Um espaço de aprendizagem

Depoimentos de pessoas não-binárias

Edição (29/03/2021): Este texto foi escrito há bastante tempo, e portanto contém alguns equívocos nas traduções que hoje em dia eu consideraria errados, ou ao menos controversos:

  • Ainda que muita gente use “gênero feminino” e “gênero masculino” como descrições para gêneros binários, a forma mais correta de se referir a eles é apenas mulher e homem, respectivamente. Afinal, nem todas as pessoas com gêneros ou identidades feminines são mulheres, nem todas as pessoas que são mulheres estão confortáveis com serem chamadas de femininas, nem todas as pessoas com gêneros ou identidades masculines são homens e nem todas as pessoas que são homens estão confortáveis com serem chamadas de masculinas.
  • Algumas pessoas argumentam que menina só significa “pessoa jovem que usa o final de palavra a”, e que menino só significa “pessoa jovem que usa o final de palavra o”, ao invés de tais palavras serem sinônimos de mulher jovem e de homem jovem, respectivamente. Eu ainda acho que em certas circunstâncias é justificável traduzir uma palavra como demigirl como demimenina, por exemplo (escrevi mais sobre isso aqui), mas estou tentando evitar fazer isso para que não haja confusão, usando sempre homem ou mulher quando se trata de nomes de gêneros.

Peço que quem queira ler este texto (que ainda é muito relevante, considerando a pouca quantidade de pessoas descrevendo suas experiências de gênero) tenha essas coisas em mente, e não repita esses problemas.


É comum perguntarem quais são as especificações de alguém que se identifica como não-binárie. Muitas pessoas acabam generalizando, achando que a pessoa é simplesmente andrógine (tendo um gênero entre homem e mulher) ou gênero-fluido (alguém cujo gênero muda de tempos em tempos; pessoas cis geralmente acham que pessoas gênero-fluido só mudam entre serem homens e mulheres).

Há alguns meses, fiz uma pesquisa sobre pessoas não-binárias. Aqui estão algumas respostas da pergunta “como você sabe que é o gênero que é?”, separadas pelo gênero com o qual a pessoa se identifica:

Agênero:

“O rótulo agênero simplesmente parece certo– eu não sinto que tenho um gênero, sou só uma pessoa.”

“Gravidez, menstruação, e outras coisas tipicamente ligadas a indivíduos designados meninas ao nascimento me deixam desconfortável e não são coisas que gosto de pensar sobre. Minha falta de gênero é apenas uma pequena parte de mim. É um conforto.”

Agênero e gênero-vácuo:

“O rótulo parece certo. Eu nunca senti nenhuma conexão real a outros gêneros.”

Agênero, gênero-vácuo e gênero-vago:

“Não tenho conexões com qualquer gênero.”

Agênero e mulher não-binária:

“Sinto que isso é TÃO CERTO! Não tenho um gênero! Isso me faz sentir tão calme!”

Ambonec:

“Utilizei vários rótulos que achei que fossem certos naqueles momentos – eles pareciam melhores do que os outros, então deveriam estar certos. Mas nada foi igual a quando encontrei este, e pareceu que… eu estava me acomodando em minha própria pele. Tipo, eu subitamente entendi a mim mesme, porque tinha a palavra para descrever. Não achava que o que eu sentia era real até que soube que não fui eu que estava inventando, haviam outras pessoas como eu, e elas tinham uma palavra pra isso. Então sei que é meu gênero.”

Andrógine:

“Me sinto mais confortável com meu corpo quando escondo meus seios, sempre fui ‘moleca’, prefiro parecer mais masculino mas ainda tenho um amor por batons, calças apertadas, e tal.”

“Simplesmente sinto isso. Não consigo realmente botar isso em palavras, é apenas um sentimento.”

Andrógine e neutrois:

“Cara, eu sou só alguém coercitivamente designado como homem ao nascimento, neutrois e feminin’, então, eu não quero ser como nenhum homem, depois do que o privilégio masculino fez. Veja só, eu não quero ser como os homens que me abusaram, então não sou homem.”

Andrógine transmasculino:

“Verdade. Erguer-me acima de confusão. Um terço da minha vida gasto lutando. Rejeição, morar na rua, dor, entendimento. Coragem, uma vontade de procurar, mesmo com vários obstáculos.”

Bigênero: não-binárie e neutrois

“É o que parece natural para mim.”

Gênero-fluido (gêneros não especificados):

“Por causa de como me sinto em meu corpo.”

“Sinto isso na minha alma. É o que sou.”

“Às vezes tenho um sentimento muito forte de que estou no corpo errado, mas em outras vezes estou bem.”

“Quando você encontra o rótulo certo, às vezes você simplesmente sabe.”

Gênero-fluido: andrógine e mulher/menina não-binária

“[Sexo] feminino apenas não me parece certo.”

Gênero-fluido: andrógine e agênero

“É o que eu tenho que ser, não há outra maneira.”

