Um espaço de aprendizagem

Treinamento de sensibilidade resumido  0

Quando falo sobre treinamento de sensibilidade, falo sobre sensibilidade em relação a opressões, principalmente em um contexto social onde temos vários comportamentos e termos normalizados que são nocivos a grupos marginalizados.

AVISO: Palavras estigmatizadas serão expostas sem censura nesta postagem, no item C, para quem estiver lendo ter certeza de quais são as palavras referidas.

A. Não assuma que todas as pessoas são perisexo, cis, ou de gêneros binários.

Mulheres não necessariamente menstruam, e pessoas que não são necessariamente mulheres menstruam. Produtos como absorventes, portanto, são úteis para pessoas que menstruam.

O gênero de uma pessoa não é necessariamente relacionado ao banheiro que ela vai: pessoas não-binárias muitas vezes precisam escolher entre um banheiro masculino ou feminino, e pessoas trans que não passam como o gênero que querem podem acabar escolhendo o banheiro em que se sentem mais seguras.

“Homens e mulheres” não é uma separação que cobre todas as pessoas, e, muitas vezes, esta expressão e outras similares pode ser substituída por “pessoas” ou por “comunidade” (em casos específicos, como em “comunidade LGBT+”).

Perguntar pelos pronomes/linguagem de todas as pessoas presentes deve ser um procedimento padrão em espaços que aceitam pessoas trans e não-binárias.

B. Aliás, não assuma que todas as pessoas vão ser o mais privilegiadas possível, ou que elas não podem fazer parte de grupos estatisticamente pequenos.

Uma pessoa pode ter opiniões misóginas mesmo sendo mulher, e acusar a pessoa de na verdade ser um homem não é um argumento efetivo.

Uma pessoa que se identifica como alguma identidade obscura não é necessariamente uma pessoa branca e rica, e que, portanto, “não sabe de nada do mundo”.

Uma pessoa que está falando sobre a falta de reconhecimento de pessoas intersexo pode ser uma pessoa intersexo, e não uma pessoa perisexo “sendo fresca em relação a um grupo que é uma exceção minúscula”.

Uma pessoa que não está lhe respondendo pode realmente não ter ouvido e/ou não conseguir falar. Não simplesmente assuma que pessoas não possuem deficiências se não são explicitamente apresentadas a você como deficientes.

Uma pessoa que está em um aparente “relacionamento hétero” pode na verdade ser bi, pan, assexual, não-binária, entre outras identidades. Uma pessoa que está em um aparente “relacionamento gay” pode também ser de qualquer uma destas outras identidades, ou até mesmo estar em um relacionamento hétero com uma pessoa trans que não consegue “passar” como seu gênero!

C. Quando alguém de um grupo marginalizado diz que algo é nocivo, escute, não importa o quanto isso faz parte do dia-a-dia.

Ficar tentando adivinhar o gênero de pessoas que você não conhece, ou brincar de “mudar de sexo” por diversão é nocivo para pessoas trans e não-binárias.

Ficar tentando adivinhar a identidade de uma pessoa que (aparentemente) não conforma com o gênero binário aparente é nocivo para pessoas cujas identidades não são visíveis.

Fazer piadas de estereótipos raciais, relacionados a identidades LGBTQIAP+, relacionados a deficiências físicas ou mentais, relacionados a pessoas traumatizadas, entre outros, está ajudando estas minorias a se sentirem mal consigo mesmas, não importa se a piada foi positiva, ou se você na verdade não acredita no estereótipo.

O conceito de inteligência é capacitista e elitista, porque pessoas possuem diferentes habilidades, independentemente da capacidade de expressá-las e do quanto são úteis em um contexto capitalista. Portanto, evite utilizar esta “medida” para qualquer coisa.

Utilizar palavras como “retardade”, “imbecil”, “idiota”, “bicha”, “viado”, “hermafrodita”, “traveco”, “vadia”, “puta”, “cegue”, “surde”, “aleijade”, “babaca”, “louque”, “maluque”, “sapata” e “mulate” é completamente inadequado nos dias de hoje, por termos acesso amplo a informações sobre tais palavras, sendo que os únicos contextos relevantes para elas são exemplos, livros históricos (sendo que estes dois ainda podem ser censurados/modificados na maior parte dos casos), ou pessoas dos grupos atingidos – não adianta ser alguém de grupo externo – reapropriarem tais palavras, utilizando-as como partes de suas identidades. [Nota: palavras neutras em relação a gênero estão escritas em sua forma neutra.]

D. Quando algo der errado, se desculpe rapidamente, e tente consertar seu erro.

Não reclame de como é difícil atender aos pedidos de grupos marginalizados, e não tente se justificar, dizendo que não deveria se esforçar porque o resto da sociedade não liga, se você quer ajudar.

Não pense que isso passou e é correto só porque alguém que liga para estas questões não disse nada. Pessoas marginalizadas não vão necessariamente ter energia para corrigir outras pessoas o tempo todo, mas ainda podem estar tomando notas mentais sobre você.

E. Caso seja seguro, leve seus conhecimentos para fora.

Pronomes de pessoas não-cis são obrigatórios mesmo em situações onde não existem pessoas não-cis ou pessoas que conhecem as pessoas em questão em volta.

Você pode corrigir pessoas que não fazem parte de grupos marginalizados sobre questões relacionadas a estes, independentemente de ter ou não ter uma pessoa de tal grupo marginalizado em volta.

Você sempre pode evitar rir de piadas machistas/racistas/capacitistas/etc., e você sempre pode evitar utilizar palavras estigmatizadas relacionadas a grupos marginalizados.

Você pode corrigir pessoas que deixam implícito ou explícito que acreditam que só existem dois sexos, duas orientações, ou dois gêneros, assim como corrigir pessoas em outras questões.

Bandeiras de orgulho  0

Bandeiras são pedaços de tecido, ou gráficos imitando tal tecido, utilizados para simbolizar, sinalizar, e/ou decorar.

