Um espaço de aprendizagem

Um podcast acerca de aliades

Eu e Oltiel gravamos este podcast no dia 9 de março para o Rodízio NHINCQ+ sobre o tema aliades. O áudio tem quase uma hora de duração e fala sobre tanto o que aliades fazem de ruim quanto o que fazem de bom.

A edição do áudio foi feita por mim (Aster). A transcrição foi feita por niê e a revisão de tal transcrição foi feita por Oltiel.

(Interessades no trabalho de transcrição de niê podem entrar em contato via e-mail: amilomorim em gmail.com.)

Avisos de conteúdo: Como este podcast fala sobre erros de aliades e sobre resistência contra o sistema, ele fala sobre aspectos de opressão (por exemplo: maldenominação, falta de emprego, repressão policial). Não há relatos muito gráficos, mas esse tipo de assunto é discutido.

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Aster: Oi! Esse é um podcast que tá sendo feito especialmente pro Rodízio NHINCQ+. Um dos temas é “Aliades”, então eu tô aqui com Oltiel pra falar sobre algumas coisas que aliades fazem certo, algumas coisas que aliades fazem errado. O meu nome é Aster, eu uso ze/eld/e junto com outros conjuntos de linguagem. A maioria das postagens neste blog aqui são minhas. Eu vou deixar Oltiel se apresentar um pouco.

Oltiel: Olá, eu sou Oltiel. Eu uso conjunto de linguagem -/éli/e. Eu sou ativista independente, produzo conteúdo nas minhas redes sociais, tenho uma plataforma no TikTok e no Instagram focada em neolinguagem e estou aqui para falar do tema. Eu listei algumas situações que se passaram comigo e que eu presenciei também, e no meio das nossas pontuações, tanto positivas e negativas, nós vamos comentar sobre elas, desenvolver sobre o que aliades podem fazer de bom, o que podem fazer de ruim, o que deveriam estar fazendo de bom, o que deveriam não estar fazendo de ruim… enfim.

Aster: Vou começar então listando aqui as coisas negativas. O primeiro item que eu listei é sobre simplificações que não ajudam. Por exemplo, falar pra outras pessoas que alguém é gay ao invés de arromântique bissexual, não é uma simplificação, é uma desinformação, que pode fazer com que a pessoa depois tenha que ficar corrigindo. Existem termos guarda-chuva que podem ser mais comuns do que os termos que a pessoa usa, mas eles devem ser usados só com consentimento e os termos precisam realmente ter a ver com a identidade da pessoa; não é só jogar “gay”, “bi”, “transmasculine” ou o que for pra rotular alguém, sendo que a identidade não tem nada a ver.

Oltiel: Comentando um pouco sobre isso, então, essa é uma questão bem complicada, porque eu entendo a boa intenção das pessoas de querer apresentar alguém com determinados termos, mas quando esses termos apagam o que a pessoa é, isso não está ajudando a entender a outra pessoa. Aí, pensa, vai chegar aquela situação constrangedora em que a pessoa que foi desinformada vai confrontar a outra, a outra vai ter que se corrigir, vai ter que se explicar mais, e aí a chance de virar uma situação constrangedora, ou de a pessoa desinformada achar que sabe mais que a outra, pode acontecer. E… [ri] isso está sujeito a acontecer com pessoas que tiveram contato com uma primeira informação, aí depois têm que repensar a informação que foi passada, mas ficam resistentes a corrigir o que foi passado.

Aster: É, eu ia comentar justamente essa questão, né, que se tu tá descrevendo uma outra pessoa e a outra pessoa tem que se corrigir, não só é uma situação constrangedora, mas também pode ser uma situação que é muito chata, é muito pessoal; a pessoa ter que se defender de alguma coisa que a pessoa nunca disse e que, às vezes, especialmente pessoas que não são da comunidade, têm essa impressão de que as identidades são imutáveis e são imediatas e tal… Tipo, tu tá adicionando um passo a mais pra pessoa ter que se justificar, sendo que já seria difícil se a pessoa fosse de um termo “mais simples” pra um termo “mais desconhecido”, e daí tem essas pessoas que ficam, pra simplificar, ficam adicionando esse passo de ter que dizer: “não, não sou isso, sou isso aqui, isso significa outra coisa, isso é completamente diferente, isso não me impede de fazer tal coisa que talvez não faria tanto sentido pra aquela outra identidade que foi explicada”, e por assim vai.

Aster: Oltiel, o que tu listou como alguma coisa negativa?

Oltiel: Uma situação negativa que eu listei aqui, eu pensei no seguinte: por vezes, quando um erro é cometido e reconhecido, aliades podem acabar criando uma situação constrangedora de ficarem se desculpando demais, ficam se martirizando pelo erro cometido. E aí, por mais que não seja essa a intenção da pessoa e por mais que ela queira demonstrar que está sentindo culpa e que gostaria de fazer melhor, ficar fazendo isso deixa as pessoas dos grupos minorizados mais constrangidas ainda. Até cria uma culpa na pessoa por isso. A gente depois fica pensando: “nossa, será que a gente deveria ter corrigido de outra forma? Será que a minha abordagem tá correta?”. Então, é uma situação constrangedora que, por mais que não seja a intenção, aliades acabam fazendo. Não é exclusivo de aliades, eu entendo, mas aliades poderiam ter um pouco melhor essa consciência de: errou? Errou, se desculpa, pronto, segue com a vida, não fica se martirizando com isso. Lembrem-se, aliades, não é sobre vocês, tá bom?