Gênero-fluido: genderflux; mulher/menina não-binária, demimulher/demimenina, agênero, caelgênero

“Achei que gênero era algo fraco, imaginário e fluido para todo mundo, até descobrir gênero-fluido. Outros termos meio que se encaixaram para descrever partes da minha identidade. Quando vi, descobri a definição e os sintomas. Sabe quando você tem uma gripe? Foi assim que me senti.”

Gênero-fluido: mulher/menina não-binária e homem/menino não-binário

“Sempre soube, mas não sabia de palavras para isso até recentemente. Tenho disforia em diversos níveis de conforto, e [meu gênero muda] de acordo com quem sinto atração por no momento.”

Gênero-fluido: não-binárie e neutrois

“Uma experiência gradual de não me sentir confortável com o gênero que foi designado a mim ao nascimento, nome, e pronomes, e de não ter certeza do gênero que sou. Tenho bastante disforia [de gênero].”

Maverique:

“O blog pride-flags-for-us estava sendo anunciado, e achei que fosse uma boa ideia checá-lo. O blog tinha uma lista de gêneros não-binários, e não consigo realmente lembrar porque fui checar isso também. Mas realmente descobrir que o espectro além de estritamente masculino e feminino era bem mais complexo que a falta de gênero realmente abriu meus olhos. Foi ali que realmente comecei a questionar que poderia ser trans. [O rótulo maverique] simplesmente parece certo.”

Maverique e não-binárie:

“Quando tinha 10 anos comecei a ter disforia [de gênero] e percebi que não me sentia como uma menina. Porém, como não me sentia como um menino também e não sabia que existiam mais de dois gêneros, achei que era cis e só estranhe.

Quando tinha por volta de 13 anos achei um tópico de fórum sobre gêneros não-binários e tudo de repente fez sentido. Utilizei o rótulo neutrois por anos, mas vi que a maioria utilizava como sinônimo de ‘agênero com disforia física’, o que não era nada a ver com minha experiência, já que eu tinha um gênero. Também sentia que descrever meu gênero como neutro não fazia muito sentido.

Hoje em dia, se tenho que escolher um rótulo específico para meu gênero, eu provavelmente diria maverique, mas já que não tenho certeza que ele me serve 100% eu geralmente digo que sou não-binárie (e/ou só descrevo meu gênero como ‘nem homem nem mulher’ sem colocar um rótulo nele). (Geralmente também não sinto a necessidade de utilizar um rótulo mais específico que não-binário.)”

Maverique e egogênero:

“Por causa de ambas disforia e euforia [de gênero] em seus contextos adequados. O que realmente me ajudou foi a pergunta colocada por anagnori no Tumblr (uma paráfrase): ‘Se você pudesse viver em um mundo perfeito, onde não haveria nenhum estigma em se identificar com qualquer gênero, de que gênero você seria? Este é seu gênero.’ Então foi que percebi que seria não-binárie, nem homem e nem mulher.”

Menina/mulher não-binária:

“Disforia [de gênero].”

“Me sinto errade em ser um menino.”

Menino/homem não-binário:

“Ser chamade de ‘menina’ parece estranho e errado, ser chamade de ‘menino’ parece melhor mas ainda é um pouco estranho. Tive bastante euforia de gênero quando cortei meu cabelo curto, e quando consegui óculos mais masculinos.”

“Eu me descrevi como um homem trans por tanto tempo, até que percebi que não me identificava *completamente* com o gênero masculino, mas também como não-binário. Eu usei termos como agênero, demimenino e andrógino até que percebi que menino não-binário e menino agênero me descrevem muito bem. Esses rótulos parecem certos, me sinto confortável utilizando estes para me descrever.”

Menino/homem não-binário e neutrois:

“Por causa das roupas, sim. Disforia e euforia [de gênero] também. Algo do que tenho certeza é de que não sou uma mulher, e de que prefiro papéis mais masculinos.”

Não-binárie:

“Porque eu sei o que eu sinto por dentro. Não preciso de nada além para saber quem sou.”

“Não-binárie apenas parece certo, porque estou confortável em qualquer tipo de roupa, e em utilizar qualquer tipo de produto.”

Não-binárie e queer/genderqueer:

“Sinto que [esses rótulos estão] certos, palavras com gênero me deixam desconfortável.”

Neutrois:

“Vi o termo mencionado em algum lugar e tive curiosidade, então pesquisei e pensei ‘okay, sinto que isso tem bastante a ver comigo’. Me sinto desconfortável com roupas tradicionalmente femininas, odeio odeio odeio usar maquiagem, odeio pessoas se referindo a mim pelo meu nome de nascença e pelo pronome ela.”

Novigênero:

“Não consigo utilizar um rótulo que me deixa confortável sem o sentimento de conforto mudar um pouco. Então senti que deveria utilizar este, porque não consigo exatamente descrever meus sentimentos [em relação a gênero].”

Transmasculine:

“Sei que não sou uma mulher e sei que não sou um homem, da mesma forma que todos sabem quando não são de algum gênero. Você apenas sabe.”


Estes são apenas alguns exemplos, de gêneros e de experiências. Espero que isso ajude a entender o seu gênero, ou o gênero de outras pessoas.

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