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Posts for Tag : allosexismo

Queerspectivas 2: Experiências aroespectrais  1

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Licença: CC BY-NC-SA 4.0

A transcrição abaixo foi feita por Travest’Yvies, com edição posterior feita por Aster.


Esses são os avisos de conteúdo pro segundo episódio de Queerspectivas:

  • A gente fala sobre amatonormatividade, alossexismo, acemisia, aromisia, grismisia, periorientismo, cissexismo, exorsexismo, expectativas de gênero, multimisia, sexonormatividade, puritanismo e experiências e estereótipos relacionados a essas coisas.
  • Também quero avisar que as três pessoas presentes no painel são pessoas aroespectrais que já sentiram atração romântica, que se encaixam na descrição de pessoas que sentem atração romântica raramente e que são ace-espectrais. Quero ressaltar que existem aros que nunca sentem atração romântica, que sentem atração romântica com frequência, ainda que de forma inconstante ou condicional, e aros de qualquer orientação que não definem nenhuma orientação sexual ou que são alossexuais, ainda que essas experiências não estejam disponíveis neste painel.

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Alonorma tóxica: Recorte racial dentro da assexualidade  0

Bandeira assexual feita por InspectorCaracal. É um retângulo dividido em três faixas diagonais que vão do canto superior direito até o canto inferior esquerdo, nas cores preta, roxa e cinza clara.

 

Esta postagem foi escrita por Sara Hanna, do Coletivo Abrace.


Alornorma (e sexonorma) é o que impõe que só se é adulte saudável quando sente atração e pratica relações sexuais.

Um exemplo clássico para entender como alonorma (fazendo combo com heteronorma e amatonorma) é desejável e imposta desde que somos crianças é que muitas pessoas foram constrangidas quando pequenas a darem beijo, segurar mão ou qualquer contato físico em algume coleguinha (sendo de outro gênero) contra sua vontade, em rodas onde adultos comentavam que eram namoradinhes. Algo bem traumático e abusivo, na verdade, mas que é extremamente naturalizado como “apenas brincadeira”.

Existe uma série de problemas que surgem desta premissa (sugiro que veja a postagem anterior sobre alonorma para ter mais informações), mas aqui gostaríamos de fazer o recorte racial para deixarmos explícitas algumas questões específicas que fazem com que a alonorma seja ainda mais tóxica para corpos racializados.

Racismo nas atrações românticas e/ou sexuais é algo geralmente visto como a repulsa a pessoas que fogem do estereótipo de aparência eurocentrado como padrão de beleza, e sim, isso também é racista. No entanto, o racismo tem inúmeros braços e não à toa permeia todas as esferas da sociedade, então ele pode também se apresentar de uma forma muito cruel, pois se veste de “herói” quando apresentado: o racismo objetificador.

Digo cruel pois é fantasiado de elogios sobre a aparência, principalmente sobre os corpos, de pessoas racializadas. Aliás, estes corpos são vistos apenas como corpos, algo desligado de sua personalidade, cultura, histórico ou o que faça da pessoa indivíduo (isso é a objetificacão, algo que torna alguém um adorno ou passível apenas de desejo de consumo, admiração ou posse, retirando no imaginário sua essência, discernimento e capacidade de consentir).

Por muito tempo a naturalização da objetificação de corpos negros, principalmente, como foco de desejo sexual ilustrou bem isso. E para todos os grupos considerados grupos étnicos diferentes dos padrões europeus, existe essa objetificação.

Existe uma forte fetichização de mulheres do leste da Ásia; erotização de corpos de pessoas árabes desde a infância, onde meninas são vistas como dançarinas do ventre e meninos viris; expectativa sobre tamanhos de órgãos genitais de homens ou pessoas lidas homens negras e árabes, enfim, são inúmeros exemplos de como a alonorma e a sexonorma são, além de machistas, gordemísicas, capacitistas, muito racistas.