Bandeira gay original

Bandeira gay original

Antes de existirem bandeiras de orgulho, já existiram outros símbolos para a comunidade LGBTQIAP+. Por exemplo, ambas as cores verde e roxo já foram símbolos de homossexualidade. Porém, em 1978, Gilbert Baker, um artista, desenhou uma bandeira arco-íris de 8 cores, para atender às necessidades de ativistas da época que queriam um símbolo para a comunidade. Como rosa não estava disponível comercialmente na época, decidiram abrir mão dessa cor e de mais uma (azul anil), para ter uma bandeira que pudesse ser dividida igualmente. Assim nasceu a bandeira gay de 6 cores.

As outras bandeiras de orgulho populares, com a exceção das de fetiches, foram criadas no final dos anos 90, ou nos anos 2000. A bandeira bi surgiu em 1998; a lésbica (com o machado) surgiu em 1999; a transgênero também em 1999; a intersexo com o degradê em 2009; a assexual e a genderqueer em 2010.

Depois disso, surgiram várias outras bandeiras. Hoje em dia, é comum que qualquer gênero ou orientação tenha sua bandeira, a ponto de pessoas que recém criaram definições novas já fazerem ou mandarem fazer uma bandeira de orgulho para tal definição.

Enquanto não há nada de errado em ter sua identidade representada, vale lembrar que bandeiras de orgulho nada mais são do que gráficos aleatórios, caso tais bandeiras não sejam boas o suficiente.

A Associação Vexilológica Norte Americana possui uma lista dos 5 princípios básicos de design de bandeiras. Estes são os seguintes:

  1. Mantenha-a simples. Uma criança deve conseguir desenhá-la só com a referência da memória;
  2. Utilize simbolismo significativo;
  3. Utilize de 2 a 3 cores básicas;
  4. Sem letras ou selos. A bandeira deve poder ser vista de longe, e, se você tem que escrever algo para as pessoas entenderem do que é a bandeira, seu simbolismo é falho;
  5. A bandeira deve ser distinta ou relacionada. Tudo bem que a bandeira demirromântica seja parecida com a demissexual, mas não há necessidade de quase todas as bandeiras de orgulho serem compostas de faixas horizontais, só por causa da bandeira gay e/ou das subsequentes.

É claro, não necessariamente as bandeiras tenham que seguir estas regras para serem boas. A bandeira do País de Gales é amada mesmo que seu dragão seja complexo demais para ser desenhado da memória. A bandeira da África do Sul é memorável mesmo que tenha mais do que 3 cores – e o mesmo vale para a bandeira gay.

O problema das bandeiras de orgulho é que elas acabam caindo em certos clichês. Por exemplo, rosa para meninas/feminilidade, azul para homens/masculinidade, roxo para uma mistura entre os dois, ou para gêneros não-binários, amarelo ou verde para gêneros não-binários ou completamente fora do binário masculino/feminino, branco para neutralidade ou para gêneros não-binários. Faixas horizontais.

Quantas bandeiras seguem isto? Temos a bandeira transgênero, a bandeira pansexual, a bandeira polissexual, a bandeira trigênero, a bandeira genderflux… e isso sem mencionar cinza ou preto, que são outras cores comuns em bandeiras de gêneros.

Enquanto apenas utilizar estas cores com estas simbologias não seja algo tão ruim, quem cria certas bandeiras não se importa muito com o fator distinção.

Por exemplo, uma fuzmenina é uma menina trans que não sabe explicar porque pertence ao seu gênero. Uma endomenina é alguém cujo gênero possui flutuações, mas que nunca deixa de ser parcialmente uma menina. Mulheres trans e pessoas transfemininas são pessoas que foram designadas como homens ao nascimento, mas que são mulheres (mulheres trans), ou pessoas não-binárias cujo gênero e/ou apresentação são relacionados com feminilidade ou com ser mulher (pessoas transfemininas). Uma giramenina é alguém que possui múltiplos gêneros, um deles sendo o feminino, e a maioria sendo gêneros desconhecidos para a pessoa. Uma magimenina é alguém cuja maior parte do gênero é feminino, sendo que a outra parte do gênero pode ser outra coisa ou não existir. Uma anomenina é alguém que tem um gênero feminino que lentamente vai desaparecendo, e que eventualmente ressurge, sendo que ele vai desaparecer novamente. Uma entromenina é uma menina cujo gênero está em constante fase de deterioração, desaparecendo lentamente. Uma scorimenina é alguém cujo gênero flui entre três gêneros parecidos – neste caso, alguém cujo gênero flutua entre mulher, mulher não-binária e nanomulher, ou entre juxera, mulher agênero e demimulher, por exemplo.

Essas bandeiras são muito parecidas. Enquanto alguns destes gêneros sejam parecidos entre si, e todos tenham a ideia de menina, é muito fácil perder uma bandeira entre as outras, e é difícil de lembrar da composição da maior parte delas, especialmente as que possuem vários tons de rosa.

E então, existem bandeiras como estatimenina, necromenina, ou como esta outra bandeira para fuzmeninas. Estas bandeiras conseguem se distinguir mais, porém, elas acabam se tornando menos simples de serem reproduzidas, pelos seus resultados só terem sido obtidos por causa da existência de filtros digitais.

Agora, considerar: gênero-nulo, uma identidade para alguém cujo gênero não existe por não poder ser classificado. Sem gênero, uma identidade para quem não possui gênero, e que não gosta de utilizar termos como agênero para descrever sua falta de gênero. Xumgênero, uma identidade para quem não consegue classificar seu gênero, mas sem conseguir se contentar com isso. Verangênero, uma identidade para alguém cujo gênero muda sempre que este é identificado. Gênero-vago, uma identidade para pessoas neurodivergentes que não conseguem entender completamente seu gênero por causa de sua neurodivergência. Gênero-negativo, o estado de uma pessoa genderflux cujo gênero não existe no momento. E gênero-cinza, alguém que possui um gênero fraco e/ou indeterminado.

Estas bandeiras são mais distinguíveis entre si, pelo uso de símbolos e/ou de designs alternativos. A maior parte destas bandeiras possuem cores simples e fáceis de lembrar, e não são tão difíceis de serem desenhadas à mão.

Uma análise mais direta de certas bandeiras:

Bandeira de orgulho de ser um homem/menino não-binário

Identidade: Homem/menino não-binário. Uma pessoa não-binária que possui afinidades com masculinidade e/ou com o gênero masculino de alguma maneira.