Aster: É, eu concordo. Isso já aconteceu muitas vezes, especialmente em questão de maldenominação, que a pessoa fica constrangida, chega de lado e fala: “ai, me desculpa, mas eu tenho tanta dificuldade”… E isso é algo que, assim, até muitas pessoas que usam neolinguagem em seus conjuntos de linguagem às vezes têm dificuldade, especialmente no começo, de se referir a si mesmas do jeito certo e tudo o mais. É uma questão, assim, se a pessoa passou 10, 20, 30 anos aprendendo a língua de uma forma e daí tem outros elementos, isso é uma dificuldade que vai acontecer. E isso é um negócio que, tá, é chato sim tu ter essa situação de que nossa, tu errou e tu não queria errar, mas tem que seguir em frente. [ri]

Aster: Botei, daí, como meu segundo item, a questão de não entender a posição de aliade. Que tem gente que por ser mulher, ou heterodissidente, ou não-binárie, ou trans, ou afins, pensa que por conta disso é diretamente afetada por toda a questão envolvendo gênero, orientação, corporalidade. Então tem gente LGB que se acha no direito de dizer que orientações a-espectrais ou identidades cisdissidentes não existem, ou pessoas trans que acham que têm o direito de fazer presunções ignorantes sobre ser intersexo e por assim vai. “Ah, mas eu sou da comunidade e eu não reconheço isso, nunca vi isso” é o tipo de depoimento que não serve pra porcaria nenhuma, porque novas identidades sempre estão surgindo, sempre estão sendo discutidas e desenvolvidas, e não tem como ninguém ter ciência de todas as discussões que estão acontecendo. E isso não significa que alguém que tá fora das discussões é alguém que tá dentro dessa comunidade, só porque é uma comunidade adjacente.

Oltiel: Sim. Isso me faz lembrar… isso inclusive tá em um dos meus itens, sobre essa coisa daquela distorção típica do local de fala, porque muita gente pensa: “ah, eu sou da comunidade, eu sei tudo sobre a comunidade”. Não. Às vezes, a pessoa não sabe quase nada sobre o próprio segmento ou segmentos que ela faz parte. E aí: “ah, eu não ouvi falar, então não existe, e eu sou da comunidade”… Com todo o respeito, [censurado, ri], porque você ser de um grupo marginalizado não te dá magicamente todo o conhecimento do universo sobre toda a diversidade, não é assim que funciona! Se fosse assim que funcionasse, nossa, todos os grupos minorizados saberiam tudo sobre tudo [ri] e acho que já teríamos organizado uma revolução, né? [ri] Enfim.

Aster: Esse– tu já falou esse item aí, no caso?

Oltiel: Eu acho então que eu poderia já pegar a deixa e falar desse item; só um minutinho, vou ver aqui nas minhas anotações… Bom, esse é um fenômeno que não é tão culpa de aliades, só que há situações em que aliades esperam que os grupos minorizados se defendam, e se defendam seguindo uma lógica de que “isso é problema desse grupo, esse grupo que tem que se defender, eu não posso me meter, porque [enfatizando] não-é-meu-lo-cal-de-fa-la”, aquela coisa bem entre aspas. Aí, como essa é uma lógica distorcida do conceito– é um conceito relevante, só pra constar, mas essa distorção ainda é muito propagada em espaços de justiça social, e acaba chegando em aliades também. Aliás, acabam até sentindo talvez um pouco mais de culpa, e talvez isso acabe levando a uma desresponsabilização que as pessoas não deveriam estar sentindo. Não é bem por aí. E aí isso desconsidera também que há situações em que as pessoas não estão dispostas a se defenderem, elas não estão dispostas a terem que entrar lá [ri] nesse campo de batalha e precisar fazer uma defesa, precisar explicar as coisas. Há situações em que inclusive isso não é nem seguro pra própria pessoa. Tem várias e várias situações. Além de jogar toda a responsabilidade de uma reação nas pessoas que já vivem sendo atacadas. Enfim, era sobre isso.

Aster: É, eu concordo plenamente, mas isso– esse item é basicamente o oposto do que eu falei, né, porque o que eu falei era mais sobre as pessoas se acharem dentro do local de fala que elas não têm pra invalidar identidades que elas não têm e que não têm nada a ver com elas, e daí o teu era mais sobre pessoas [que], por não ter essas identidades, acharem que não precisam falar sobre elas. [ri]

Oltiel: Eu tinha entendido que era pra fazer um gancho com o negócio do local de fala! Eu tinha entendido por isso, tá? Então me desculpa. [ri]

Aster: [ri] Não, não precisa se desculpar! Só tô comentando que é sobre outra coisa mesmo. [ri]

Oltiel: Tudo bem. [ri] Quer ir pro próximo item, então? O teu, no caso.

Aster: Sim, sim. O terceiro item que eu coloquei aqui foi sobre apoiar sem entender ou [sem] querer entender questões sobre a causa. Aceitar todas as identidades tem uma intenção bonita, mas nem tudo é uma questão de achar válido ou não. Por exemplo, se alguém quer ajuda pra entender a própria orientação ou pra achar pessoas com a mesma modalidade de gênero, só palavras bonitas e falar sobre essas coisas não importarem não ajuda. Outra coisa ruim sobre esse tipo de pessoa é que muitas vezes parecem não entender quando a questão não é só um tratamento igualitário; frases feitas sobre amor muitas vezes excluem pessoas arromânticas e neolinguagem geralmente exige algum esforço pra que seja aprendida, por exemplo.

