Um espaço de aprendizagem

Queerspectivas 2: Experiências aroespectrais

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Licença: CC BY-NC-SA 4.0

A transcrição abaixo foi feita por Travest’Yvies, com edição posterior feita por Aster.


Esses são os avisos de conteúdo pro segundo episódio de Queerspectivas:

  • A gente fala sobre amatonormatividade, alossexismo, acemisia, aromisia, grismisia, periorientismo, cissexismo, exorsexismo, expectativas de gênero, multimisia, sexonormatividade, puritanismo e experiências e estereótipos relacionados a essas coisas.
  • Também quero avisar que as três pessoas presentes no painel são pessoas aroespectrais que já sentiram atração romântica, que se encaixam na descrição de pessoas que sentem atração romântica raramente e que são ace-espectrais. Quero ressaltar que existem aros que nunca sentem atração romântica, que sentem atração romântica com frequência, ainda que de forma inconstante ou condicional, e aros de qualquer orientação que não definem nenhuma orientação sexual ou que são alossexuais, ainda que essas experiências não estejam disponíveis neste painel.

Aster: Então, esse é o Queerspectivas 2. E o que a gente veio aqui pra falar é sobre espectro arromântico. E talvez falar também sobre atração romântica no espectro arromântico. Vou fazer a introdução aqui: Queerspectivas é uma série de transmissões ao vivo, que depois são gravadas e postadas feitas com o objetivo de pessoas com certas identidades poderem falar sobre suas próprias experiências sem terem que depender de painéis conduzidos por pessoas que não fazem parte do grupo ou que são voltados a grupos completamente alheios às questões tratadas na transmissão. Caso alguém tenha dúvidas de algum termo mencionado, dá pra procurar a definição do termo nas páginas do site orientando.org ou a pergunta pode ser feita no chat durante a transmissão. Conjuntos de linguagem pessoal não são óbvios, então a gente pede que es convidades que queiram ser referides por algum conjunto de linguagem específico, digam ao menos seus artigos definidos, pronomes e finais de palavra, como a/ela/a, ê/elu/e ou o/ele/o, em suas apresentações. Pessoas comentando a transmissão devem usar os conjuntos corretos para se referir a cada pessoa.

Aster: Meu nome é Aster, eu sou arofluxo, meu conjunto é ze/eld/e, embora eu use outros conjuntos também. Eu não lembro mais quando eu comecei a me identificar como arofluxo, porque já faz alguns anos e nunca foi uma descoberta muito grande pra mim, já que eu já era múlti, eu já era assexual, então não foi algo que fez muita diferença pra mim em relação a me identificar com uma comunidade diferente ou não, também não cheguei a me envolver muito com comunidades arromânticas, embora eu tenha lido bastante coisa da comunidade arromântica. É… Isa?

Isabela: Ahn, o meu nome é Isabela, também conhecida como QueerNeko na internet [risadas]. Eu uso os conjuntos de linguagem a/ila/a ou a/ela/a. Pode usar qualquer um. Eu não sei direito como eu me defino em questão de, tipo, arromanticidade. Talvez é demiaro…? Demiace também. Eu… não sei. É… é um pouco difícil pra mim ter certeza. Mas, é, com certeza aro.

 

[Aviso na tela: “Parte cortada porque acabamos não gravando o som do Sara no início, compensamos isso depois”]

Aster: Ahn, ok, eu tenho uns tópicos aqui já meio preparados e o primeiro é da amatonormatividade e a normalização de uma única alma gêmea. A amatonormatividade é um conceito que foi cunhado por Elizabeth Blake que pode ser traduzido como “a presunção de que um relacionamento central, exclusivo e amoroso é normal pra humanes em questão de ser um objetivo compartilhado universalmente e que tal relacionamento é normativo no sentido de que deve ser priorizado acima de outros tipos de relacionamento”. A amatonormatividade influencia as vidas de todo mundo que vive em sociedades onde essa é uma questão, mas atrapalha de forma mais direta as vidas de pessoas arromânticas e não-monogâmicas, e então é um conceito que geralmente é mais falado dentro dessas comunidades, mesmo que tenha sido cunhado num contexto feminista. Aí, não sei, vocês têm alguma experiência de amatonormatividade que vocês gostariam de falar sobre?

 

[Aviso na tela: “Outra parte cortada porque acabamos não gravando o som do Sara no início, compensamos isso depois”]

Isabela: Sim, sim, tipo… eu, por exemplo, acho que eu tenho bastante… eu reconheço bastante coisa de amatonormatividade durante a minha infância e adolescência. E muitas vezes vinha bastante pressão dos meus pais mesmo, assim, tipo, “ah, por que você não namora tal pessoa”, sei lá, “da igreja”, por exemplo? Ah, tipo, por que que eu não… por que que a gente não, sei lá, tem… sabe aquele… como é que chama? Aquele presente lá que você dá pra pais de alguém pra, tipo, fazer…

Aster: Dote?

Isabela: Dote, isso. “Por que que a gente não dá um dote pra sei lá quem”, pra eu casar com alguém, tipo… E, conforme eu ia envelhecendo, cada vez mais, assim, eu acho que meus pais queriam arranjar um jeito pra eu casar, basicamente. E… é, durante a infância era… acho que era mais, assim, questão de, às vezes, de brincadeira. Tanto os meus pais quanto os meus irmãos, por exemplo, ficavam fazendo piadinha assim, tipo, “ah, você tá namorando tal pessoa”, não sei o quê, e pra mim era muito estressante, porque eu não tava namorando ninguém, eu não tinha atração romântica com ninguém, e ficavam com essas piadinhas e mais pra frente com essas pressões, assim, de, tipo, “ah, por que a gente não arranja alguém pra você?” É, bastante pressão, assim. “Tem que arrumar alguém pra você se casar”, então…

Aster: Sara me avisou que não tava saindo áudio. É, porque lembra que a gente ficou trocando de onde tava saindo o nosso áudio?