Pessoalmente, como uma pessoa lida mulher e descendente de árabes ouvia desde criança de homens adultos que iam me trocar por camelos, ou que eu devia rebolar bem, pois árabes dançavam dança do ventre, piadas sexuais sobre “meu povo” ter sangue quente ou me pedirem em casamento, porque “na minha terra” as meninas podiam casar com 9 anos de idade (Embora eu seja brasileira, sempre deixavam muito claro que em algum outro lugar eu tinha um “meu povo”, “minha gente”, “minha terra”, e eu não entendia o que isso queria dizer). Já ouvi mulheres negras dizendo que ouviam coisas semelhantes na infância, também coisas muito além disso, e que igualmente deviam saber rebolar e sambar. Homens negros, inclusive gays, vivem recebendo insinuações sobre tamanho de pênis. Mulheres do leste da Ásia ou descendentes, que são vistas como bonecas humanas, que se pode fazer tudo sem consentimento, e os homens leste-asiáticos têm constantemente seus corpos sendo motivos de chacota, desde a estatura ao tamanho de seus pênis … Enfim, inúmeros casos podem ser citados, mas o que se critica aqui é a estrutura disso, é a norma social que naturaliza que corpos sejam vistos como sexuais sem consentimento, menosprezados, ou que para alguns corpos só restem interações sexuais, pois estes corpos não são vistos como parte de alguém com consciência, gostos, um conjunto de vivências e particularidades como outros, e principalmente, com direito a dizer “não”.

Se uma pessoa tem seu corpo objetificado a vida toda sem consentimento isso pode afetar todas suas interações, algumas vezes de forma permanente. Se além disso não for branca e for assexual, pode passar por experiências específicas, por isso o recorte se fez necessário.

Você pode se perguntar ‘por quê isso tem a ver com alonorma e sexonorma e não só com racismo?’, porém basta se perguntar de onde vem a ideia de que é preciso sempre ter uma opinião sobre a aparência das pessoas? Dizer se acha ou não alguém atraente? Onde é formada a noção de “atração física” ser algo relevante para todas as interações humanas entre adultes (até profissionalmente as pessoas são analisadas e classificadas como atraentes ou não) e se você não sente essa atração é infantil ou moralista? Onde se cria a ideia de que só quem é saudável é quem sente atração sexual e quem não sente é doente? E que corpos são mais rejeitados? E quais são mais objetificados? De várias formas somos ensinades a erotizar, sexualizar, desejar, paquerar, como regra social, e sendo a sociedade racista, evidente que dentro dessas interações existam peculiaridades reservadas aos grupos que não estão nesse padrão racista.

A alonorma e sexonorma são tóxicas e naturalizam isso quando a sociedade acha normal que estereótipos raciais ainda sejam veiculados em comerciais, livros, filmes, jornais, revistas, novelas, e não se faz barulho contra isso, não se para de consumir, de assistir, de apoiar de qualquer forma… E sei que há quem argumente que existem atrizes cis, hétero e brancas que também são sexualizadas, por exemplo, mas aí a crítica seria ao machismo estrutural que impõe que corpos lidos femininos sejam sempre representados de forma erotizada, não cabendo por muito tempo às mulheres muitas alternativas para serem respeitadas senão imitando alguns comportamentos da masculinidade vigente. Porém aqui o recorte é só racial. Futuramente faremos o recorte de gênero, pois infelizmente a alonormatividade é tóxica em várias esferas.


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Tentativa de conscientização sobre algumas identidades do espectro arromântico  2

Bandeira arromântica: 5 faixas horizontais de mesmo tamanho nas cores verde, verde clara, branca, cinza e preta.

Conceitos que recomendo saber sobre antes de ler o texto:

Hoje é o terceiro dia da Semana da Conscientização sobre o Espectro Arromântico de 2020 (dias 16 até 22 de fevereiro). Caso você queira postar o que fez/vai fazer para comemorar esta data, não deixe de passar neste tópico!

Como eu já escrevi em uma postagem hoje, ainda há uma ausência muito grande de conteúdo arromântico, então fica chato falar de algum assunto dentro da comunidade arromântica como se fosse mais obscuro do que outros quando não há conteúdo arromântico em geral.

E quando eu falo de conteúdo, eu falo em relação a tudo. Faltam personagens arromântiques em mídias populares; falta conteúdo informativo sobre o que é ser arromântique que não seja só sobre a definição de arromântique; faltam matérias bem feitas em revistas sobre o que é ser arromântique; faltam postagens, vídeos, podcasts e afins de pessoas arromânticas falando de suas histórias que alcançam pessoas fora da comunidade arromântica.

Esta postagem é sobre pessoas arromânticas que sentem alguma atração romântica. Porém, quero explicitar que minha intenção não é dizer que este grupo é mais apagado do que todos os outros em contextos arromânticos, e nem jogar pessoas arromânticas que não sentem atração romântica debaixo do ônibus. Este é apenas um assunto que escolhi, mas existem vários outros que merecem atenção também.

A possibilidade de pessoas serem arromânticas é extremamente apagada, em geral.

Quando é considerada, porém, é comum que esta consideração só se estenda à ideia de que a pessoa não sente atração romântica nenhuma.