Oltiel: Isso me lembra uma situação parecida em que as pessoas ficam nessa boa intenção de: “ah, tudo é válido, toda diversidade é válida, toda forma de amor é válida, toda forma de existência é válida”… e aí, é numa dessas que a pessoa pode topar com uma situação em que alguém pergunta pra ela sobre algum termo que pode cair em problemáticas, aí a pessoa vai dar uma resposta genérica de: “ah, sim, é válido sim, porque sim”… Isso me lembra uma vez [em] que eu vi duas pessoas muito aleatórias comentando numa postagem de Instagram onde uma perguntava: “sapiossexual é válido?”, aí a outra pessoa, que eu tenho certeza, pelo modo de falar, que não era nem da comunidade, falava: “sim, porque toda forma de ser e de amar é válida” e que não sei o quê, e que não sei o quê… uma coisa bem, assim, podia ser uma coisa de três linhas e foi uma coisa com o triplo. Eu olhava pra aquilo, [ri] eu ficava com uma preguiça lendo aquilo! Enfim, [ri] uma pessoa muito emocionada. Assim, aprecio a pessoa querer defender a diversidade, mas a pessoa também precisa saber, sim, o que ela tá defendendo. Sapiossexual não é a pior coisa do mundo, mas também não é um negocinho que a gente deveria estar dizendo: “não, não, tá ok!”… não, tem uma problemática aí envolvida. Pode ser que o que a pessoa queira dizer com atração por inteligência é atração por afinidade pela personalidade da pessoa, e já tem identidades que descrevem isso. Só que é isso, não é sair defendendo tudo, porque às vezes nem tudo é defensável; acho que é essa a palavra. E às vezes também eu acho que essa intenção de defender tudo acaba partindo pra uma coisa despolitizante de: “não, todas as perspectivas são válidas”, aí é numa dessa que a pessoa tá defendendo pessoa trans sendo atacada por transmed e transmed ao mesmo tempo. “Não, só são dois lados diferentes da história”; [enfatizado] não! Não são só dois lados diferentes da história. [ri] Enfim. É sobre isso.

Aster: Eu acho que é isso mesmo, né, uma coisa muito despolitizada que as pessoas ficam muito nessa de, tipo: “ah, isso é válido, isso tem que ser defendido”, e daí a pessoa muitas vezes não aprende quais são os argumentos que são realmente a favor e os argumentos que são contra. E ok, no caso de sápio tem a questão de ser algo que tem uma conotação capacitista, o conceito de inteligência em si; inclusive fora do contexto de sápio é um conceito também racista e misógino e afins. Só que, também quando se trata de identidades que, entre aspas, são válidas, né, em questão, por exemplo, de defender demigênero, defender homem não-binárie e defender demissexual, muitas vezes, se tu não sabe defender e se tua única defesa é que todas as identidades são válidas, isso faz com que qualquer pessoa que tenha alguma crítica não possa ser rebatida direito, porque isso de: “é, mas é tudo válido” não funciona bem como um argumento pra quem tá em cima do muro. Isso é só uma validação bem superficial.

Oltiel: Bom, indo pra uma coisa que eu listei, que na verdade eu acabei comentando já, mas de um outro grupo… Eu listei que, às vezes, aliades se sentem no direito de não reavaliar se estão reproduzindo alguma opressão por acharem que já têm um conhecimento suficiente sobre tal grupo, então ficam numa defensiva que pode acabar parecendo que o grupo minorizado é quem está sendo mais radical, irracional, agressivo na história. E isso parte, muitas vezes, pra umas situações em que a pessoa aliada vai dizer: “mas espera, esse conceito aqui eu vi de uma organização grande internacional”; “mas espera, quem me explicou isso aqui foi uma ativista renomada”; “mas espera”, que não sei o–; é isso. Geralmente isso sempre cai em carteiradas, carteiradas, assim, de autoridade. É sempre uma organização, um grande coletivo ou uma pessoa de renome, viva ou que já morreu. E não é bem por aí também, até porque [no] contexto brasileiro, pelo menos, muita coisa ainda sendo passada é coisa obsoleta já. Tem ainda conceitos de transgeneridade de 40 anos sendo passados por grandes organizações, ativistas de renome. E aí quem somos nós, jovens, pra ficar discordando dessas pessoas, né? E aliades, às vezes, vão dar essa carteirada na gente e vão realmente botar a gente como as pessoas erradas da história. “Quem são vocês pra discordar dessa pessoa?”; “Quem são vocês pra discordar dessa organização?”… [ri]

Aster: É, sobre isso, eu tenho a comentar que as palavras acabam evoluindo e muitas vezes os conceitos evoluem. A questão de transgênero, por exemplo, sobre como o termo evoluiu de uma coisa que era mais ampla pra uma coisa que era um pouco menos ampla, e daí às vezes querem fechar mais ainda pra ser um sinônimo de transexual, né, de pessoa que quer fazer transição de gênero, ou às vezes querem botar como sinônimo só de, tipo, pessoa binária trans. É uma questão que– não tô dizendo que pessoal de renome ou livro ou estudo tal tá necessariamente errado; é possível que o livro estivesse atualizado de acordo com aquele contexto, que a publicação estivesse certa naquele contexto, [que] naquela época o que as pessoas entendiam era isso. É possível também que a pessoa tenha conseguido uma informação meio rasa, só que a pessoa tinha um alcance muito maior e daí conseguiu publicar algo que chegou a muito mais gente sobre o que era alguma coisa. Então, não tô falando pra descartar todas as coisas antigas porque elas têm uma terminologia problemática, porque isso acontece às vezes, ou porque tem– porque terminologias que não são problemáticas estão sendo definidas de formas mais restritas ou estranhas ou coisa assim, mas também tem que ter essa noção de que as coisas evoluem e muitas vezes os sentidos mais abrangentes das coisas tendem a ser melhores. Nem sempre, né; por exemplo, tem esse caso de transgênero que eu não acho que uma pessoa inconformista de gênero [queira] ser inclusa no termo trans hoje em dia, pelo menos até onde eu sei, mas, em geral, tem que ver mais um contexto atual e como essa palavra é usada e como essa palavra pode ser definida de uma forma que não exclua as pessoas que querem usar esse termo ao invés de simplesmente pegar uma definição que é supostamente consagrada.