Isabela: Ah!

Aster: É, pois é, então significa que o áudio da transmissão não tava saindo. Então vou dar mais um tempo pra que Sara fale o que queira falar.

 

[Sara tenta falar enquanto estava mudo; sua resposta não foi capturada na transmissão.]

Aster: É, então, essa a questão [risos breves], justamente.

Isabela: Ah, nossa.

Aster: Eu acho que… Tenta falar de novo?

Sara: Oi?

Aster: Tá, agora tá saindo.

Sara: Tá ouvindo?

Aster: É, tipo, a gente sempre tava ouvindo, a questão era mais as outras pessoas que não tavam…

Isabela: Sim, a gente consegue ouvir. Eu acho que–

Aster: Era só a transmissão que tava dando problema, mas a gente já consertou o problema.

Sara: Ah, tá bom. Então… me avisa se tiver ouvindo. Perguntei pra Carla aqui.

Aster: Não, é só que tipo, se tu quiser falar de novo, porque tipo, a gente tá gravando–

Sara: Ela falou que tá agora.

Aster: Sim, é, então. Eu não sei se tu vai querer repetir alguma coisa, ou..

Isabela: É, talvez tenha que repetir a introdução e…

Sara: Repetir a questão da amatonormatividade ou…?

Aster: Isso.

Sara: Ou minha apresentação, não sei [risos].

Aster: É, ou os dois [risadas], na verdade. Mas só se tu quiser. Se tu achar que não precisa e que, tipo, não… não se importa.

Sara: É que eu não sei se eu vou lembrar tudo, mas enfim. Boa noite, meu nome é Sara, sou uma pessoa não-binária de gênero-fluido e uso pronomes ela e ele. Enfim, a gente falando em amatonormatividade, eu citei que isso me remete à infância, que adultos, às vezes, tentam juntar crianças e falar que vai ser um casal, que vai casar, vai ser namoradinho. E, ah, também tinha muita brincadeira… É lógico que quando a gente fala em opressões e violências, a gente geralmente pensa em coisas maiores, né, mais visíveis. Mas eu acho que é prejudicial, essas coisas são prejudiciais, as pequenas coisinhas que a gente principalmente vivencia na infância e adolescência. Enfim, era… Quando varre o pé, o pessoal falava que quando alguém varria o seu pé você não ia casar, ou tentavam te juntar com algum vizinho. Eu tenho foto, sabe, criança de mão dada com um vizinho e eu morrendo de vergonha e tudo mais, “vai casar”, enfim. Uma pressão social pra que você, desde criança, já entenda esse modelo, né? Esse modelo do que é se apaixonar, do que você deveria querer e desejar pra sua vida. E citei que antes de saber exatamente como essas coisas funcionavam e que tinham um nome e tudo mais, eu passei por diversos relacionamentos onde eu era tida como uma pessoa fria e acabava terminando esses relacionamentos e nunca conseguindo suprir essas expectativas, porque eu não entendia exatamente o que tavam esperando. Basicamente é isso.

Aster: Eu vou dizer que eu acho que eu não tenho muita coisa que eu poderia dizer pra complementar, porque acho que minhas experiências de sentir o peso da amatonormatividade acabam sendo ou mesma coisa ou mais fracas do que essas que vocês já falaram, tipo, na escola sempre insistem que, tipo, tu tem que gostar de alguém, e se tu diz que não, aí tu tá escondendo que tu gosta de alguém que tu não quer que saiba que tu gosta ou alguma coisa assim, ao ponto de que tipo, já cheguei a inventar, por exemplo, que eu gostava de alguém pra que as pessoas parassem de ser chatas em relação a isso. É, basicamente isso, assim. Eu não tive muita pressão da minha família, mas eu tive mais pressão de tipo, amizades ou escola.

Aster: Aí, tipo, esse nome, amatornormatividade e a normalização de uma única alma gêmea, me fez lembrar da questão de, tipo, como amatonormatividade também é uma questão que é um problema pra pessoas não-monogâmicas e é, isso acaba sendo chato também em questão de tipo, falarem muito que tem que ser só uma pessoa que tu tem que gostar e se tu gostar de mais de uma pessoa, tu tá mentindo sobre gostar de uma pessoa ou alguma coisa assim, e é uma questão que pra mim pesa bastante, tipo, eu me abro em relação a ser não-monogâmique menos que eu me abro em relação a ser arofluxo. E é algo que também tem uma questão que até tem essa intersecção entre aromisia e [pessoas] que são contra pessoas não-monogâmicas, que então, tipo, se a pessoa é arromântica e não-monogâmica, daí, nossa, aí sim que não tem amor nenhum, né? Mas quando muitas pessoas a-espectrais acabam se sentindo mais à vontade com não-monogamia porque é um jeito de, às vezes, não precisar exprimir tanta atração porque as outras pessoas não precisam, tipo, de toda uma atração alo, né. No caso de pessoas que têm uma atração mais fluida ou fraca, até a questão de pessoas poderem ter relacionamentos significativos de formas que quebram o paradigma social, assim, tipo, que esperam que seja um relacionamento forte e bom. E isso acaba sendo uma questão.