E mesmo pessoas que aceitam a possibilidade de alguém não sentir atração romântica podem não aceitar que alguém se identifique como grisromântique, arofluxo, akoirromântique, demirromântique ou afins. Afinal, não sentir atração romântica comumente ou deixar de sentir atração depois de um tempo “é normal”, e portanto dentro dos padrões alorromânticos.

A questão é, ao lidar com algo “novo” que alguém está dizendo que é, algo fora do padrão que não tem boa representação na mídia, a tendência é duvidar. Isso é um problema para toda a comunidade, especialmente quando não existe forma de “provar” que alguém não tem gênero ou não sente atração por pessoas de certo gênero ou afins.

E atração romântica é algo que muita gente que é ou que se diz alorromântica vê como nebuloso, então, de fora, uma “escala cinza” entre alguém sem atração romântica nenhuma e com atração romântica forte/frequente/consistente pode não parecer “real” ou “útil”.

Eu vou citar aqui umas possibilidades que podem ser meio extremas, mas que podem dar uma ideia melhor dos motivos pelos quais pessoas podem se dizer de certas orientações no espectro arromântico.

Akoirromântique/lithromântique/etc.: Uma pessoa tem várias quedas durante sua vida, mas elas raramente são recíprocas, e, quando são, a pessoa perde interesse rapidamente. Mesmo que tente namorar e ache alguém de quem gosta muito, a atração romântica sempre parece sumir no início do relacionamento. A pessoa pode realmente querer que uma relação dê certo e pode realmente gostar de outras pessoas, mas não consegue se manter apaixonada por ninguém.

Amicusromântique: Uma pessoa nunca se apaixona por personagens, celebridades, ou por pessoas que conhece mais ou menos que se declaram para ela. Porém, frequentemente se apaixona por pessoas em seu grupo de amizades, por mais que seja pequeno e/ou que as pessoas nele estejam indisponíveis.

Arofluxo: Uma pessoa por anos não se apaixona por ninguém. Depois passa algum tempo se apaixonando por várias pessoas, mas tal paixão vai embora bem rápido após relacionamentos começarem. Depois a pessoa passa um ano sem se apaixonar por ninguém. Daí a pessoa se apaixona por uma única pessoa e a paixão permanece por alguns anos. Depois ela vai embora totalmente. Depois ela volta, e a pessoa se apaixona por várias pessoas bem rápido por algum tempo. Depois a pessoa para de se apaixonar e questiona se realmente é capaz disso.

Caligorromântique: Uma pessoa começa a se apaixonar anos depois de suas amizades, mas tal paixão parece ser extremamente fraca e a pessoa questiona várias vezes se tal atração é real ou apenas pressão social. Em todos os relacionamentos que entra, ainda que ame romanticamente as outras pessoas, parece que sempre as outras pessoas a amam muito mais.

Claperromântique: Uma pessoa sentia atração romântica com frequência, mas após um relacionamento abusivo, nunca mais sentiu atração romântica. Ainda que tivesse sido alorromântica antes, ela não vê sentido em se identificar como tal quando é atualmente incapaz de se apaixonar e desinteressada em ter outros relacionamentos românticos.

Cupiorromântique: Uma pessoa não sente atração romântica nenhuma, mas pensa que namorar pode ser divertido e quer ter relacionamentos românticos mesmo sem ser capaz de se apaixonar por outras pessoas.

Demirromântique: Uma pessoa nunca se apaixona por ninguém, e detesta o quanto outras pessoas ficam puxando o assunto de possíveis relacionamentos românticos como se pessoas tivessem que estar apaixonadas o tempo todo. Depois de anos, a pessoa se apaixona por uma pessoa ou outra, mas apenas por pessoas que admira muito e com quem conviveu por bastante tempo.

Grisromântique: Uma pessoa só se apaixonou uma vez na vida há anos atrás, e não considera que isso define mais sua orientação do que todos os outros anos nos quais não sentiu atração nenhuma.

Proculromântique: Uma pessoa tem paixões assim como suas amizades, mas ao contrário delas, suas paixões são sempre por celebridades, personagens fictícies, ou outras pessoas completamente inacessíveis. E não só como adolescente; isso continua por vários anos e a pessoa nunca se apaixona por pessoas de qualquer gênero que estão à sua volta.

Recipromântique: Uma pessoa nunca se apaixona ou tem interesse em relacionamentos. Porém, algumas das vezes nas quais outras pessoas se declararam apaixonadas por ela, a pessoa começou a se apaixonar por estas pessoas, sem nunca ter tido nenhuma paixão fora disso.