Prós:

  • A simbologia faz certo sentido; verde é uma das cores mais associadas a meninos, depois do azul; o cinza dá a ideia de transição, de entre uma coisa e outra (neste caso, entre uma identidade binária e uma não-binária);
  • As cores combinam;
  • Não é a bandeira mais fácil de lembrar, mas também não é super difícil de se lembrar das cores. É possível de ser desenhada da memória.

Contras:

  • Possui um design parecido com várias outras bandeiras, como agênero e demihomem;
  • Não há a necessidade para tantas faixas, o mesmo conceito poderia ser resumido em 3, 4 ou 5 faixas.

Bandeira de orgulho de ser gravgênero

Identidade: Gravgênero. Alguém cujo gênero é intenso, forte.

Prós:

  • As estrelas deixam a bandeira distinguível entre outras;
  • Os elementos da bandeira (faixas e estrelas) não são difíceis de serem desenhados;
  • As cores combinam entre si, o que deixa a bandeira agradável de ser olhada.

Contras:

  • As cores verde e roxo não lembram força, e o degradê no fundo não dá a sensação de algo intenso e estável, e sim de algo que muda de intensidade, de transição;
  • Como são 5 tons de roxo diferentes no fundo, fica difícil de lembrar quais as cores exatas da bandeira;
  • O fundo com variação de cor é completamente dispensável. Se o fundo fosse só em um tom de roxo, o design seria mais limpo;
  • Por que três estrelas, com uma maior do que as outras? Parece-me que uma estrela maior faria um trabalho melhor.

Bandeira de orgulho de ser gênero-branco

Identidade: Gênero-branco. Alguém que só consegue pensar num espaço em branco, em relação ao próprio gênero.

Prós:

  • Elementos simples;
  • Cores simples e que combinam;
  • Elementos lembram um pouco da identidade. Estas cores são frequentemente utilizadas para identidades sem gênero, ou de gênero indefinido;
  • Design original, não é composto apenas por listras.

Contras:

  • Proporções podem ser um pouco difíceis de serem lembradas, já que não existem guias;
  • Cores não se destacam muito, mesmo que isso não seja um grande problema, já que a identidade em si faz referência a um conceito de “em branco”.

Enfim, meu ponto com esta postagem é: quando for fazer ou pedir para fazerem uma bandeira, lembre-se de fazer algo que pode ser desenhado facilmente no papel, e, de preferência, com cores originais a ponto de você poder desenhar algo referenciando a paleta de cores da bandeira.

Depoimentos de pessoas não-binárias  1

Edição (29/03/2021): Este texto foi escrito há bastante tempo, e portanto contém alguns equívocos nas traduções que hoje em dia eu consideraria errados, ou ao menos controversos:

  • Ainda que muita gente use “gênero feminino” e “gênero masculino” como descrições para gêneros binários, a forma mais correta de se referir a eles é apenas mulher e homem, respectivamente. Afinal, nem todas as pessoas com gêneros ou identidades feminines são mulheres, nem todas as pessoas que são mulheres estão confortáveis com serem chamadas de femininas, nem todas as pessoas com gêneros ou identidades masculines são homens e nem todas as pessoas que são homens estão confortáveis com serem chamadas de masculinas.
  • Algumas pessoas argumentam que menina só significa “pessoa jovem que usa o final de palavra a”, e que menino só significa “pessoa jovem que usa o final de palavra o”, ao invés de tais palavras serem sinônimos de mulher jovem e de homem jovem, respectivamente. Eu ainda acho que em certas circunstâncias é justificável traduzir uma palavra como demigirl como demimenina, por exemplo (escrevi mais sobre isso aqui), mas estou tentando evitar fazer isso para que não haja confusão, usando sempre homem ou mulher quando se trata de nomes de gêneros.

Peço que quem queira ler este texto (que ainda é muito relevante, considerando a pouca quantidade de pessoas descrevendo suas experiências de gênero) tenha essas coisas em mente, e não repita esses problemas.


É comum perguntarem quais são as especificações de alguém que se identifica como não-binárie. Muitas pessoas acabam generalizando, achando que a pessoa é simplesmente andrógine (tendo um gênero entre homem e mulher) ou gênero-fluido (alguém cujo gênero muda de tempos em tempos; pessoas cis geralmente acham que pessoas gênero-fluido só mudam entre serem homens e mulheres).

Há alguns meses, fiz uma pesquisa sobre pessoas não-binárias. Aqui estão algumas respostas da pergunta “como você sabe que é o gênero que é?”, separadas pelo gênero com o qual a pessoa se identifica:

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Duplo vínculo aplicado a identidades não-binárias  0

Duplo vínculo – muitas vezes conhecido como catch-22 (ardil-22) – é uma expressão que se refere a situações nas quais não existem boas alternativas para quem está envolvide. Neste texto, me refiro ao que acontece com pessoas não-binárias por minha própria experiência, mas vários destes itens também se referem a experiências de pessoas trans em geral.

Em um duplo vínculo, existem duas proposições. Uma pessoa que passa em uma inevitavelmente falha na outra, porém. É um dos jeitos que nossa sociedade cissexista e exorsexista desencoraja pessoas a experimentarem e se identificarem com identidades não-cis. Aqui estão alguns exemplos:

Quem usa roupas de acordo com o próprio gênero acha que gênero é só sobre roupas;
Quem não usa roupas de acordo com o próprio gênero está mentindo sobre seu gênero, já que não o leva a sério o suficiente para investir em um visual correspondente.

Quem utiliza pronomes ele ou ela na verdade é um homem binário ou uma mulher binária, respectivamente;
Quem utiliza outros pronomes está dificultando as coisas desnecessariamente, e só quer ser especial, sem querer levar a própria identidade a sério.

Quem tenta agir como sua identidade de gênero está reforçando estereótipos, e deixando implícito que gêneros são apenas compostos por estereótipos;
Quem não age como um estereótipo não está oferecendo justificativas suficientes para que acreditem em sua identidade de gênero.

Quem não mostra sinais de que sempre foi do gênero que diz ser está deixando de se identificar como cis por modinha/impulso;
Quem mostra sinais de que sempre foi do gênero que diz ser está se forçando a identificar com um certo gênero apenas para encaixar comportamentos passados que na verdade possuem outras justificativas.