Aster: Tem outra coisa que é… o próximo tópico seria orientações românticas como restritas a certos grupos ou como irrelevantes. O que eu escrevi sobre isso é que “orientações românticas às vezes são vistas como um conceito de dentro da comunidade assexual, que é só pra pessoas assexuais, ou do espectro assexual em geral, muitas vezes só como uma forma de reforçar a orientação de verdade, que seria o que indica por quais gêneros alguém sente atração, ou como uma forma de reforçar que a pessoa é assexual e também arromântica no sentido de não sentir nenhum desse tipo de atração.”

Aster: Ou seja, tem esse negócio que geralmente só se fala de sexualidade, atração sexual, orientação sexual, e quando se entra no assunto de existe orientação romântica, geralmente é uma coisa tipo, “ah, mas isso é só pra pessoas assexuais”. Tipo, se a pessoa é assexual, aí tipo, “não, as pessoas assexuais ainda têm orientação romântica, então, tipo, assexual meio que não é uma ‘orientação de verdade'”, porque não tem a ver com gênero, mas aí se a pessoa é assexual e birromântica, daí “aí sim a pessoa é bi, porque daí a ‘orientação de verdade’ da pessoa é bi”. E isso acaba fazendo com que as discussões sobre… variorientação em geral, né, mas sobre orientações românticas em pessoas alossexuais acabem sendo poucas, e acaba sendo algo meio fora, meio afastado de pessoas alo, a ponto de que agora tá surgindo uma comunidade alossexual arromântica muito forte por conta dessa questão de que ser arromântique muitas vezes era visto como algo de pessoas assexuais, que só importava pra pessoas assexuais. Aí, mesmo que ninguém aqui seja alossexual, eu queria saber se vocês têm alguma coisa pra dizer sobre essa questão de orientações românticas serem diminuídas ou serem vistas como algo que só serve pra pessoas porque são assexuais ou porque tão no espectro assexual.

Isabela: É, eu acho que pra mim, eu consigo ver um, tipo, pra mim, eu vejo uma divisão bem clara do que que é, tipo, das opressões que eu sofri, das pressões que eu sofri da infância, do que que é questão de ser aro ou de ser ace, assim, tipo, eu vejo coisas bem divididas, assim. É… não sei, acho que é isso.

Sara: Eu também acho que é bem diferente, mas são coisas bem em outro mundo mesmo, eu acho. Eu sinto que o tipo de agressão que você teria de um lado ou de outro na prática são bem diferentes, até por uma questão às vezes até física, sabe, do lado sexual, enfim. Então só que justamente pela questão… de sentimento, enfim, não ser algo físico que você vê ou sente na pele ou que dá pra tirar uma foto, sei lá, então acho que muitas vezes acaba passando batido e as pessoas acham que isso não é… que não é agressão ou que não fere ou não molda ou não… entendeu? Então, se por um lado você pode sofrer, sei lá, não da parte sentimental, fisicamente menos, mas emocionalmente é uma coisa totalmente apagada, né? Então, acaba… não vou nem dizer pior, enfim, não dá pra valorar essas coisas, mas eu acho que, enfim, uma dor invisível ou, sei lá, alguma coisa que você não consegue muito exprimir, sabe, falar ou, enfim, exemplificar.

Sara: Se muitas opressões as pessoas já normalmente ignoram ou acham, né, que muitas vezes é besteira, essa eu acho que é bem mais difícil de fazer alguém que não é, que não está nesse espectro ou que não lida com esse tipo de assunto, enfim, isso não faz parte da vida da pessoa acho que é muito mais difícil pra ela entender sabe, não sei, sei lá. Eu já tive discussões com amigos, sabe, tentando explicar alguma coisa de “ah, tal coisa fere”, chamar alguém de frio ou de qualquer coisa que… Justamente porque às vezes isso acarreta até em abuso emocional, de achar que você é frio, então você aguenta qualquer coisa. Posso fazer qualquer coisa, posso te tratar de qualquer forma, porque você não liga. E não tem a ver com ligar ou não, e aí, pra você conseguir explicar isso, eu acho que é mais complicado, às vezes, do que uma coisa física, sabe?

 

[Isabela e Aster concordam com a cabeça]

Aster: É, é complicado. E tem toda a questão, né, de que se tu vê, tipo, todas as coisas em relação a ser heterodissidente em geral, só falam de orientação sexual em geral, então as pessoas já se acostumam a ver orientação sexual como algo que é algo importante e orientação romântica como algo que, tipo, não existe, não é importante, de uma forma que acaba podendo ser meio difícil falar, tipo “ó, isso é uma questão, se tu tá sendo aromísique, isso é um problema que também tem ligação com a heteronormatividade”.

Isabela: Bom, é, tipo, eu poderia dar um exemplo mais claro do que eu falei. Tipo, é diferente meus pais quererem que eu entre em relacionamento com alguém, querer fazer na pressão, e tipo, a pressão que minhas amizades, por exemplo, faziam pra, sei lá, queriam me fazer… [Risadas] pagar um… queriam pagar pra… eu ir pra um puteiro, assim, que é o termo que usavam. Não sei se tem um…

Aster: Bordel?

Isabela: Bordel, é. É um termo melhor. Ou, tipo, tirando sarro das minhas reações, ou melhor, das minhas não-reações quando tinha alguém que era pra ser, tipo, sexy, por exemplo.

Aster, para Sara: Queria falar mais alguma coisa em relação a isso?

Sara: Não, é só que… essa questão da não-reação diante de pessoas que deveriam ser sexy, que Isa citou, isso sempre foi uma coisa que me perseguiu. Sempre. Sempre as pessoas não acreditam que você não acha alguém atraente, ou que isso não importe, sei lá, que você só olha e fala, “beleza, eu não tô tendo nenhuma interação com essa pessoa, então não me importa a aparência dela”, e isso não faz sentido pras pessoas.

