depilar e usar maquiagem e roupas vistas pela sociedade como femininas, para parecer menos com o que a sociedade enxerga como homem e se sentir mais segura.

Uma pessoa transmasculina que tem sua identidade constantemente invalidada por sua família e escola tem o direito de se sentir braba com pessoas que acham que essa pessoa deveria aceitar usar qualquer pronome e qualquer roupa, já que tecnicamente essas coisas não possuem gênero.

Uma pessoa dois-espíritos não deveria ter que encontrar pessoas dizendo que gênero e rótulos relacionados a gênero não importam e deveriam sumir.

Não, você não pode olhar para uma pessoa e decidir sua linguagem, seu gênero, e se essa pessoa é trans ou cis ou não. Mas só agir como se gênero e linguagem não tivesse significado nenhum – especialmente quando isso é direcionado a pessoas não-cis – só isola pessoas que possuem a coragem de explorar e de se identificar com gêneros que a sociedade cissexista e exorsexista diz que não podem. E tem pouco efeito em uma população cis que pode justificar seu gênero de acordo com uma lógica cissexista, sexista e diadista.

“Radicalismo” reformista  1

Piadas e manifestações de desprezo genéricas contra opressories* e pessoas ignorantes podem ser catárticas e importantes. Porém, quando são levadas ao patamar de princípios, retiram nuances existentes na vida real, além de criarem um ideal distorcido para grupos ativistas.

Estou falando tanto sobre teorias que desprezam a realidade em troca de dualidades falsas de opressories e oprimides, quanto sobre piadas e brincadeiras que ajudam a normalizar essas dualidades.

É importante perceber que a maior parte dos grupos oprimidos consistem de várias identidades diferentes, e que nem sempre uma vai ser mais ou menos oprimida do que a outra. Isso porque a sociedade centraliza uma característica como certa e outras características como erradas em cada eixo, por não se encaixarem no modelo privilegiado por diferentes motivos.

Por exemplo, uma pessoa heterorromântica é vista como padrão pela sociedade. Uma pessoa heterorromântica exibe interesse romântico em pessoas somente de um gênero, aquele que é considerado oposto pela sociedade, e eventualmente se apaixona e entra em relacionamentos amorosos com pessoas do gênero “certo”.

Enquanto isso, existem pessoas que não são heterorromânticas. Pessoas multirromânticas vão sofrer repressão por não sentirem atração por só um gênero, além de sofrerem repressão por sentir atração por algum gênero “errado”; pessoas arromânticas e do espectro arromântico vão sofrer repressão por não desejarem ou manterem relações românticas com o “gênero certo”; e gays, lésbicas, e pessoas de orientações similares vão sofrer repressão por sentirem atração pelo “gênero errado” e não pelo “gênero certo”.

Existem maneiras, é claro, de uma pessoa heterorromântica não parecer heterorromântica, e ser confundida com alguém de outra orientação, recebendo então repressões por parte da sociedade. Porém, no momento, vamos lidar com um modelo teórico de uma pessoa heterorromântica que não dá a impressão de ser arromântica, gay, etc.

Mesmo assim, uma pessoa heterorromântica não é necessariamente privilegiada em outros aspectos. Uma pessoa heterorromântica ainda pode ser transgênero, mulher, deficiente, indígena, profissional do sexo e/ou até mesmo não-heterossexual, para citar algumas das inúmeras minorias existentes no planeta.

Dentro da comunidade LGBTQIAP+, existem diversos tipos de marginalização. A comunidade é unida desta forma porque a sociedade ainda vê certas características como desvio das normas de gênero: muitas vezes não separam um homem trans hétero de uma mulher cis lésbica, ou uma mulher trans perisexo de uma mulher ipsogênero, por exemplo.

No entanto, é importante que cada pessoa possa se identificar em seus próprios termos, não importa se a sociedade as coloca no mesmo saco de pessoas estranhas que deveriam ser tiradas de vista ou corrigidas. Só que, dentro da comunidade, alguns grupos se aproveitam da invisibilidade de outros para tentar homogeneizar a comunidade, o que só leva à criação de grupos assimilacionistas; grupos que tentam ser mais aceitáveis para a sociedade que os oprime, para ganharem privilégio a troco da marginalização de quem não está nesses grupos.