Quarta coisa que eu tenho aqui é que também tem gente que nunca se dá ao trabalho de fazer coisas básicas, como compartilhar postagens educando ou corrigir outras pessoas fora da comunidade sobre termos mais usados ou maldenominação de pessoas cisdissidentes e tudo o mais. Antes que alguém pense que isso é muito superficial, esse tipo de pessoa também não vai ser o tipo de pessoa que vai em protesto, que vai em rodas de conversa, [que] paga pessoas NHINCQ+ pra cursos quando eles são oferecidos. A questão é que nem ações pequenas e fáceis e que não levam muito tempo a pessoa faz.

Oltiel: Essa é uma questão realmente muito complicada, porque eu vejo muita gente que se acha aliada fazendo isso. Não compartilha os conteúdos, não engaja com os conteúdos, não ajuda a pessoa… Eu fico pensando: “que tipo de aliança é essa que essa pessoa acha que está promovendo, então? Só porque deu um like na postagem, só porque respeita a pessoa pelo menos na frente dela?” Não é suficiente, precisa de muito mais do que isso. E nesse contexto atual nosso de tecnologia, com as redes sociais, o advindo da internet, muita gente está produzindo coisas, e quanto mais você compartilha, melhor, aumenta o alcance das coisas. Tem muita gente oferecendo curso, tem muita gente precisando sobreviver também e oferecendo palestras, tentando espalhar ao máximo a informação. Informação é muito, é muito. Desde que o mundo é mundo [ri] informação é uma coisa muito importante, muito presente. Então ajudar a espalhar a informação já é grande coisa sim. Pode-se fazer mais? Pode-se fazer mais, mas quando eu não vejo nem uma mísera postagem sendo compartilhada– e é uma coisa tão fácil de se fazer, é um ou dois cliques… quando nem isso é feito, fico pensando: “o que essa pessoa tá fazendo? O que essa pessoa é capaz de fazer? E quando ela for confrontada?”… Aliás, essa pessoa realmente respeita grupos dissidentes pelas costas, para outras pessoas?.

Aster: É bem isso, né, que às ve– vou confessar que às vezes eu sinto meio que um isolamento com os conteúdos que eu coloco no Mastodon, né, em colorid.es, porque eu vejo um monte de gente que tá online, que tá postando, que tá interagindo, mas aí quando eu posto alguma definição de termo, quando eu posto alguma coisa que não é só uma coisa muito geral ou muito rasa ou muito “feliz dia do não-sei-o-quê”, as pessoas que interagem com esse conteúdo geralmente são as mesmas pessoas de sempre, geralmente já são pessoas mais informadas, já são pessoas de dentro da instância. E daí eu fico: nossa, mas aí, tipo, isso acaba não chegando em outras pessoas, porque os círculos que eu tenho são bem mais já engajados nesse tipo de coisa e já mais bem formados, mas outras pessoas que eu sei que interagem comigo quando eu vou falar com elas ou que interagem comigo quando tem a ver com outros assuntos, essas pessoas poderiam ajudar esse conteúdo que eu faço a chegar em pessoas que podem nunca ter ouvido falar da possibilidade de ser de alguma identidade de gênero, de alguma orientação. Às vezes as pessoas pensam que realmente só existem, sei lá, dez orientações, ou só existem umas cinco identidades não-binárias, e é isso, e sei lá, pode ter uma ou outra que: “nossa, que obscuro isso, acabei de descobrir sobre”, sei lá, autossexual. E é uma coisa que, né, é uma desinformação– é uma falta de informação tão comum e seria tão fácil de espalhar mais essas coisas.

Oltiel: Esse isolamento que você sente eu também sinto, eu percebo acontecendo contigo e algumas outras pessoas, geralmente pessoas desse meu nicho, que já falam bastante desses assuntos e que falam de uma maneira mais aprofundada. Eu também percebo isso, é uma coisa que eu já joguei umas indiretas nas redes sociais pra ver se tinha reação e nunca teve reação. Sabe, é eu postar uma coisa mais superficial e um monte de gente compartilha, curte; quando eu posto uma coisa mais aprofundada, não– essas pessoas não aparecem. E em outras plataformas como, por exemplo, o Instagram, eu consigo perceber quando alguém visualiza um story, por exemplo, de algo que acabei de postar. Às vezes, as redes sociais também barram o nosso engajamento, mas isso acontece mais nas populares, eu admito, tipo Instagram e TikTok, mas quando o negócio chega em muita gente, eu também não percebo muito aquele engajamento. A página Neolinguagem… eu não sei quantas pessoas que me seguem no Instagram vão ouvir isso, mas assim, uns tempos atrás eu postei um meme: mais de 800 curtidas; aí eu posto uma coisa que explica uma questão gramatical de pronomes: umas 50 curtidas. É uma diferença muito grande.

Aster: Uhum!

Oltiel: Enorme! O meme gera engajamento; a postagem informativa gramatical, que é exatamente a proposta [ri] da minha página desde que eu fundei ela, nada. [ri] Enfim.