Sara: E como… Aí eu não sei se… me corrijam se eu estiver errando sobre isso mas, eu acho que é uma questão de não ter a atração estética ou não sentir isso, não sei, porque isso é uma coisa que não me ocorre, não acontece, a não ser que, tipo, tô apaixonada por alguém, o que é um negócio que também não acontece praticamente. Então agora eu tô… tendo essa experiência na vida. E, aí é uma coisa que eu consigo olhar e “ai, que bonita”, sabe? Então, eu não sei se… Sempre é condicional, entende? Sempre precisa de alguma condição pra talvez eu achar alguém… atraente ou não, isso pra mim sempre foi uma dificuldade, até pra explicar pra amigues, sei lá, porque as pessoas não conseguiam entender, tipo, “ai, então você acha, sei lá, fulano bonito?”, e eu ficava, “não”, até porque as pessoas que eu não tenho contato, pra mim pareciam de plástico, sabe? Não sei explicar. E principalmente se for um ator ou atriz, que são pessoas que, plasticamente falando, são bem mais artificiais, sei lá, do que uma pessoa real que eu conheço. Então, pra mim, não fazia o menor sentido, eu olhava e… Então, só queria… pegar esse gancho, porque é uma coisa que me acompanhou muito e que algumes amigues achavam isso curioso em mim e ficavam “como assim?” Faziam milhões de perguntas e… “ai, como que pode? Mas e Fulane, e Fulane, e Fulane?” E iam mostrando cada vez mais pessoas e, eu só não sabia explicar. Falava, gente, pra mim não faz diferença, né?

Aster: Eu acho que essas pessoas estão falando mais no sentido de atração sexual mesmo, porque mesmo atração estética, tipo, é, é um negócio que as pessoas têm, mas é um negócio que as pessoas meio que não consideram muito relevante? Tipo, se uma pessoa aparecer dizendo que é pan porque é panestética, as pessoas vão achar que é, tipo, uma bobagem, né? Hã, mas tem pessoas que eu vejo assim, que são principalmente pessoas assexuais, que têm atração estética forte e têm atração do tipo, “nossa, eu gosto muito de olhar pra aquela pessoa”, “eu acho aquela pessoa muito bonita”. Eu, tipo, tenho uma reação que, parece à primeira vista algo meio que nem quando pessoas que sentem atração sexual frequentemente estão falando sobre sentir atração sexual, mas ao mesmo tempo é um negócio que não é sexual, não sei se dá pra explicar bem.

Sara: Mm-hmm.

Aster: Mas, tipo, eu também não sinto muita atração estética, eu me considero omniaespectral no sentido de que eu em todas… eu me considero a-espectral em todas as atrações, porque eu não tenho nenhuma atração que eu pense, tipo, “nossa, é muito fácil de eu sentir esse tipo de atração”.

Isabela: Sim, e também existe muita pressão, assim, pra que esses tipos de atrações, tipo, sejam iguais, assim, por exemplo, se uma pessoa é, por exemplo, ace, mas tem atração romântica, por exemplo, as pessoas começam a questionar, tipo, “mas como assim você ama tal pessoa e não quer fazer sexo com ela?”

Sara: É que isso normalmente as pessoas enxergam como um combo, né? Todas as atrações são a mesma atração. E, às vezes, quando já fui falar sobre isso, sobre essa separação de atrações, muitas pessoas ficaram… meio chocadas, e depois que passava o evento, sei lá, que era pra falar, vinham me procurar, sabe? E falar, “nossa, nunca tinha pensado, sempre achei mesmo que era tudo a mesma coisa, mas pensando bem, já me aconteceu isso e aquilo”, a pessoa vai lembrando de várias situações onde elas não tiveram esse combo. Tiveram só atração estética, mas não tiveram romântica, enfim. E também que é curioso, né?

Sara: E por isso eu acho importante a gente falar das nossas vivências, experiências, porque numa dessa, ativa alguma coisa que a pessoa às vezes lembra; muitas vezes acontece isso, você tá contando um negócio e a pessoa, “nossa, isso aí já… não foi bem assim, mas aconteceu de tal jeito comigo”, então… o que mais acontece é gente que é muito… que se julga muito alo, muito sexual, e depois a pessoa percebe que não era bem assim, era sempre uma compensação ou pertencimento, né, as coisas que a gente faz pra fazer parte de um grupo, né… Imitar mesmo o comportamento social, porque a gente aprende isso e ninguém quer se sentir rejeitado ou fora das coisas, então você fica… antes de saber que existe todo um mundo fora disso, você se sente só, né? Você não vê exemplos disso na mídia, nas histórias, enfim. Então… é natural que você faça, eu já fiz muitas coisas só pra pertencer. Lógico que eu não sabia disso. Não era tão… como é o nome? Não era tão consciente. Não estava fazendo isso… “ah, eu vou fazer isso porque eu quero pertencer a esse grupo”. Não era. Era só… o que ensinam pra gente, “uma hora você vai gostar, uma hora vai acontecer, uma hora, naturalmente”, essas coisas… E aí você faz o quê? Você finge, né? Você fala, tá, então eu vou ficar fingindo que tá tudo ok, que eu sei sim do que estão falando e que eu sinto também que é igual, até isso acontecer naturalmente, e aí nunca aconteceu [risos].