Existe um fenômeno chamado homonormatividade, que é, essencialmente, a normalização da identidade gay – e, na maioria das vezes, da identidade lésbica também – como a identidade LGBTQIAP+ “padrão”, muitas vezes colocando questões gays como as mais importantes para a comunidade, e tratando representação gay como o único tipo de representação importante para a comunidade.

É a homonormatividade que vende o padrão de casais gays/lésbicos monogâmicos, cis, brancos, de classe média e razoavelmente atraentes como a experiência LGBTQIAP+ ideal. Que mostra a liberdade de casais do mesmo gênero poderem se casar oficialmente e adotar filhes como as pautas mais importantes para o progresso da sociedade, quando crianças intersexo passam por cirurgias forçadas e pessoas transfemininas são frequentemente assassinadas por não “parecerem mulheres” o suficiente.

Essa homonormatividade também desvaloriza outras identidades não apenas por ignorá-las, mas por considerá-las extensões das identidades gay e lésbica. É daí que vem a preocupação de pessoas trans hétero serem “gays ao extremo”, de pessoas trans gays/lésbicas serem “pessoas hétero com um fetiche”, de pessoas não-binárias poderem ser “pessoas que querem ser de outro gênero por terem homofobia internalizada” ou “pessoas cis e hétero que se acham especiais”, de pessoas bi serem “apenas parcialmente gays”, “secretamente hétero”, ou “secretamente gays”, de identidades como poli e pan serem irrelevantes, de pessoas intersexo não terem nada a ver com a comunidade, etc.

Este tipo de pensamento se estende dentro das comunidades LGBTQIAP+, quando há uma pressão para ser o mais gay possível; ou, em certos casos, o mais trans possível. Por exemplo:

  1. Dizer que uma personagem que possui relacionamentos tanto com homens quanto como mulheres é lésbica não é desrespeitoso com pessoas bi, porque várias lésbicas já tiveram relacionamentos com homens. Porém, dizer que uma personagem que só possui relações com mulheres é possivelmente bi é desrespeitoso, porque passa a mensagem de que lésbicas não existem/que qualquer mulher deve “estar disponível a um homem”;
  2. Uma pessoa multi não pode dizer que sua atração por pessoas do mesmo gênero é gay, ou se chamar de palavras estigmatizadas direcionadas a pessoas gays/lésbicas (viado, sapatão, etc.); porém, casais formados por pessoas do mesmo gênero são “casais gays”, direitos para estes casais são “direitos gays”, etc.
  3. Lésbicas e homens gays podem sentir atração por pessoas não-binárias que ~parecem ser~ do gênero que geralmente se atraem, e isso, de alguma forma, não é desrespeitoso. Porém, se uma pessoa se identifica com alguma identidade multi por sentir atração por pessoas de vários gêneros que não é o seu, essa pessoa é “basicamente hétero” e “fetichiza identidades não-binárias”;
  4. Pessoas assexuais ou arromânticas que também são lésbicas ou gays sofrem de “homofobia internalizada” por não se identificarem completamente como lésbicas ou gays, mas pessoas assexuais ou arromânticas que também são hétero são “basicamente hétero” e não deveriam estar em “espaços LGBT”;
  5. Pessoas trans precisam de disforia de gênero para serem “trans de verdade”, que são as únicas pessoas trans que devem ser respeitadas. Porém, identidades não-binárias e pronomes alternativos são constantemente alvos de chacota, sem que ninguém pense na possibilidade dessas pessoas possuírem disforia.

Isso também culmina em ódio a pessoas hétero que nem realmente são hétero. Ódio a “relacionamentos hétero” muitas vezes afeta pessoas dentro da comunidade BTQIAP+; ódio a identidades não-binárias que ~parecem falsas~ muitas vezes afeta pessoas que não são cis; ódio a pessoas com fetiches ou em relacionamentos poliamorosos por “acharem que podem ser LGBT” afeta pessoas LGBTQIAP+ nestas comunidades.