Então eu vou aproveitar esse gancho pra falar meu último item, que correlaciona com o que a gente falou anteriormente; que mesmo tendo as melhores das intenções e uma ótima convivência e etiqueta com os grupos dissidentes, quando situações opressivas partem de familiares e amizades, aliades tendem a demorar pra repreender, demorar pra corrigir, corrigir daquela maneira cheia de eufemismos ou não com a mesma iniciativa que deveria ter… criam desculpas para essas pessoas direto ou não fazem nada e esperam alguma reação da pessoa atacada, que já foi comentado. E eu entendo que há situações inesperadas e ninguém é preparade pra reagir sempre, ninguém; ninguém mesmo, nem as pessoas aliadas, nem as pessoas que estão sendo atacadas. Só que quando a conivência é direcionada pra pessoas mais próximas de aliades, o que acontece? A gente não confia mais na pessoa, a gente começa a ficar desconfiade, a gente começa a se afastar também de pessoas de grupos que estão mais fora dos nossos nichos ou mais fora dos segmentos que a gente faz parte. E é inevitável isso, porque a gente fica pensando: “se a pessoa não corrige a gente pra familiar, pra quem mais ela não corrige? Se ela fica esperando a gente se defender pras pessoas mais próximas, que ela, por ser próxima, deveria estar fazendo isso com mais intensidade, o que mais ela não faz?”.

Aster: É, eu acho que essa questão eu posso até dar uma dica de tentar se preparar com antecedência quando vai ter uma situação assim, porque, por exemplo, se eu tô conversando com alguém e essa pessoa eu sei que no passado maldenominou alguém que eu conheço, e eu sei que a conversa vai ser sobre essa pessoa ou pode acabar sendo sobre essa pessoa, penso: “ok, a pessoa pode soltar alguma coisa que maldenomine a pessoa”, e daí eu já posso me preparar internamente pra já cortar na hora, o que é algo que talvez eu não faria se fosse a primeira vez que a pessoa fosse maldenominar e eu não esperaria isso.

Oltiel: É, é muito a questão de esperar que erros vão acontecer. E claro, tem erros e erros; nem todos têm a mesma intensidade, nem todos têm a mesma intenção também, então não precisa ter exatamente a mesma reação com tudo também. Só que, assim, é muito diferente um erro que envolve, por exemplo, uma maldenominação da outra pessoa que não está acostumada com neolinguagem e um erro que envolve um termo opressivo sendo usado para tal pessoa de uma maneira extremamente gratuita.

Aster: Uhum.

Oltiel: São situações muito diferentes. E quando nem uma, nem outra é corrigida na hora, sério, o constrangimento é muito maior. E quanto mais demora pra corrigir, maior o constrangimento, maior o climão, e estando a pessoa marginalizada presente, é muito chato. A gente não sabe o que fazer, a gente realmente não sabe; a gente fica pensando: “eu corrijo em algum momento em off? Eu corrijo naquele momento? Ou eu só levanto da mesa e saio?”. Porque às vezes é o que dá vontade de fazer, sério, gente. [ri] Então… Uma coisa também que eu pensei aqui é [que], quando você, pessoa aliada, falando para pessoas aliadas, decide chamar uma pessoa de um grupo marginalizado pra uma roda de amizade sua e a roda de amizade só tem gente que é igual a você, pense um pouco: essas pessoas estão preparadas?, essas pessoas têm chances de soltar uma pérola no meio de uma conversa amistosa? Eu acho que são coisas pra se considerar. Em vez de, do nada, convidar a pessoa: “ah, vamos sair com os nossos amigos, você vai adorar”, que não sei o quê… Às vezes, é um pesadelo pra gente, bastante. [ri] Então, por favor, pensem nisso.

Aster: Meu último item é de posições assimilacionistas do tipo que só aceitam o que cabe em uma visão limitada do mundo, do tipo: “tudo bem ter gênero não binário se for fácil de entender pra pessoa binária”; “tudo bem ser heterodissidente desde que a pessoa seja monogâmica”; “tudo bem ser trans ou intersexo desde que a pessoa esteja tomando ou tenha tomado providências pra isso não ser aparente” e por assim vai. Isso é algo que foi tocado bem brevemente, só a questão de tipo, defender transmedicalistas porque tem o seu próprio lado [[ri], mas é uma questão que– é algo que tá reproduzindo, de certa forma, cissexismo, heterossexismo. Quando tu pega e reforça essas normas porque: “ah, mas tem gente que consegue se encaixar nessas normas”, mesmo que tenha aberto um espacinho pra pessoa poder ser gay ou lésbica; tenha aberto um espacinho pra pessoa ser assexual, mas só se a identidade da pessoa não for muito complicada; um espacinho pra pessoa que é trans mas que tem dinheiro pra fazer todas as cirurgias possíveis pra que a pessoa tenha uma imagem que parece de uma pessoa cis… Sabe, é uma questão que vai ter gente que quer se encaixar nesses moldes, vai ter gente que não se encaixa nesses moldes, simplesmente não se encaixa, e vai ter gente que poderia teoricamente se encaixar nesses moldes, mas que não necessariamente quer fazer isso.

Oltiel: Bom, eu acho que a partir daqui a gente pode então falar de umas coisas mais positivas, né? [ri] Foi uma meia hora falando só das negativas, o que é bem necessário. Ás, eu acho que tu devia começar pra aí encerrar da mesma forma que as negativas.