Aster: Bom, vou passar pro próximo tópico. Bom, eu botei aqui como nos descobrimos no espectro arromântico, e eu posso começar falando que isso foi uma questão que eu nunca pensei muito, até porque quando eu era adolescente e sofria mais essa pressão que eu falei do colégio, era muito… Eu ainda associava muito com a orientação sexual, né? Então, tipo, nunca… mesmo quando eu me descobri assexual, eu nunca parei pra pensar qual seria a minha orientação romântica. E eu tive alguns momentos que eu tinha sentido atração romântica e que eu nem conseguia pensar como atração romântica por conta de ser atração romântica que não vinha acompanhada de atração sexual. E que só depois, mais tarde, eu fui pensar que era atração romântica, mas eu também passei períodos da vida que eu não tive atração romântica por ninguém. E, daí eu fui pensando nisso, assim, pensando em como era a minha trajetória de sentir paixão, sentir amor romântico, em relacionamentos também, sobre como podia desaparecer, mas depois voltar. Então não era só uma coisa do tipo, desapareceu porque não… porque tipo, sei lá, porque acabou, sabe, porque aparecia de novo, e várias outras questões…

Aster: E aí eu fui refletindo sobre isso e daí uma hora eu, né, já conhecia esses rótulos daí anos depois. Aí eu comecei a usar o rótulo arofluxo, que ainda parece ser algo verdadeiro. Embora seja uma questão tipo, várias vezes eu penso, “ah, parece que eu tô nessa orientação romântica faz muito tempo”, ou sei lá, “parece que eu sou akoirromântique faz muito tempo”, “parece que eu sou completamente arromântique faz muito tempo”, “parece que eu sou alorromântique faz muito tempo”, mas, tipo, acaba mudando, então acho que arofluxo, pelo menos por enquanto, parece ser um bom rótulo.

Isabela: Não sei se pra mim é muito diferente também. Eu com certeza só fui parar pra perceber que eu era aro depois de saber que eu era ace. Até porque eu nem sabia dessa possibilidade, ou sequer a possibilidade de ter atrações diferentes. Acho que foi meio que um processo gradual, de tipo, começar primeiro a questionar qual a minha atração sexual, aí depois, “ah, dá pra ter atrações diferentes? Tá, e como é que é a minha atração romântica?” E meio que foi em passos, assim, eu não sei explicar muito além disso.

Sara: É, pra mim… antes eu descobri a assexualidade também. Acho que é um caminho que muita gente faz nesse campo. Você primeiro descobre que não necessariamente as pessoas sentem essa atração sexual, ou não sempre, ou não da forma que todo mundo sente, enfim, ou que muita gente sente. E aí depois vem essa questão romântica, né? Pelo menos em muitos casos que eu vejo. E daí pra mim foi esse caminho também, de descobrir que era assexualidade e depois arromanticidade, e aí eu pensava, “não, mas já me relacionei com muita gente, então não”. E… é a mesma coisa da assexualidade, primeira coisa que eu pensei é “não, não sou porque eu já tive relações com muitas pessoas”, até entender que não tem a ver a atração com a prática e, enfim, daí eu fui entendendo. Mas aí, enfim, foi esse caminho e sempre… Na verdade eu me identifiquei, acho que com alguém no Twitter uma vez, que aí eu comecei a pesquisar mais, em que alguém tava falando justamente isso que eu mencionei antes, de ser uma pessoa fria de sempre ser a pessoa que termina os relacionamentos porque pensa “nossa, tô perdendo meu tempo e você o seu, e eu não sinto o que você tá sentindo”, ou tudo fica muito pesado das expectativas e tudo mais. E aí eu me identifiquei com isso e comecei a pesquisar mais, enfim, aí fui me identificando com isso.

Aster: Hã, aí os últimos dois tópicos seriam as invalidações de fora de comunidades e invalidações de dentro de comunidades. Eu escrevi isso meio que pensando mais na questão de comunidade queer/NHINCQ+/LGBTQIAPN+ em geral, mas, tipo, se quiserem falar de outras coisas, de outros tipos de comunidades, dá pra falar também.

Aster: Eu acho que… invalidação de fora de comunidades é bastante, assim, eu não sei… Quando eu me descobri arofluxo, eu já era bem queer [risos] em vários aspectos, então eu não cheguei a ter uma questão de me abrir pra alguém como arofluxo especificamente e a pessoa ter falado alguma porcaria. Mas, pelo jeito que as pessoas me tratavam por ter me aberto como não-binárie, como demissexual, como múlti, eu acho que provavelmente também as pessoas iam usar os mesmos argumentos, que é alguma coisa que “só existe na internet”, que é alguma coisa que “é uma fase”, que é alguma coisa que “não existe”, que é alguma coisa que “eu inventei porque eu queria me achar superior a outras pessoas”, ou que é alguma coisa que “apareceu do nada na minha vida e não tem relação com quem eu era no passado”, ou quem eu parecia ser no passado. Então, eu não sofri muitas invalidações de fora de comunidades por ser arofluxo, mas eu imagino que se eu me abrisse sobre isso pra pessoas qualquer, ia receber.

Sara: Como eu mencionei, já tive dificuldade em explicar pra… principalmente amigos cis gays. Eu acho que… não sei, eu tenho muita dificuldade em explicar várias coisas pra essas pessoas. E… enfim, são esses argumentos que você mencionou mesmo, de “ai, não pode ver um termo que já acha que se encaixa”, sabe? E aí eu lembro que pra um amigo eu até abri, não uma cartilha, mas enfim, mostrei tanto de coisa que tenho, falei, “olha o tanto de coisa que eu não sou, por exemplo” [risos], que eu já vi, que… Acho que o mundo de algumas pessoas é muito limitado, né? É muito. Então… pensa na limitação dessa diversidade que a pessoa acha que faz parte e tudo mais, mas quão limitante é isso se você fala, sei lá, “sou assexual, grey… greysexual e greyrromântique e a pessoa acha que você viu esse termo e pegou, porque tudo você é. E então você fala “nossa, mas tem tanta coisa, isso é muito específico pra você falar que… eu peguei tudo, sabe?