Independentemente das experiências de cada pessoa e da sua opinião sobre que rótulos deveriam estar usando, por favor, respeite a identificação alheia. Cada pessoa tem seus motivos para usar os termos que usa.

“Radicalismo” reformista  1

Piadas e manifestações de desprezo genéricas contra opressories* e pessoas ignorantes podem ser catárticas e importantes. Porém, quando são levadas ao patamar de princípios, retiram nuances existentes na vida real, além de criarem um ideal distorcido para grupos ativistas.

Estou falando tanto sobre teorias que desprezam a realidade em troca de dualidades falsas de opressories e oprimides, quanto sobre piadas e brincadeiras que ajudam a normalizar essas dualidades.

É importante perceber que a maior parte dos grupos oprimidos consistem de várias identidades diferentes, e que nem sempre uma vai ser mais ou menos oprimida do que a outra. Isso porque a sociedade centraliza uma característica como certa e outras características como erradas em cada eixo, por não se encaixarem no modelo privilegiado por diferentes motivos.

Por exemplo, uma pessoa heterorromântica é vista como padrão pela sociedade. Uma pessoa heterorromântica exibe interesse romântico em pessoas somente de um gênero, aquele que é considerado oposto pela sociedade, e eventualmente se apaixona e entra em relacionamentos amorosos com pessoas do gênero “certo”.

Enquanto isso, existem pessoas que não são heterorromânticas. Pessoas multirromânticas vão sofrer repressão por não sentirem atração por só um gênero, além de sofrerem repressão por sentir atração por algum gênero “errado”; pessoas arromânticas e do espectro arromântico vão sofrer repressão por não desejarem ou manterem relações românticas com o “gênero certo”; e gays, lésbicas, e pessoas de orientações similares vão sofrer repressão por sentirem atração pelo “gênero errado” e não pelo “gênero certo”.

Existem maneiras, é claro, de uma pessoa heterorromântica não parecer heterorromântica, e ser confundida com alguém de outra orientação, recebendo então repressões por parte da sociedade. Porém, no momento, vamos lidar com um modelo teórico de uma pessoa heterorromântica que não dá a impressão de ser arromântica, gay, etc.

Mesmo assim, uma pessoa heterorromântica não é necessariamente privilegiada em outros aspectos. Uma pessoa heterorromântica ainda pode ser transgênero, mulher, deficiente, indígena, profissional do sexo e/ou até mesmo não-heterossexual, para citar algumas das inúmeras minorias existentes no planeta.

Dentro da comunidade LGBTQIAP+, existem diversos tipos de marginalização. A comunidade é unida desta forma porque a sociedade ainda vê certas características como desvio das normas de gênero: muitas vezes não separam um homem trans hétero de uma mulher cis lésbica, ou uma mulher trans perisexo de uma mulher ipsogênero, por exemplo.

No entanto, é importante que cada pessoa possa se identificar em seus próprios termos, não importa se a sociedade as coloca no mesmo saco de pessoas estranhas que deveriam ser tiradas de vista ou corrigidas. Só que, dentro da comunidade, alguns grupos se aproveitam da invisibilidade de outros para tentar homogeneizar a comunidade, o que só leva à criação de grupos assimilacionistas; grupos que tentam ser mais aceitáveis para a sociedade que os oprime, para ganharem privilégio a troco da marginalização de quem não está nesses grupos.

Existe um fenômeno chamado homonormatividade, que é, essencialmente, a normalização da identidade gay – e, na maioria das vezes, da identidade lésbica também – como a identidade LGBTQIAP+ “padrão”, muitas vezes colocando questões gays como as mais importantes para a comunidade, e tratando representação gay como o único tipo de representação importante para a comunidade.

É a homonormatividade que vende o padrão de casais gays/lésbicos monogâmicos, cis, brancos, de classe média e razoavelmente atraentes como a experiência LGBTQIAP+ ideal. Que mostra a liberdade de casais do mesmo gênero poderem se casar oficialmente e adotar filhes como as pautas mais importantes para o progresso da sociedade, quando crianças intersexo passam por cirurgias forçadas e pessoas transfemininas são frequentemente assassinadas por não “parecerem mulheres” o suficiente.