Aster: Ok. Primeiro item que eu tenho sobre os pontos positivos seria uso e normalização de artigo/pronome/final de palavra sem simplificações ou atribuições de qualidade de gênero. Isso é algo que eu percebi no Mastodon quando eu comecei a participar e comecei a usar esse tipo de forma de falar de linguagem e explicar porque que eu uso; eu percebi que tem muito mais pessoas usando esse esquema ao invés de outros esquemas. Ainda tem bastante “ele/dele”, “ela/dela”, ainda tem bastante “pronomes femininos”, mas é uma quantidade bem menor do que tinha antes, e tem muita gente que tá usando artigo/pronome/final de palavra. Infelizmente não tanto quando se fala sobre linguagem; muitas vezes é só como linguagem pessoal no perfil e daí quando a pessoa vai falar sobre linguagem, a pessoa ainda fala “linguagem neutra” ou coisa assim, não se vendo linguagem neutra como linguagem neutra, mas no caso de pronome elu e final e. Mas é uma questão que me dá esperança [de] que no futuro talvez isso seja algo mais normalizado, porque como uma pessoa que nunca gostou muito dos pronomes que são usados como neutros, que no caso era elu, ile, tem o elx… nunca fui fã de usar só isso pra se referir a mim, e daí não ter que me preocupar com a questão de: “ok, eu tenho um pronome tal, mas daí eu tenho que ter um final de palavra que seja obrigatoriamente associado com esse pronome”, o que– né, porque isso acontece quando tu só fala: “ah, o pronome ela/dela, ele/dele, elu/delu” tem essa presunção do final de palavra, e pra mim é muito importante não ter essa presunção do final de palavra pra eu poder ter meu tipo de conjunto de linguagem mais normalizado. E não só o meu, mas de outras pessoas também, mas é importante pra mim pessoalmente por conta disso.

Oltiel: É, fazendo um comentário pessoal sobre isso, eu acho às vezes engraçado como é mais fácil explicar esse tipo de coisa pra gente de fora da comunidade do que [pra] gente de dentro. Eu já tive muito menos resistência com várias explicações [com] gente de fora do que [com] gente de dentro da comunidade, e é esquisito, porque não são as pessoas de dentro da comunidade que deveriam estar mais interessadas em formas melhores de descrição de linguagem pessoal, de terminologias mais inclusivas, de repensar o uso de certos termos, da abordagem pra falar das coisas?… enfim. E pegando, então, meu item… Bom, sobre as pessoas aliadas, então, uma coisa muito positiva que eu tenho para falar sobre elas, e eu falo por experiência, já pegando esse gancho, elas podem ser as pessoas que vão se engajar com assuntos sobre grupos marginalizados e ajudar a espalhar essa informação. E como elas podem alcançar mais pessoas dos grupos que pertencem, que são os grupos beneficiados, que muitas vezes são os espaços sociais delas, com quem elas têm mais contato, exatamente por isso que elas vão espalhar mais informação para os grupos que deveriam estar tendo esse acesso para repensar como estão sendo sujeitos na sociedade, que opressões estão reproduzindo, se estão criando espaços seguros pra essas pessoas marginalizadas. E por vezes, como eu já comentei, falar com pessoas de fora acaba sendo mais fácil. A minha hipótese é porque, exatamente por elas serem tão ignorantes no assunto, quando eu trago uma informação mais atualizada, pra elas é mais fácil receber já a informação mais atualizada do que se elas tivessem falado com pessoas que têm informações mais desatualizadas, por exemplo. Porque aí é aquilo que a gente já listou, elas ficariam com aquela informação e aí iam ficar um pouco mais resistentes [a] reavaliar a informação, ao contrário dos grupos marginalizados, que ou não sabem nada e acham que sabe, ou têm informação desatualizada e também têm resistência para se atualizar. Então falar, às vezes, com aliades é mais fácil, incrivelmente [ri] é mais fácil e pode ser mais fácil. Então eu acho isso muito positivo, muito, muito, muito.

Aster: É, eu vou dizer que esse negócio é muito de pessoas que não sabem do assunto mesmo, porque se for ver, também, é muito mais fácil pessoas jovens terem mais informação, informação mais atualizada, do que pessoas que falam que estão nesse meio faz muitos e muitos anos.

Um segundo item que eu coloquei é respeito à privacidade e ausência de perguntas que partem de estereótipos sobre sexo, sobre vestimentas, sobre papéis de gênero, por exemplo, quando alguém se abre sobre ser NHINCQ+. Ou seja, às vezes, a pessoa se abre e daí a reação que deveria ser mais certa, tipo: “ok”, tipo: “tem alguma coisa que eu precise saber pra te deixar mais confortável?” ou coisa assim, e, às vezes, isso não acontece. Às vezes, é a questão de– né [ri], falando, no caso, de algo negativo, porque seria pra se contrapor a esse positivo, às vezes tem: “ah, mas como isso é possível se tu fez não sei o quê quando era criança?”, “como isso é possível se tu se veste de tal forma?”, e isso é algo ruim, então é muito bom quando as pessoas não fazem isso.