Quem tem identidades de gênero que possuem conotação ligada à gêneros binários, como demimulher e homem agênero, na verdade é de tais gêneros binários;
Quem tem identidades de gênero que não são ligadas a gêneros binários, como eafluide ou maverique, não entende o que é gênero de verdade, ou está só inventando moda.

Quem usa um rótulo genérico, como não-binárie, não sabe do que está falando e só diz isso por não entender de gênero;
Quem usa uma identidade mais específica, como magineutrois nanoandrógine, está querendo ser especial, ou está tentando se esforçar demais em relação a “achar caixinhas” para sua identidade de gênero.

Pessoas que querem ir atrás de hormônios, terapias e cirurgias para se sentirem mais à vontade com seu corpo na verdade são pessoas trans binárias;
Pessoas que não querem ir atrás de hormônios, terapias e cirurgias por acharem que não é necessário, ou porque acham que as opções disponíveis não são adequadas para seu gênero, não são pessoas trans de verdade, porque não querem tomar riscos com seu corpo.

Pessoas que descobrem sua identidade quando mais novas estão muito novas para saber o que estão dizendo;
Pessoas que descobrem sua identidade quando mais velhas estão mentindo, porque passaram muito tempo sem se identificar de certo modo.

Certas pessoas não-binárias são tratadas como “basicamente pessoas trans binárias”, enquanto outras são tratadas como “basicamente pessoas cis”.

É importante ressaltar que pessoas não-binárias podem ser de qualquer idade, raça, gênero designado ou neurotipo, dentre outras características. Uma pessoa pode ter seu gênero influenciado por características como ser autista, otherkin, intersexo, ou sobrevivente de trauma, porque estas experiências e percepções podem influenciar uma identidade de gênero de forma única, de modo que a identidade de gênero da pessoa não pode ser separada de suas outras identidades e experiências.

Além disso, ninguém precisa ser cis para ser GNC (gender non-conforming; alguém cuja expressão de gênero não é típica para seu gênero). Uma pessoa que é andrógine pode preferir se apresentar de forma feminina, e ume demimulher pode preferir se apresentar de forma masculina. Isso não anula os próprios gêneros destas pessoas. Ser uma pessoa com interesses e expressões mais femininas ou mais masculinas não anula o gênero com o qual uma pessoa se identifica, mesmo que este seja não-binário.

(Obviamente, ume demimulher pode considerar que seus visuais mais masculinos na verdade são a forma pela qual elu expressa seu gênero, e ume andrógine pode expressar seu gênero por meio de vestidos e maquiagem. Isso varia entre pessoas não-binárias, mesmo entre as pessoas de um mesmo gênero.)

Cada pessoa tem seus motivos para dizer ser de uma certa identidade, e não é o papel de alguém de fora, que nem tem como saber de tudo pelo que a pessoa passou, dizer que a identidade de alguém está incorreta (a não ser que seja intrinsecamente problemática, como uma pessoa dizer que é de algum gênero não pertencente à suas experiências de vida). E ninguém deve ter que justificar o quanto sua identidade de gênero é válida, tendo que contar sobre momentos privados da infância, pensamentos particulares da adolescência, e desejos para o futuro. Muito menos se ainda vai ter um julgamento para dizer que tais experiências e desejos não são o suficiente.

Se qualquer tipo de experiência não-binária é um incômodo e não parece certa, não são as pessoas não-binárias que estão erradas. Pessoas que estão seguras sobre a própria identidade com certeza possuem mais experiência do que alguém que sente insegurança em relação à existência de algo novo.

“Por que usar [y] ao invés de [x]?”  0

É muito comum haverem dúvidas – muitas vezes por parte de pessoas que querem simplificar rótulos LGBTQIAP+ por não quererem que pessoas possam definir a si mesmas, ou por parte de pessoas que querem se mostrar mais respeitáveis do que “esses aí que querem ser especiais e criam palavras novas o tempo todo” – sobre o motivo de existirem “rótulos demais”, ou “rótulos redundantes”, para definir gênero e orientação.

Seguem os motivos para tais identidades:

a) Experiências separadas

A maioria das pessoas em comunidades assexuais nunca sente atração sexual ou vontade de fazer sexo. Afinal, é por isso que vão parar em comunidades assexuais!

Portanto, é natural que certas pessoas que tenham vontade de fazer sexo, sem sentir atração sexual (cupiossexuais), ou que pessoas que às vezes sentem atração sexual (gray-assexuais e outros termos do espectro assexual), criem seus próprios termos e comunidades.

O mesmo ocorre com outras identidades. Não que todas estas derivem das outras citadas, mas:

  • Muitas pessoas poli se identificam como tal porque bi é uma orientação muitas vezes utilizada ou atribuída a quem sente atração por “ambos os gêneros”, ou ainda, por “ambos os sexos”. Uma pessoa poli pode se identificar como bi, por sentir atração por dois ou mais gêneros, mas pode preferir uma comunidade que aceite mais a existência de gêneros não-binários.
  • Muitas pessoas que se identificam como omni, mas não como pan, o fazem porque pan é uma orientação descrita muitas vezes como “atração independentemente do gênero”. Pessoas omni podem aceitar que certas pessoas pan sentem atração por todos os gêneros sem “ignorar” o gênero, enquanto podem não querer uma conotação errônea para sua orientação.
  • Uma das definições de neutrois é “um gênero separado do masculino e do feminino”. Mesmo assim, outra definição de neutrois é “um gênero completamente neutro”. Pessoas que não sentem que seu gênero é neutro podem preferir se identificar como genderqueer ou maverique, por exemplo.
  • Gênero-fluido é uma expressão que serve para qualquer pessoa cujo gênero muda, mas como pessoas podem ter experiências completamente diferentes em relação a esta fluidez, existem termos como condigênero (um gênero experienciado sob circunstâncias específicas), eafluíde (alguém que tem seu gênero fluido apenas entre gêneros não-binários), gênero-fluxo (alguém que experiencia mudanças na intensidade de gênero), fluxofluide (alguém cuja identidade muda tanto em gênero quanto em intensidade) e bigênero-fluido (alguém cujo gênero é fluido entre apenas dois gêneros), entre outros.

b) Os termos podem ter sido criados na mesma época

Às vezes, não tem a ver com algum tipo de sentimento em relação ao grupo ou em relação a outras pessoas desconsiderarem outros significados da identidade. Como a comunidade LGBTQIAP+ não é unificada, termos diferentes e parecidos podem pipocar em diferentes regiões, especialmente se não há um espaço de tempo grande o suficiente para um dos termos se espalhar.