E de que adianta rir de pessoas que se identificam como demissexuais ou magigênero? De que adianta alienar pessoas multi, que são grande parte da comunidade, dizendo que não podem se sentir representadas na mídia, e que são sujas por terem “relacionamentos hétero”? Quem ganha com a ideia de que pessoas trans precisam entrar em um certo molde para serem respeitadas?

Apenas o sistema, é claro, e as pessoas que querem fazer parte dele.

Porque, de resto, você está alienando partes de um grupo que se uniu justamente para ser mais forte e visível desta maneira.

Combater heteronormatividade e cissexismo em espaços LGBTQIAP+ é importante, mas tentar manter um ideal de pessoas que são “oprimidas o suficiente” está mantendo estes sistemas, dando a ideia de que só certos pequenos grupos são puros o suficiente para serem respeitados.

Se você tem medo de agressões contra lésbicas, pessoas gays e pessoas trans binárias na comunidade, o ideal é educar qualquer pessoa sobre cisheteronormatividade, e não reduzir a comunidade LGBTQIAP+ apenas a estas pessoas.

É um erro pensar que qualquer pessoa que não é de certa identidade vai ser preconceituosa contra certa identidade (especialmente em espaços LGBTQIAP+), e também é um erro pensar que qualquer pessoa que é de certa identidade não vai ser preconceituosa contra pessoas dessa mesma identidade.

Também é muito importante combater racismo, misoginia, capacitismo e outras marginalizações que não são relacionadas à comunidade LGBTQIAP+, afinal existem outros sistemas que devem ser destruídos.

* Recentemente, fui informade que palavras que já possuem e podem ser acompanhadas de i para serem claramente neutras, como em professories, opressories ou trabalhadories. Pretendo escrever desta forma de agora em diante.

Dica para pronomes e identidades de gênero  0

Somos treinades para reconhecer dois gêneros (homem/menino, mulher/menina) e dois pronomes pessoais retos em terceira pessoa do singular, associados a estes gêneros (ele, ela). Podem não dizer explicitamente para crianças que existem só esses dois gêneros e tipos de linguagem, mas elas acabam reconhecendo isso, via representação (não veem ninguém tratando pessoas de outro modo) e por conta do exorsexismo de cada dia (“homem ou mulher”, “ele ou ela”, “menino ou menina”, “papai e mamãe”, “gênero oposto”).

O que acontece é que então, quando descobrem pessoas não-binárias, as pessoas acabam tendo reações defensivas, conscientes (“isso não existe [porque ninguém me falou disso antes]”) ou inconscientes (errar a linguagem de uma pessoa sem querer porque normalmente se assumiria “ele” ou “ela” para tal pessoa).

Aqui vão dicas para se acostumar com pronomes (e outros tipos de linguagem) e gêneros:

Pense em pronomes como nomes.

Você conhece todos os nomes que existem? Provavelmente não. E também não é necessário conhecê-los. Mas, você provavelmente sabe nomes (ou sobrenomes, ou apelidos) das pessoas próximas a você.

Assim como você não assume que o nome das pessoas são sempre Carolina ou Paulo, pronomes variam além de ele ou ela. Caso você tenha qualquer indício de que seja um lugar seguro para isso, você pode perguntar pela linguagem de alguém, especialmente se a pessoa não termina palavras referentes à si mesma com o ou a.

Assim como você não se irrita quando alguém te corrige por você ter errado o nome de alguém, você não deve se irritar quando alguém corrige um pronome errado. Assim como você não reclama quando aprende um nome que nunca ouviu, você não deve reclamar quando ouve um pronome que nunca ouviu.

Pense em identidades de gênero como profissões.

Você conhece todas as profissões que existem? Provavelmente não. E também não é necessário conhecê-las. Mas, você provavelmente sabe as profissões das pessoas próximas a você, assim como o significado delas.

Assim como você não assume as profissões de pessoas que você não conhece, na maior parte das vezes, também não há razão para assumir os gêneros ou as identidades de gênero de pessoas que você não conhece, na maior parte das vezes. Você também provavelmente não sente a necessidade de perguntar a profissão de qualquer pessoa, e o mesmo deve servir para o gênero. Caso o assunto surja, ok! Caso contrário, não é algo essencial para várias pessoas.