Oltiel: Eu acabei meio que juntando dois tópicos, acabei de perceber aqui. Mas então, comentando sobre uma coisa… trazendo um pouco do anterior e desenvolvendo um pouco, eu percebo que, por vezes, aliades conseguem ter uma atenção maior e uma aceitação [a] novas ideias e informações. E exatamente quando a pessoa se presta a entender o negócio, que ela tem essa… vai, vamos botar “humildade”, essa humildade em reconhecer que ela não sabe das coisas, ela pode absorver melhor essas informações e ajudar a espalhar mais essas informações. E como são pessoas de grupos beneficiados, elas podem atingir vários espaços e várias pessoas, elas podem tornar certos ambientes sociais um pouco mais convidativos ou muito melhores do que poderiam ser. E essa é uma iniciativa que geralmente a gente espera sim de aliades, mas se a pessoa já tem, parabéns pra ela, de verdade. Não vou ficar exaltando também [ri] a pessoa, por fazer “o mínimo”, mas quando a pessoa tem essa cabeça aberta, isso é muito importante. Eu acho isso fundamental pra ser uma pessoa aliada, porque se você não tiver a mente aberta, o que você vai ter pra oferecer? Exatamente porque você tá tendo contato com um grupo que passa por uma série de situações sociais que você não passa, você aliade, e parte de um sistema que te beneficia em detrimento desse grupo. Claro, lembrando, aliades não vivem num berço de ouro, não vivem com todos os privilégios do mundo, nem as pessoas que pertencem ao maior grupo– o maior número de grupos beneficiados, porque as dinâmicas de privilégio e opressão são cheias de nuances, inclusive furos. Mas é mais sobre isso mesmo, é sobre ter a cabeça aberta e pensar no que você pode fazer dentro da sua possibilidade.

Aster: Eu tenho um item que é relacionado com o que tu acabou de falar e relacionado também com algo que já foi falado, que é sobre falar pra outras pessoas antes de conhecerem ou se encontrarem com alguém NHINCQ+ sobre sua identidade, linguagem ou afins. E é justamente esse tipo de situação, né, quando tu vai introduzir uma pessoa que é não-binária a um grupo já estabelecido de amizades, por exemplo, falar antes: “ó, vou trazer essa pessoa aqui, tem esse conjunto de linguagem”, né, “essa identidade de gênero, pratiquem” [riem], né, ou: “tentem se cuidar pra não ficar maldenominando a pessoa”… ou, no caso, às vezes até pode acontecer no caso de heterodissidência também, tipo: “não fiquem fazendo piadas sobre a pessoa ser homem que gosta de homens como se fosse algo negativo, porque a pessoa realmente é isso”; [ri] não que isso devesse ser feito em outros contextos, né, mas enfim. Ou: “não pergunta sobre tal mulher lá não querer um namorado, porque a pessoa é arromântica”, essas coisas.

Oltiel: Eu acho que uma coisa que poderia ser comentada sobre isso é que pessoas de grupos minorizados, mesmo quando são mais politizadas, quando são mais informadas, elas ainda são pessoas, elas estão sujeitas a certos erros. Às vezes, os grupos acabam reproduzindo umas piadas, memes, umas coisas assim, que são um tanto despolitizadas, que são coisas que, se a gente problematizar, a gente percebe que caem numas coisas que a gente não deveria estar fazendo. Então eu acho muito importante as pessoas, os grupos aliados, terem essa noção de que nem tudo que aquele grupo tá reproduzindo de piada pode ser também uma boa piada. Eu lembro de um exemplo bem clássico de pessoas heterodissidentes, inclusive homens gays, que falam: “ai, chega de gays”, ou: “ai, gays são uma praga”, coisas assim, sabe… e tem muito esse comportamento principalmente em redes como o Twitter, por exemplo. E gente, tá, tá bom, eu entendo que são gays “falando mal de gays”, mas não é porque os gays estão falando mal de gays que todo mundo pode fazer a mesma coisa. Nem eles deveriam estar fazendo isso, então a gente que não é do grupo, e ainda mais as pessoas que não são heterodissidentes, não deveriam também estar fazendo isso, porque no fim do dia, tem todo um sistema muito maior que é extremamente violento e que praticamente diz a mesma coisa, “chega de gays”, mas diz isso matando essas pessoas. Sabe, tenham isso em mente; nem toda piadinha é bacana, tenham senso crítico sempre. Senso crítico sempre; isso é uma coisa que eu falo bastante no meu ativismo: “tenham senso crítico com tudo”. “Ah, mas eu sou de uma pessoa que não pertence a esse grupo”; não importa, tenha senso crítico mesmo. Você concorda com tudo que aquele grupo tá fazendo, concorda com tudo que aquele grupo faz? Tenha sempre isso em mente. Na dúvida, sempre consulte várias pessoas de várias perspectivas desses grupos, e sempre procure, dentro do possível, o máximo de informação, preferencialmente informação atualizada, informação que você vê que tá vindo de pessoas que estudam o tema, que sabem do que estão falando. Muita coisa vai se contradizer? Pode se contradizer, mas aí com o tempo a gente vai separando o joio do trigo, o que é contradição de desinformação e o que é contradição de divergência de pensamento. São coisas diferentes também. É complexo? É complexo, mas faz parte. É complexo pra gente que é de grupo dissidente, então vocês aliades, por favor, façam esforço pra entender as coisas. Senso crítico, por favor.

Bom, indo para meu outro item, quando aliades possuem acesso a algum tipo de poder, quando são pessoas de um alto cargo de uma empresa, por exemplo, o que as pessoas poderiam fazer? Adivinhem! Essas pessoas poderiam estar dando oportunidades! Êêê! [ri] Abrindo oportunidades, promovendo inclusão e diversidade… não de uma maneira superficial, mas de uma maneira verdadeira. Não é só fazer uma palestra bonitinha na sua empresa, é promover também as pessoas que estão nos cargos, é contratar mais pessoas assim, promover e acelerar oportunidades para pessoas de grupos minorizados. O que então contribui, o quê? Para que as pessoas vão tendo também um acesso maior, e quando as pessoas vão tendo um acesso maior, essas pessoas vão poder abrir oportunidades para outras pessoas também. É uma reação em cadeia onde todo mundo ganha, então é muito importante isso. Bom, tem aquela frase, que também virou uma coisa despolitizada atualmente; eu peguei– eu crio um ranço, mas… “reveja seus privilégios”. Sim, reveja os seus privilégios dentro do que vocês têm de privilégios. Às vezes, a gente não tem tanto assim também, mas o pouco poder que a gente tem, bora usar pras outras pessoas. Isso é uma coisa muito importante de pessoas aliadas fazerem: subverter o poder que têm, pegar o poder e usar a favor das outras pessoas que não têm esse poder. Isso é muito, muito importante, é hackear o sistema. Muita gente das teorias de gênero fala disso, hackear o sistema. É sobre isso.