Essa homonormatividade também desvaloriza outras identidades não apenas por ignorá-las, mas por considerá-las extensões das identidades gay e lésbica. É daí que vem a preocupação de pessoas trans hétero serem “gays ao extremo”, de pessoas trans gays/lésbicas serem “pessoas hétero com um fetiche”, de pessoas não-binárias poderem ser “pessoas que querem ser de outro gênero por terem homofobia internalizada” ou “pessoas cis e hétero que se acham especiais”, de pessoas bi serem “apenas parcialmente gays”, “secretamente hétero”, ou “secretamente gays”, de identidades como poli e pan serem irrelevantes, de pessoas intersexo não terem nada a ver com a comunidade, etc.

Este tipo de pensamento se estende dentro das comunidades LGBTQIAP+, quando há uma pressão para ser o mais gay possível; ou, em certos casos, o mais trans possível. Por exemplo:

  1. Dizer que uma personagem que possui relacionamentos tanto com homens quanto como mulheres é lésbica não é desrespeitoso com pessoas bi, porque várias lésbicas já tiveram relacionamentos com homens. Porém, dizer que uma personagem que só possui relações com mulheres é possivelmente bi é desrespeitoso, porque passa a mensagem de que lésbicas não existem/que qualquer mulher deve “estar disponível a um homem”;
  2. Uma pessoa multi não pode dizer que sua atração por pessoas do mesmo gênero é gay, ou se chamar de palavras estigmatizadas direcionadas a pessoas gays/lésbicas (viado, sapatão, etc.); porém, casais formados por pessoas do mesmo gênero são “casais gays”, direitos para estes casais são “direitos gays”, etc.
  3. Lésbicas e homens gays podem sentir atração por pessoas não-binárias que ~parecem ser~ do gênero que geralmente se atraem, e isso, de alguma forma, não é desrespeitoso. Porém, se uma pessoa se identifica com alguma identidade multi por sentir atração por pessoas de vários gêneros que não é o seu, essa pessoa é “basicamente hétero” e “fetichiza identidades não-binárias”;
  4. Pessoas assexuais ou arromânticas que também são lésbicas ou gays sofrem de “homofobia internalizada” por não se identificarem completamente como lésbicas ou gays, mas pessoas assexuais ou arromânticas que também são hétero são “basicamente hétero” e não deveriam estar em “espaços LGBT”;
  5. Pessoas trans precisam de disforia de gênero para serem “trans de verdade”, que são as únicas pessoas trans que devem ser respeitadas. Porém, identidades não-binárias e pronomes alternativos são constantemente alvos de chacota, sem que ninguém pense na possibilidade dessas pessoas possuírem disforia.

Isso também culmina em ódio a pessoas hétero que nem realmente são hétero. Ódio a “relacionamentos hétero” muitas vezes afeta pessoas dentro da comunidade BTQIAP+; ódio a identidades não-binárias que ~parecem falsas~ muitas vezes afeta pessoas que não são cis; ódio a pessoas com fetiches ou em relacionamentos poliamorosos por “acharem que podem ser LGBT” afeta pessoas LGBTQIAP+ nestas comunidades.

E de que adianta rir de pessoas que se identificam como demissexuais ou magigênero? De que adianta alienar pessoas multi, que são grande parte da comunidade, dizendo que não podem se sentir representadas na mídia, e que são sujas por terem “relacionamentos hétero”? Quem ganha com a ideia de que pessoas trans precisam entrar em um certo molde para serem respeitadas?

Apenas o sistema, é claro, e as pessoas que querem fazer parte dele.

Porque, de resto, você está alienando partes de um grupo que se uniu justamente para ser mais forte e visível desta maneira.

Combater heteronormatividade e cissexismo em espaços LGBTQIAP+ é importante, mas tentar manter um ideal de pessoas que são “oprimidas o suficiente” está mantendo estes sistemas, dando a ideia de que só certos pequenos grupos são puros o suficiente para serem respeitados.

Se você tem medo de agressões contra lésbicas, pessoas gays e pessoas trans binárias na comunidade, o ideal é educar qualquer pessoa sobre cisheteronormatividade, e não reduzir a comunidade LGBTQIAP+ apenas a estas pessoas.

É um erro pensar que qualquer pessoa que não é de certa identidade vai ser preconceituosa contra certa identidade (especialmente em espaços LGBTQIAP+), e também é um erro pensar que qualquer pessoa que é de certa identidade não vai ser preconceituosa contra pessoas dessa mesma identidade.

Também é muito importante combater racismo, misoginia, capacitismo e outras marginalizações que não são relacionadas à comunidade LGBTQIAP+, afinal existem outros sistemas que devem ser destruídos.

* Recentemente, fui informade que palavras que já possuem e podem ser acompanhadas de i para serem claramente neutras, como em professories, opressories ou trabalhadories. Pretendo escrever desta forma de agora em diante.