Libertação x Cissexismo
Existem dois extremos em relação a como tratar gêneros.
Um deles é o cissexista: só existem dois gêneros, determinados por dois sexos, que supostamente causam também certas escolhas em comportamento e apresentação. Cada um desses gêneros possui uma linguagem associada a tal (o/ele/o para homens e a/ela/a para mulheres).
O outro é supostamente libertador e vanguardista: a ideia de que gênero não existe e não deveria ser levado em consideração, de que pessoas deveriam utilizar qualquer pronome e roupa porque nada dita o gênero de alguém. De que deveríamos ser uma sociedade pós-gênero.
Enquanto esta segunda opção é tentadora para várias pessoas não-binárias, ela também é desrespeitosa com várias pessoas não-cis, e ignora a realidade em que vivemos. Ela também reproduz partes do cissexismo, dependendo de como é tratada.
Caso você queira se identificar como alguém que vai além de gênero – seja como pomogênero, pangênero, sem gênero ou sem rótulos – você pode fazer isso pessoalmente. Caso você queira aceitar qualquer tipo de linguagem e usar qualquer tipo de roupa, você também pode fazer isso.
Porém, você não pode forçar pessoas a agir desta forma, ou fazê-las se sentirem culpadas por perpetuarem estereótipos de gênero, quando estas pessoas também são vítimas do cissexismo.
Uma pessoa gênero-estrela que enfrenta forte disforia social e não aguenta mais escolher entre ser chamada de “ela” ou “ele” não deveria ter que se sentir culpada por buscar um visual ambíguo e insistir em linguagem alternativa.
Uma mulher trans que tem medo de andar na rua e sofrer violência por parecer “homem vestido de mulher” não deveria ser culpada por “perpetuar estereótipos femininos” como se depilar e usar maquiagem e roupas vistas pela sociedade como femininas, para parecer menos com o que a sociedade enxerga como homem e se sentir mais segura.
Uma pessoa transmasculina que tem sua identidade constantemente invalidada por sua família e escola tem o direito de se sentir braba com pessoas que acham que essa pessoa deveria aceitar usar qualquer pronome e qualquer roupa, já que tecnicamente essas coisas não possuem gênero.
Uma pessoa dois-espíritos não deveria ter que encontrar pessoas dizendo que gênero e rótulos relacionados a gênero não importam e deveriam sumir.
Não, você não pode olhar para uma pessoa e decidir sua linguagem, seu gênero, e se essa pessoa é trans ou cis ou não. Mas só agir como se gênero e linguagem não tivesse significado nenhum – especialmente quando isso é direcionado a pessoas não-cis – só isola pessoas que possuem a coragem de explorar e de se identificar com gêneros que a sociedade cissexista e exorsexista diz que não podem. E tem pouco efeito em uma população cis que pode justificar seu gênero de acordo com uma lógica cissexista, sexista e diadista.
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