Sara: Enfim, é só esses argumentos mesmo, daí eu vi as mesmas coisas pra todas as… Porque acho que as pessoas têm muita dificuldade em se questionarem, né? E é difícil, não vou nem dizer que isso é recriminável, no sentido delas com elas mesmas. É recriminável quando é com o outro, quando elas fazem isso com as outras pessoas, né, “ah, você não pode se identificar com tal coisa, você não é”, ou riem, enfim, isso é ruim. Mas a pessoa com ela é um caminho. A gente teve nosso caminho. Algumas pessoas têm caminhos mais fáceis, né, hoje em dia, com mais acesso a esse tipo de assunto, eu vejo gente já se entendendo várias coisas com, sei lá, 15 anos, sabe? E que bom. E óbvio que, sei lá, daqui a 20 anos talvez a pessoa descubra que não é nada a ver, enfim. Mas é muito importante a gente ter acesso o quanto antes a esse tipo de discussão. Mas, enfim, as pessoas de fora eu acho que elas realmente vão sempre achar um jeito de julgar da mesma forma todas as coisas, todas as identidades. Porque é sempre o mesmo caminho, né?

Aster, para Isabela: Vai querer falar alguma coisa?

Isabela: Não sei, é que pra mim, tipo… eu nunca cheguei a me abrir muito, ou pra muitas pessoas. Eu não tenho tanto contato com… nem com pessoas dentro da comunidade, como de fora, o suficiente pra me abrir, assim. É… é, talvez essa seria a maior opressão assim, tipo, eu não vejo muito espaço pra me abrir assim, como ace, por exemplo. Ou aro, no caso. É [risos] os dois.

Aster: As gatas tão aproveitando que a gente tá aqui pra fazer um monte de bagunça.

Isabela: Tão fazendo muita bagunça.

Sara: [Risos]

Sara: Eu percebo também uma coisa que queria só mencionar. Eu percebo que pra muita gente é muito mais fácil ouvir uma história como a minha, por exemplo. Alguém de 36 anos que começa a conversa já falando que já transou com muita gente porque não sabia como que era e achava que cê tinha que se forçar, um monte de coisa que um dia ia naturalmente surgir em você essa atração ou sei lá, e aí eu percebo que é uma coisa que as pessoas perto da minha idade, ou pra mais, geralmente se abrem mais quando ouvem isso ou sentem que é uma coisa que elas também passam ou passaram, do que quem é mais jovem e que já sabe que é assexual, por exemplo, que geralmente não gosta de ouvir esse tipo de experiência, entende?

Sara: Então… não sei bem como dizer, não é bem… não sei se é um preconceito, mas eu sinto uma hostilidade um pouco maior da própria comunidade ace, e principalmente das pessoas mais jovens, quando eu falo das minhas experiências, eu me sinto demais, sabe? Sinto que a pessoa não queria ouvir isso, ou acha que… Então eu me retraí muito no começo, quando eu conheci assexuais, eu achei as pessoas muito diferentes de mim e que não tinham… eu não me identifiquei assim no mundo assexual, e aí depois de começar a falar mais sobre as minhas experiências nessas rodas, enfim, com pessoas de fora da comunidade, eu percebi que elas se identificavam mais comigo, elas achavam mais real o que eu estava falando do que outras coisas. E aí, por um lado, é ruim porque essas pessoas acabam não ouvindo, por exemplo, a experiência de uma pessoa que é arromântica e assexual, e nunca teve nenhum relacionamento e é virgem. Essas pessoas têm muita dificuldade de ouvir essas experiências e eu acho isso ruim. Porém, é isso, dentro da comunidade ace eu acho que as pessoas não ouvem a minha experiência ou gente que fala como eu ou que tem as experiências que eu tive e não acolhem, porque muitas coisas eu vivi por pressão ou porque ensinaram aquilo, então não é bom, não foi bom. Muitas coisas foram leves, porque eu só achava que tinha que fazer e me obriguei, mas não foi nada demais pra mim, não sinto isso tão pesado, mas muitas foram.

Sara: E aí quando você vê que tem uma comunidade toda que não acolhe esse tipo de história, não quer ouvir esse tipo de história, não… é bem ruim, sabe, pra se identificar. Então, quando eu descobri o meio ace, conheci pessoas ace, demorou muito tempo, acho que eu demorei pelo menos dois anos, três, pra conseguir conversar com mais pessoas assexuais de igual pra igual, sem me sentir sempre mais, sabe? Sentir que eu tava exagerando ou que não era pra falar. Então, era mais um meio em que eu não poderia ser eu, entende? Era mais um meio que, se eu falasse, ia ser demais. E no meio alo, enfim, normativo de várias formas, era de menos. Era tipo, “ah, é a santinha, ela não se apaixona”, e eu ficava gente mas, então, onde eu tô? Porque eu não sou essa santa também, não sou… sei lá o quê, que as pessoas reprovam tanto. E aí, por isso, eu bato muito na tecla, inclusive até no coletivo, a gente bate muito na tecla e muito disso geralmente vem de mim lá nessa tecla de moralismo dentro da comunidade, que eu acho que é uma coisa muito problemática, porque a gente não avança em várias questões, sabe? Tem várias pessoas aces que são praticantes de, sei lá, de alguma coisa de BDSM ou sei lá que não se sentem à vontade em falar disso no meio ace, porque as pessoas aces são muito moralistas. Não todas, né? Lógico. Tanto que a gente tá aqui falando, enfim.