Fica a critério de cada ume qual o termo/descrição que prefere. Mas é bom notar que estes termos normalmente são ligeiramente diferentes um do outro. Por exemplo, aporagênero e maverique são termos que surgiram mais ou menos na mesma época, e são ambos gêneros completamente separados de gêneros masculinos, femininos e/ou neutros. No entanto, a definição de maverique coloca ênfase na certeza sobre o próprio gênero e na independência pessoal de maveriques, enquanto aporagênero só é descrito como um gênero que certamente existe, mas que não é nem masculino, nem feminino, nem neutro.

c) Os termos podem ajudar pessoas a se entenderem melhor

Uma pessoa pode nunca pensar em si mesma como bissexual, mesmo que já tenha tido atrações por pessoas de vários gêneros, mas não o tempo todo. Mas tal pessoa pode acabar descobrindo o termo abrossexual, e descobrir que existe uma palavra para o que esta pessoa está sentindo! Talvez, de agora em diante, a pessoa até consiga dizer que é bissexual, para simplificar as coisas, porque já sabe que sua experiência é uma experiência multissexual válida.

Alguns outros exemplos de como isso pode acontecer:

  • Uma pessoa não se sente arromântica o suficiente e nem allorromântica o suficiente, e só consegue se entender quando descobre o termo akoirromântique.
  • Uma mulher não sente que é não-binária o suficiente, mas também sente que não é cis. Passa a se identificar como mulher não-binária ou como magimulher.
  • Um homem trans sofre com disforia e certamente sabe que não é uma mulher, se identificando como homem porque acha que não existem mais opções. Posteriormente, descobre que é neutrois.
  • Uma pessoa não consegue entender o conceito de gênero e como isso pode ser importante, mas gosta de utilizar roupas “masculinas” e por isso se identifica como homem ao invés de agênero, já que não consegue pensar em se apresentar de forma “andrógena”. Após descobrir o termo libragênero, esta pessoa descobre ser libramasculina.
  • Uma pessoa não quer se chamar de bissexual porque não possui atração por homens, mesmo que esta pessoa já tenha tido atração por pessoas agênero, maveriques e mulheres. Essa pessoa acaba se identificando como polissexual e como nãomensexual.
  • Uma pessoa pensa em si mesma como assexual, mas eventualmente sente atração sexual por alguém. A pessoa teme ter sido apenas uma fase ou uma repressão, e não sabe mais seu lugar na comunidade. Eventualmente, esta pessoa descobre que há pessoas assexuais que sentem atração com algumas condições, como pessoas gray-assexuais, demissexuais, e amicussexuais.

Existem pessoas que tentam categorizar todos os termos em “úteis” e “inúteis”, ou que tentam redefinir termos sem as comunidades que utilizam esses termos concordarem, para sua própria conveniência. Existem pessoas que tentam pintar certos termos como monossexistas, heterossexistas ou cissexistas, quando, enquanto podem ser utilizados destas maneiras, podem também ser termos úteis para quem quer descrever suas orientações.

Por exemplo, os termos heteroflexível e homoflexível podem ser monossexistas, para quem não quer se identificar como bi por pessoas bi “não conseguirem escolher um gênero logo”, ou por não quererem se associar com promiscuidade, ou por não quererem “trair” a própria orientação. Porém, são termos úteis para quem raramente sente atração em relação a certo gênero, e acha que isso não é destacado o suficiente com bi ou poli.

O termo bi também recebe reclamações de vários lados. Pessoas bi são acusadas de “apropriar” as orientações poli, pan e omni, por elas caberem na definição de “dois ou mais gêneros”, ou de afirmar com sua orientação que só existem dois gêneros. A comunidade bi, porém, se define como atração por mais de um gênero por décadas, antes mesmo de outras orientações multissexuais serem definidas.

E isso não significa que pessoas não possam preferir colocar ênfase em sua atração por muitos/todos gêneros, utilizando termos como poli, penúlti, pan e omni.

O objetivo desta postagem é mostrar que, desde que a pessoa se sinta confortável com sua identidade, não importa se outra identidade é mais simples de entender, ou mais específica para a situação. Uma pessoa pode se identificar como bi, pan e abro em diferentes situações, ou ao mesmo tempo, e isto não está errado. Uma pessoa pode só querer se identificar como não-binária e/ou como transgênero após entender exatamente como é seu gênero, e isto não está errado.

Por que não utilizar o termo LGBTfobia?  4

Esta postagem foi escrita por certa discussão hoje, onde pessoas não entendiam o que havia de errado em resumir as opressões sofridas pela comunidade LGBTQIAP+ em LGBTfobia.

O uso de fobia para descrever opressão e discriminação é controverso por seu potente capacitismo, em relação a pessoas que realmente possuem fobias. É por isso que não uso termos como transfobia e afobia em geral. Porém, esta postagem irá focar apenas na ideia de tentar incluir um monte de discriminações contra identidades diferentes em uma só palavra.

Bem, vamos começar apontando o óbvio: é só LGBT ali. LGBTfobia não considera a existência de diadismo (intersexofobia), amatonormatividade (arofobia) ou alossexismo (acefobia).

Admito que bifobia normalmente é um termo generalizado para quem sofre com monossexismo. Os ataques que pessoas pan, omni ou outras que sejam atraídas por multiplos gêneros sofrem não são muito diferentes do que os ataques que pessoas bi sofrem, com a exceção do problema adicional de reclamarem que são termos desnecessários, apenas para “floquinhos de neve especiais”. Também há o exorsexismo que acompanha a intolerância em relação a identidades não-binárias, que não é especificamente direcionada para pessoas multi que se dizem atraídas por gêneros não-binários.