Às vezes, é necessário perguntar para saber o que é certa profissão, e o mesmo serve para certos gêneros. Às vezes, você consegue entender o significado de uma profissão sem perguntar, ou ao menos parcialmente entender do que se trata. Por exemplo, alguém que sabe o que significa web e design provavelmente não vai precisar de uma definição de webdesigner. Alguém que sabe o que é turismo e o que significa o sufixo -logo deve ter alguma ideia do que faz alguém que se diz turismólogo.

O mesmo serve para gênero: alguém que conhece o prefixo tri- e o conceito de bigênero deve entender o que significa trigênero. Alguém que conhece o prefixo a- e o sufixo -gênero para gêneros não-binários deve ter uma ideia do que é uma pessoa agênero.

O mesmo até serve para orientações! Alguém que conhece os conceitos de arromântique e de bissexual deve entender o que é uma pessoa birromântica. Alguém que conhece o prefixo pan- e o sufixo –sexual deve entender que uma pessoa pansexual é atraída por pessoas de todos os gêneros.

Obviamente, isso nem sempre funciona: uma pessoa pangênero não é de todos os gêneros, uma pessoa duossexual não é necessariamente atraída por dois gêneros, e uma pessoa demirromântica não é atraída por metade dos gêneros. Porém, os nomes dão uma ideia, e, inclusive, uma associação com outras palavras já existentes que fazem com que estes conceitos sejam mais fáceis de lembrar.

O que você pode fazer para não alienar pessoas não-binárias  0

Por impulso ou preconceito, pessoas acabam escolhendo expressões que alienam ou que podem causar desconforto a pessoas não-binárias. Veja aqui algumas substituições mais adequadas para elas.

Em situação de alguém se apresentando com neolinguagem (como ed/eld/e ou -/ile/e):

Evitar:Isso é muito novo e difícil pra mim, então vou errar bastante“, ou “não posso usar (insira outra linguagem aqui)?

Tentar: “Vou tentar respeitar isso ao máximo da minha capacidade“, “vou anotar para não esquecer“, “posso ter alguns exemplos de como sua linguagem é utilizada, pra fixar melhor?“, ou formar alguma frase com a linguagem da pessoa para ter certeza de que entendeu.

Em situação de não ser oferecida uma opção para pessoas não-binárias escolherem em alguma situação que precisa de gênero:

Evitar: “Isso é muito novo ainda, vai demorar para alguém levar a sério“, “apenas escolha o que corresponde com seu sexo biológico“, ou “apenas escolha (insira gênero pelo qual a pessoa passa aqui)“.

Tentar: “Vou ver se consigo outra opção para você“, “tem algum destes grupos que você acha menos pior de ser encaixade?“, “você pode não preencher/participar desta parte se você quiser“.

Em situação de errar a linguagem da pessoa:

Evitar:Desculpe, é que é tão difícil!“, ou “é que nunca vou me acostumar com essas coisas“.

Tentar:Desculpe, acho que esqueci do que você usa ao invés de (palavra errada)” ou corrigir na hora a palavra errada (“ele– uh, éli“, por exemplo).

Em situação de não se lembrar da linguagem ou do gênero da pessoa:

Evitar: Chutar qualquer palavra e torcer para que não esteja errado/para que a pessoa não note, ou reclamar que é algo muito difícil de lembrar.

Tentar: Perguntar para a pessoa ou para pessoas próximas qual é a linguagem certa ou o gênero certo.

Em situação de não saber o que significa o gênero da pessoa, ou de recém aprender o que ele significa:

Evitar:Como isso é possível?“, “isso existe mesmo?“, “por que você escolheu se identificar desta forma?“, “mas todo mundo é meio assim!“, “pra quê se rotular assim?

Tentar:Você se sente à vontade para explicar o que é?“, “não sabia que isso existia, legal poder aprender!“, escutar sem falar nada para contestar, mesmo que não tenha conseguido entender direito, e depois procurar mais na internet, caso realmente queira aprender.