Sara: Mas é uma questão difícil de você conseguir separar, porque uma coisa é a sociedade sexualiza tudo e todos de forma excessiva e desnecessária, tudo é sexualizado, especialmente em mulheres e pessoas lidas mulheres, enfim, é o tom de voz que é falado num sussurro, num gemido, tudo num comercial que você assiste, é tudo muito sexualizado, e a gente que é ace, não sei se vocês concordam, a gente acaba percebendo mais. E aí você parece, não sei, muitas vezes acaba parecendo… já ouvi isso, que assexual é muito moralista, porque a gente percebe… “ah, isso é sexual” e falam “nossa, vocês veem sexo em tudo”, e eu falo “não, mas isso é. A gente sabe que as coisas são desenhadas assim”. Muitas vezes, tipo, esse exemplo que eu dei, um comercial, ele é feito com uma intenção, ele tem um público-alvo, ele tem um… tem todo um desenho disso; é um projeto. Você não só grava qualquer coisa e… enfim.

Sara: Ao mesmo tempo que isso, que as pessoas que não são assexuais acabam achando que “tudo é moralista”, porque “vocês estão vendo sexo onde não tem”, e tem sim, tem isso também de muitos assexuais negarem a existência de sexo ou de, sei lá, de alguns desejos que mesmo pessoas assexuais podem ter que não são sexuais, ou pessoas na escala cinza que, enfim, sentem algumas atrações, enfim. Aí é isso, tipo, mesmo que não seja o meu caso, eu acho que as pessoas deveriam se sentir abertas pra… pra falarem, sabe, das suas… das suas vivências. Não que seja o meu caso o que eu disse, é tipo, não… eu não tenho… algumas atrações e, enfim, várias coisas eu não tenho interesse. Mas não por isso eu vou ser moralista e dizer que isso nem deveria fazer parte de rodas assexuais, como eu já ouvi muitas vezes pessoas assexuais falando que não queriam que falassem de BDSM ou de, sei lá, qualquer coisa… pô, tá, você não precisa ficar falando sobre isso e praticar isso, mas tem uma pessoa ali contando a vivência dela, sabe? Isso não é uma coisa sua, desde que a pessoa não te exponha coisas que você não quer, claro, mas entende? A vivência da outra pessoa não deveria te ofender, sabe?

Sara: Aí eu acho que acabei me estendendo aqui e indo até pra outros lados, mas eu queria falar sobre isso, que é sempre um ponto que me incomoda muito no meio assexual e que a gente deveria conversar entre a gente. Lógico, as pessoas que não são assexuais não tem que estar nesse… no que acham certo ou não pra gente, mas entre a gente eu acho que deveria ter mais discussões, a gente deveria ter fóruns, deveria, sei lá, a gente deveria falar mais sobre tudo e sobre as vivências todas e poder falar sem esse… esse corte de “ah não, esse assunto não, porque isso aí é depravação e você…” entende, às vezes a gente… não sei. Tem muita gente que confunde até com religião, entende, gente assexual que fala de coisas ou em termos que eu fico, “mas isso não é assexualidade, isso é outra coisa”. E aí eu não quero, eu penso isso, mas eu não quero falar isso pra pessoa, não falar, “olha, isso não é assexualidade, você não é assexual”. Quer dizer, dá pra gente falar o que não é assexualidade, mas não que a pessoa não é. Só que, porque é uma coisa muito complicada, você não fala pra alguém que ela não é ou é alguma coisa. Só que é isso, eu vejo muita confusão disso, de confundir moralismo ou até religião com assexualidade, e aí eu fico pensando como que a gente consegue separar essas coisas, sabe? Enfim, fui longe, né? [Risos]

Aster: Eu acho que daria pra fazer uma transmissão completamente separada falando sobre navegar essa questão de, tipo, como separar a questão de que tem coisas que são sexualizadas quando não deviam ser, tem coisas que pessoas estão vendo como sexuais e que podem ter pessoas que estão desconfortáveis com esse tipo de coisa por ser sexual, mesmo que não seja algo nitidamente sexual ou explicitamente sexual, e a questão de simplesmente que… existem pessoas com atração sexual, existem relacionamentos sexuais, existem pessoas sem atração sexual, existem pessoas sem relacionamentos sexuais. Eu acho que até daria, até, tipo, tem uma questão parecida também e talvez não daria pra falar tanto assim, mas assim, existe a questão também de como amatonormatividade tem umas questões assim do tipo, tal coisa é codificada como… tais personagens serem um par romântico, mas é um desenho pra crianças, por exemplo, e não querem botar um par romântico explícito por tal motivo. E pessoas podem estar desconfortáveis com elementos românticos, mas aí ao mesmo tempo não dá pra dizer que é um negócio que é uma representação de um relacionamento romântico e tem uma série de questões assim.