Embora a maioria das pessoas em espaços LGBT nem saiba da existência de gêneros não-binários, acredito que dê pra forçar a barra e dizer que consideraram exorsexismo (discriminação contra pessoas não-binárias) dentro de transfobia.

Admito também que LGBTfobia pode até ser um nome relativamente adequado para quando ultraconservadores falam mal “dos LGBTs”, quando não sabem a diferença de identidade de gênero e de orientação sexual, ou quando sabem e colocam tudo no mesmo saco. E, bom, normalmente falam de “homens beijando homens”, de “mulheres beijando mulheres”, e de “pessoas que acham que podem mudar de sexo”. Realmente não falam de algo que teria a ver diretamente com pessoas intersexo, assexuais ou arromânticas. Porém, se estes grupos tivessem mais visibilidade, com certeza iriam falar publicamente contra eles, ao invés de utilizarem cirurgias forçadas e estupros corretivos de forma que a discriminação seja invisível.

Ok, temos aí o esquecimento de grupos que certamente sofrem com a di/cis/heteronormatividade! O que mais?

LGBTfobia ignora as causas individuais de grupos marginalizados na comunidade LGBT+.

Pessoas bi compõem mais ou menos 50% da comunidade LGB+. Ainda assim, poucos são os fundos que vão especificamente para causas bi. Mesmo que pessoas bi sejam estatisticamente mais discriminadas em relação a gays e lésbicas. Até terapeutas “LGBT-friendly” tentam convencer pessoas bi de que na verdade são hétero ou gay, e bissexualidade é listada como sintoma de diversas doenças mentais.

O B e o T da sigla só foram adicionados mais tarde, mas isso não significa que gays e lésbicas realmente toleram pessoas bi e trans. [x] [x]

Monossexismo é um grande problema, mas é extremamente difícil ver alguém falando de monossexismo ou de bifobia de forma que não seja superficial: ou como se não fosse diferente de heterossexismo (ou de ódio específico contra pessoas que são atraídas pelo mesmo gênero), ou mencionando episódios de violência contra pessoas bissexuais, mas sem analisar como alguém pode discriminar especificamente pessoas bi/multi.

Pessoas bi/multi muitas vezes sofrem abuso por serem atraídas por mais de um gênero, mas a comunidade gay e lésbica insiste que é só pela atração pelo mesmo gênero, e que pessoas bi são menos discriminadas, por possuírem o privilégio de se casarem com alguém de um gênero aceitável pela sociedade. No entanto, as estatísticas não mostram nenhum privilégio, muito pelo contrário.

O ponto é: bifobia não é discutida quando só se põe em foco a “LGBTfobia”. Discriminação contra pessoas bi/multi conta como LGBTfobia quando é violência pela pessoa estar com alguém do mesmo gênero; conta nos números de violência contra pessoas LGBT. Mas e quando o assunto é pessoas bi/multi – em sua grande maioria, mulheres – serem abusadas por parceires de qualquer gênero pelo medo de traição, ou quando são estupradas para convencê-las a “escolher um lado”? Isso vai pra baixo do tapete.

Portanto, “LGBTfobia” apaga a discriminação específica contra pessoas multi, e faz com que pessoas não falem de monossexismo. Só falam que a discriminação foi por “ser LGBT”, não especificamente por “ser bi/multi”, e agem como se as outras pessoas da sigla corressem os mesmos riscos que uma pessoa bi/multi corre. Além de, claro, ganharem fundos para combater discriminação em cima disso, que, por sua vez, não é gasto com causas de pessoas bi/multi.

Um caso similar ocorre com pessoas trans.

Mulheres trans são um dos grupos que corre mais risco de ter AIDS, mas são frequentemente excluídas de programas feitos para combatê-la. Fundos de saúde LGBTQ+ gastam muito mais em homens LGB+, com mulheres LGB+ em segundo lugar com menos da metade do que é gasto com homens, e pessoas trans em terceiro lugar. (Pessoas intersexo ganham uma quantidade ridiculamente pequena de fundos, mas hey, estamos falando de LGBTfobia, não de LGBTIfobia!)

Mortes também são um problema. Este estudo mostra que pessoas trans possuem 50% a mais de risco de serem assassinadas do que gays ou lésbicas (ainda que, neste caso, se só contar o Brasil, são 9 assassinatos de pessoas trans contra 8 de gays e 3 de lésbicas). Este estudo feito em relação a assassinatos de pessoas lésbicas, gay, bi, trans, queer e soropositivas teve como resultados 45% de assassinatos de mulheres trans, e 87% de assassinatos de pessoas de cor (não-brancas).

Este reporta que, entre pessoas assassinadas por serem LGBTQ ou soropositivas, 53% eram mulheres trans, e 73% eram pessoas de cor.

Quase metade destas mortes de pessoas LGBT+ nas Américas foram mulheres trans. O mesmo estudo fala que mais da metade das 300 mortes no Brasil foram de mulheres trans (“mulheres trans” aqui provavelmente inclui outras pessoas transfemininas: pessoas designadas como homens ao nascimento que possuem alguma identidade relacionada com feminilidade ou com o gênero feminino, como muitas travestis).

Ou seja, ativismo que se apropria destas mortes, como se pessoas LGB+ cis e brancas tivessem a mesma chance de serem assassinadas do que mulheres trans negras, é extremamente desrespeitoso.

Também houve o caso do filme Stonewall. Stonewall era um bar para as pessoas mais indesejadas da comunidade LGBT+; pessoas trans, homens gay afeminados, lésbicas masculinizadas, pessoas sem-teto, pessoas de cor, profissionais do sexo, e assim vai. Porém, o filme preferiu inventar um personagem principal mais aceitável para o público hétero – um homem gay, cis e branco. O filme também deixou de contratar mulheres trans para contratar homens cis para fazer o papel delas. E, ao invés de mostrar Sylvia Rivera, mostra uma personagem similar, talvez porque a presença dela no ato seja contestada por algumes.