Aster: Em relação a invalidações dentro de comunidades, eu realmente sinto que tem bastante essa questão… não sei dizer quanto tem espaços… eu acho que tem um pouco de espaços arromânticos, eu acho que sim, a questão é: espaços assexuais são pra pessoas que não sentem atração sexual, em geral. Espaços arromânticos são, em geral, pras pessoas que não sentem atração romântica. E eu entendo isso, eu acho que isso é importante, mas eu acho que nesse isolamento acaba tendo uma normalização dessas experiências que são, por exemplo… piada de alo. “Tal coisa é muito coisa de alo.” Tá, mas tem pessoas que sentem atração imediata que não são alo. Mas ninguém nunca pensa nisso quando tá fazendo essas piadas. Porque quando pessoas pensam em assexuais, pensam em… ou pensam em pessoas aromânticas, pensam em pessoas sem atração, ou de vez em quando. Pessoas que sentem atração de vez em quando, por uma ou outra pessoa, ou em pessoas dêmi. E acaba deixando de fora um monte de gente que sente atração imediata e que acaba não tendo essa atração contínua, e a atração acaba desaparecendo ao longo do tempo, e isso é um tipo de experiência que eu acho que tá muito em falta de ver pessoas falando sobre isso. Eu até queria tentar achar alguém que poderia falar sobre isso pra cá, mas eu não consegui achar. Porque é uma experiência que realmente vai afetar a vida da pessoa, no caso de tanto uma pessoa que não sente atração, quanto uma pessoa que só sente atração imediata, vai acabar não conseguindo ter um relacionamento a longo prazo que tenha essa atração. Mas espaços que são pra pessoas que não sentem atração, muitas vezes colocam essa ênfase de não ter atração, muitas vezes até de não ter relacionamento nenhum. Ou de tipo, “ah, tem aquelas pessoas lá que sentem atração de vez em quando”.

Aster: E, é, eu sinto que tem umas noções meio bizarras, assim, que acabam se formando. Eu tenho mais experiência com a comunidade assexual em relação a isso também, então eu acabo lembrando da vez, tipo, que eu mencionei cúpio. Cúpio é uma pessoa que quer relacionamentos, mas não sente atração. Tipo, uma pessoa cupiossexual não sente atração sexual, mas quer relacionamentos sexuais. E daí alguém falou que isso é a área cinza, porque a pessoa tem sexo, só que isso não é a área cinza, tecnicamente. Tipo, a pessoa não sente atração, a pessoa não precisa se classificar como da área cinza. Então tem essa expectativa, assim, tipo… né, que nem tu falou, a pessoa não tem atração, não quer relacionamento, nem gosta desse tipo de história, não se envolve com subculturas relacionadas a… que são associadas com isso.

Aster: Eu vou dizer que não sofri muita invalidação direta de falarem que minha atração não existe, ou que eu não sou demisexual de verdade, ou que eu não sou arofluxo de verdade. Mas eu acabo evitando espaços assexuais e espaços arromânticos, porque acabam tendo essa ideia idealizada, muitas vezes, de que ser assexual é isso, ser arromântique é isso, e tipo, é isso. E todas as coisas, todos os arquétipos relacionados a essas coisas, acabam virando as coisas que essa comunidade tem em comum, o que acaba excluindo pessoas que sentem essa atração, mesmo que não seja uma atração contínua, ou frequente, ou forte. Então… é. Por isso que, assim, tem o fórum do Orientando, né, tem vários outros espaços pra pessoas LGBTQIAPN+/NHINCQ+/queer que eu administro, ou eu e Isa administramos, que realmente eu me sinto mais à vontade porque acaba sendo um lugar mais geral, então acaba não tendo essa expectativa de que todo mundo tem exatamente essa orientação e experiência exatamente dessa forma.

Aster: Bom, esses eram os tópicos que a gente tinha. Tinha uma pessoa que queria assistir, mas que me falou que estava dando problema na transmissão. E que o problema era o assista.colorid.es e não a internet em si, então não sei se alguém tá realmente assistindo. Mas a ideia seria abrir pra perguntas e depois concluir. Então, é, considerações finais. Não sei se vocês têm alguma?

Isabela: Eu não tenho, acho que não.

Sara: Também não, só queria agradecer pelo convite e acho que é isso, a gente precisa conversar mais sobre essas várias questões e acho que… acredito que esses espaços vão enriquecendo até o que a gente entende ou não entende sobre algumas questões da própria comunidade. E bom, é isso. Agradeço.

Aster: Eu também agradeço a todo mundo que assistiu, tanto agora, não sei se tem alguém assistindo, mas no futuro, quando esse negócio estiver no YouTube. Eu acho que é muito legal ter mais coisas sobre questões arromânticas em português, porque eu acho que não tem praticamente nada. Eu acho que… até onde eu sei, tem uma página no Facebook. Provavelmente deve ter gente independente no Instagram, no Twitter, mas… eu acho que é muito… eu acho que é muito ruim ficar dependendo de plataformas assim, tanto pela questão predatória dessas empresas estarem basicamente usando usuáries como massa de manobra, como informações pra vender, tanto pela questão de ser algo que foi feito pra ser instantâneo, que foi feito pra tu não ver tudo, pra tu não ter como nem pesquisar tudo que a pessoa falou sobre aquilo. Então, as publicações acabam sendo… um negócio que tu vê as recentes… mas foi feito pra ser algo curto, foi feito pra ser algo que tu só vai ver naquele momento e que talvez tu veja uma ou outra postagem futura, mas que tu não tem um arquivo de discussões da comunidade, de como eram as coisas, não tem uma discussão, tipo, uma troca de ideias, assim, mais… “eu acho isso, eu acho aquilo”. Então, peço muito que pessoas arromânticas façam mais coisas e principalmente façam sites pessoais, façam blogs, façam… outras formas de ter um conteúdo na internet e fora da internet também, que não sejam coisas difíceis de achar, que não sejam coisas que vão se perder com o tempo, que sejam coisas que tenham tags e tudo mais.

Isabela: Sim, sim. É, ah, tipo, o que eu ia falar, na verdade, tipo, acho que a conversa foi bem legal. Assim, tipo, acho que é bastante importante a gente ter mais espaço, assim, pra gente discutir essas coisas. E, é, basicamente é isso. Eu só queria pontuar isso.

Aster: Ok, então acho que eu vou terminar a transmissão agora. Agradeço por terem participado. É uma pena que Calisto não pôde participar. Mas ok, eu vou terminar a transmissão.

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