Isso pode não ser superficialmente “LGBTfóbico”, afinal, é um filme sobre uma parte do movimento gay, e es personagens fictícies ainda são LGBT+. Porém, esta ainda foi uma jogada cissexista e racista, uma vez que deixa implícito que gêneros são só roupas pela contratação de homens cis, e que pessoas transfemininas de cor não são simpáticas o suficiente para que um filme sobre um evento histórico aonde elas foram protagonistas tenha uma protagonista que seja coerente naquele contexto.

Lésbicas também sofrem discriminação específica. Aqui tem uma anedota pessoal de lésbicas serem convidadas a sair de um bar gay. Lésbicas enfrentam um mundo onde a sexualidade masculina é considerada mais importante, e onde histórias com lésbicas são feitas para consumos de homens hétero. Lésbicas são sexualizadas e fetichizadas publicamente.

Pessoas trans, meninas bi e lésbicas estatisticamente sofrem mais na escola do que meninos bi ou gay.

Enquanto falarmos só sobre LGBTfobia, a discussão não vai passar do superficial.

Homens gays e lésbicas ainda vão perpetuar discriminação contra pessoas bi e trans. E vão se dizer mais oprimidas para a sociedade em geral, mostrando como prova o quanto de discriminação pessoas LGBT em geral sofrem.

Lésbicas ainda vão acusar mulheres trans de serem predadoras sexuais. E, através de teoria feminista radical, vão incentivar legislações como as da Carolina do Sul, onde pessoas trans não podem mais ir ao banheiro que “não corresponde com seus genitais”.

Homens gays e brancos ainda vão excluir mulheres lésbicas, bi e trans, além de qualquer pessoa LGBTQIAP+ de cor, de espaços e movimentos, por não serem aceitáveis o suficiente.

Pessoas brancas vão organizar protestos em áreas nobres contra a LGBTfobia, citar as quantidades de mortes causadas por LGBTfobia, e comover as pessoas com o quanto é perigoso ser LGBT+, quando a maioria destas mortes teve como alvo grupos específicos.

Pessoas vão dizer o quanto é importante lutar contra a LGBTfobia, mas vão falar só de homofobia, porque supostamente é o “ponto em comum”.

Pessoas vão dizer que protestos e paradas são bons para conscientizar a população de que existimos, enquanto a maior parte da população não sabe o que é uma pessoa transgênero, não-binária, ou até mesmo o que exatamente é ser bissexual. Quem dirá saberem o que é uma pessoa pan, arromântica, intersexo ou demigênero.

Celebram Stonewall, enquanto tentam passar a mensagem de que são iguais a pessoas di/cis/hétero, com “a exceção de quem amamos”.

A complexidade de rótulos  0

Algumas vezes, vejo pessoas confusas quando veem orientações complexas.

Primeiramente, há pessoas cujas orientações sexual e romântica são diferentes uma da outra. Isso já é explicado nas páginas O que é orientação sexual? e O que é orientação romântica?. Algumas pessoas são arromânticas e pansexuais, ou birromânticas e heterossexuais.

Pessoas arromânticas e/ou assexuais também muitas vezes especificam outros tipos de atração, o que é também coberto por uma página daqui: Outros tipos de orientações.

E então temos casos um pouco mais complexos.

Várias orientações dos espectros assexual e arromântico podem ser utilizadas em combinação com outros rótulos.

Por exemplo, uma pessoa pode ser demissexual ou greyssexual, e isso denota que tal pessoa só sente atração raramente. Mas não denota qual ou quais gêneros podem ser alvos da atração sexual, quando ela ocorre. E daí surgem identidades como demiheterosexual ou greypolissexual. Note que estas identidades nem levam em conta orientação romântica, ou qualquer outra além da sexual.

Várias identidades dos espectros assexual e arromântico também podem ser coerentes umas com as outras. Uma pessoa pode ser cupiograyrromântica – raramente se apaixonar, mas querer um relacionamento amoroso mesmo sem a atração romântica. Alguém pode até ser cupiograyfrayrromântique – raramente se apaixonar (gray), só se apaixonar por pessoas não muito próximas (fray), e ainda assim querer um relacionamento amoroso (cupio). E isso nem leva gênero em consideração – a pessoa poderia adicionar ali que é panromântica (pode se apaixonar por qualquer gênero), por exemplo.

Existe o prefixo myr- (que pode ser “traduzido” como mir-), que é para pessoas que se encaixam em várias orientações do espectro a-. Então, por exemplo, uma pessoa cupiograyfrayrromântica poderia se dizer mirromântica.

Enfim, estes rótulos são apenas para cada pessoa poder expressar corretamente como sua atração é sentida. Ninguém é obrigade a utilizar todos os rótulos que se encaixam, e nem a divulgar todos os rótulos que se encaixam.

Mesmo assim, é importante respeitar que uma pessoa que se diz cupiograyfrayrromântica biaceflux não está “só confusa” ou “querendo ser especial” por não utilizar só bissexual, arromântica ou aceflux como identidade. É uma identidade tão válida quanto alguém que só se diz ser gay ou assexual; está apenas falando de uma experiência mais específica, e não obriga ninguém a se categorizar de maneira similar.

Por uma normalização da linguagem LGBTQIAP+  0

Aviso de conteúdo: Menção de violência transmisógina e de assuntos que podem evocar disforia. Intersexofobia, transfobia e ignorância em relação a identidades incomuns no geral.

Há um trabalho sério de educação a ser feito em volta da linguagem que utilizamos no dia-a-dia. Enquanto algumas pessoas – não qualquer pessoa, mas pessoas em grupos ativistas ou em universidades – já incorporam, de certa forma, a possibilidade de alguém ter um relacionamento com alguém do mesmo gênero, é bem mais raro haver a inclusão de outras identidades na linguagem do dia-a-dia.

Muites utilizam o x em redes sociais para simbolizar neutralidade, em frases como “todxs contra a violência”, mas, ao falar na vida real, utilizam “todos e todas”, como se estivessem sendo completamente inclusives por incluírem “ambos os gêneros”.

Muitas mulheres comentam que suas vidas seriam melhores se tivessem nascido com pênis, como se não houvesse uma enorme quantidade de assassinatos de mulheres trans e de outras pessoas de identidades transfemininas, por estas serem mulheres ou pessoas confundidas com mulheres que nasceram com pênis.

Muitas pessoas tratam de gravidez, de aborto e de menstruação como se fossem exclusivos de mulheres, ou deixam implícito que toda mulher conhece estas coisas, o que exclui diversas pessoas trans e intersexo.

Pessoas não-binárias não podem se apresentar e dizer seus pronomes e ter gente entendendo o que está acontecendo. E, se entendem, vão quase sempre enfrentar comentários sobre o quanto é difícil se referir a alguém com pronomes que não lhes vem à mente para a pessoa.

Pessoas de qualquer identidade mais incomum, não importa o quanto refletiram sobre serem de certa identidade, vão encontrar pessoas perguntando se possuem certeza, e se isso não é só uma vontade de querer ser especial ou de querer se encaixar, se contarem sobre sua identidade para outras pessoas.

Deveríamos ter grupos LGBTQIAP+ lutando por mais visibilidade, de formas concretas como panfletos e workshops. Isso é uma questão muito mais simples do que pautas vagas de acabar com a homofobia/transfobia, e muito mais efetiva do que declarações de repúdio ao bullying. Estas são coisas importantes também, mas não devem ser as únicas pautas que mobilizam a comunidade.

Mitos e verdades sobre pessoas não-binárias  9

Mitos e verdades é uma série de posts que vão direto ao ponto sobre opiniões preconceituosas ou errôneas de alguma outra forma.

Mito: Pessoas não-binárias não devem ser consideradas transgênero
Verdade: Algumas pessoas não-binárias não acham que transgênero é uma palavra adequada para suas experiências, mas várias pessoas não-binárias se identificam como pessoas trans.

Mito: Pessoas não-binárias utilizam o pronome elx
Verdade: Enquanto pessoas não-binárias podem utilizar o pronome elx, pessoas não-binárias também podem utilizar ile, elu, eld, entre outros, ou até mesmo ele ou ela, ou ainda, podem não se importar com qual pronome é utilizado. Depende da preferência de cada pessoa.

Mito: Linguagem neutra envolve terminar tudo com x ou com y
Verdade: Linguagem verdadeiramente neutra em relação a pessoas deve fazer com que todas as pessoas sejam inclusas, sejam pessoas não-binárias, homens ou mulheres. Não adianta dizer “todxs somos lutadores”, porque lutadores está na linguagem considerada masculina, o que anula a neutralidade da frase. “Todxs xs organizações” também é desnecessário, porque organizações é uma palavra que pede a/ela/a.
Também é preferencial utlilizar termos neutros mais pronunciáveis, como aquelus ou todes, ao invés de aquelxs ou todxs.

Mito: Pessoas não-binárias estão inventando gêneros para parecerem especiais
Verdade: Pessoas não-binárias muitas vezes precisam criar novas palavras para se descreverem, porque as existentes não são suficientes. Pessoas não-binárias muitas vezes não dizem que são não-binárias, ou não especificam seus gêneros, por causa de todo o preconceito e da possibilidade de isolamento e violência que envolve ser uma pessoa transgênero ou não-binária. Ser não-binárie não é uma fonte de popularidade ou de respeito, muito pelo contrário; não há porque adotar uma identidade não-binária por “modinha”.

Mito: Pessoas não-binárias só ligam para roupas, não sentem disforia e nem fazem nenhum tipo de transição que seja permanente
Verdade: Algumas pessoas não-binárias não possuem interesse em transição, porque a tecnologia atual não é o suficiente, por causa de problemas de saúde, por causa de problemas financeiros, e/ou por causa de falta de apoio de pessoas próximas, entre outros motivos. Porém, várias pessoas não-binárias sofrem disforia, e muitas fazem transição, tomando hormônios, fazendo cirurgia para remover peitos ou ter uma face considerada mais feminina, entre outras coisas.

Mito: Gêneros não-binários foram uma invenção recente
Verdade: Várias palavras que descrevem gêneros não-binários são datadas da década de 90 (por exemplo: gênero-fluido, neutrois), e algumas pessoas já se descreviam como andrógines no fim do século XIX e no início do século XX. O título neutro Mx, que poderia ser traduzido como Sre. (senhore) em português, foi utilizado em via impressa pela primeira vez em 1977. Também é uma boa ideia lembrar de que a ideia de só haverem dois gêneros não é universal; certas culturas não dividiam dois gêneros desta forma, e outras possuem ou possuíam de 3 a 6 gêneros. Pessoas de tais culturas que possuem gêneros incompatíveis com o binário homem/mulher de atualmente certamente não são cis, mas possuem o direito de escolher se querem ou não se rotular como pessoas transgênero e/ou não-binárias.

Mito: A palavra cisgênero nasceu em redes sociais
Verdade: A palavra cisgênero foi inventada em 1995 por um homem trans.

Mito: Pronomes neutros foram inventados em redes sociais
Verdade: Talvez isso até seja verdade em português, mas ao menos em inglês, existem neopronomes neutros (ou seja, que não são they ou it) datados de 1789 (ou), 1858 (thon), 1884 (ip, le), 1888 (ir), 1890 (e), 1970 (co), 1975 (ey), 1977 (em), 1979 (et) e 1982 (hu), entre outros.

Mito: Pessoas não-binárias são só adolescentes que ficam na internet o dia todo e que não sabem como o mundo real funciona
Verdade: Pessoas não-binárias podem ter diversas idades, e embora muitas utilizem a internet como principal meio de interação e expressão, parte disso é causado pela repressão que identidades incomuns sofrem no mundo real. Cissexismo e exorsexismo são algo real, e é por isso que muita gente só tem coragem de dizer que é não-binárie em redes sociais.

Mito: Pessoas intersexo são biologicamente não-binárias
Verdade: Enquanto pessoas intersexo são intersexo por não se encaixarem em categorias biológicas de “sexo masculino” ou de “sexo feminino”, são raros os casos onde uma pessoa intersexo não é categorizada como um gênero binário ao nascimento. Uma mulher intersexo que foi designada como menina ao nascimento não é trans; uma pessoa não-binária que é intersexo não é cis. Tentar relacionar possibilidades de características sexuais primárias e secundárias com gêneros não-binários também é cissexista e diadista.

Fonte das questões históricas: http://nonbinary.org/wiki/History_of_nonbinary_gender