Aster: Eu acho que dá pra pensar também na questão de…também, meio que quebrar a ideia na cabeça de que certos tipos de pessoas queer, de certos tipos de pessoas NHINCQ+, serem estranhas, porque eu acho que, às vezes, é [por] isso que pessoas aliadas, às vezes, não querem ir tanto atrás desse tipo de coisa. Às vezes, causa um desconforto, né, porque a pessoa tá tão numa realidade alternativa de normatividade que, quando a pessoa tem uma aparência mais fora do comum, mais inaceitável, às vezes mesmo pessoas que são aliadas e que aceitam aquela pessoa como ela é num âmbito teórico, talvez mesmo assim não pensem em querer dar oportunidade de trabalhar junto ou de assistir os vídeos dessa pessoa, o que for, e é algo que tem que ser repensado, ser desconstruído, dentro da cabeça da pessoa.

Oltiel: Comentando um pouquinho também, é sobre isso, é sobre repensar: “qual pessoa está sendo apoiada? É uma pessoa mais palatável, mais bonitinha, mais dentro dos conformes, que faz um discurso um pouco mais aceitável ou não?”, sabe, “quais pessoas estão sendo mais aceitas?”. E tá, eu entendo, às vezes aquela pessoa inconforme causa um desconforto? Pode ser que ela cause, mas 1: o seu desconforto é problema seu, você tem que lidar com isso; e 2: aprenda a abraçar o desconforto, porque todo mundo sente desconforto com uma novidade, ainda mais quando essa novidade, dentro do nosso inconsciente, faz parte de uma coisa que a gente não deveria estar aceitando pra início de conversa. Faz parte. Conviva com gente que [te] deixe realmente desconfortável mesmo; não na atitude, não gente escrota, tô falando de gente que se expressa de maneiras extremamente inofensivas, que não está fazendo mal a ninguém, mas que está fora do seu círculo de convivência. Isso é importante também, convivência.

Aster: Outro item que eu tenho aqui é de presença em protestos e eventos. Eu sei que nem todo mundo tem a disponibilidade ou a capacidade de ir a eventos físicos ou mesmo virtuais, mas quantidades podem ajudar estes a continuarem ou a terem mais força. Isso até já foi falado, de certas formas, no negócio de questões negativas, as pessoas não fazerem nada. Mas é, questões positivas, assim, de comparecer nas coisas, é algo importante, é algo que dá a mensagem de que aquele evento é algo bom que pode ser feito mais vezes.

Oltiel: Isso me lembrou [de] uma vez, acho que talvez no ano retrasado que isso aconteceu, que eu vi um protesto sobre pessoas racializadas, acho que era especificamente sobre pessoas pretas, e aí tinha algumas pessoas sugerindo como aliades branques poderiam ajudar nos protestos. E aí falaram uma coisa assim, das pessoas brancas irem no protesto e defenderem as pessoas pretas da violência policial, porque a violência policial é diferente naquelas instâncias. Eu lembro até de uma pessoa falando: “dá um bug na cabeça do policial ter que bater na pessoa branca igual a ele, e a pessoa branca defendendo a pessoa preta”. Não precisa também chegar a esse ponto; eu entendo quem não quer apanhar, ninguém quer apanhar, sabe. A não ser que… ah, esteja [dentro de] quatro paredes, enfim. [ri] Mas não é sobre isso, é sobre defender, sair na defesa, mesmo, desses grupos. Pegando esse exemplo [de]: “ok, eu sou uma pessoa branca; qual é a minha participação num protesto de pessoas pretas?”; exatamente mostrar que tem uma pessoa branca lá [fazendo] presença para defender os direitos desse grupo, para defender esse grupo, para apoiar esse grupo. Ah, só a presença basta? Às vezes sim, depende do protesto também. Agora, quando sai em questão de violência policial, pessoas mais preparadas pra isso… alô, pessoas brancas que malham [riem], que falam de autodefesa, que vão com molotov nos protestos! Sabe, bora fazer essa linha de defesa também pra coisas mais radicais ainda. Porque é isso, o sistema tá aí, ele é violento, ele vai bater em alguém, ele vai sempre tentar bater em alguém. Então é inevitável a gente ter contato com esse tipo de violência, [enfatizando] in-fe-liz-men-te.

E o meu último item sobre situações positivas… Esse é um pouco desconfortável de eu comentar, até. Eu reconheço, apesar desse desconforto, que haverá situações, instâncias, em que aliades serão mais ouvides do que pessoas de grupos marginalizados. É uma situação que não deveria estar acontecendo? Não, não deveria estar acontecendo, mas é aquela coisa, eu penso: “tá, se aquela pessoa pelo menos tá sendo ouvida, mesmo que mais do que eu, pelo menos ela vai passar a mensagem”. E aí o que deveria estar acontecendo depois disso? O que deveria estar acontecendo é isso virar uma ponte de comunicação em que a pessoa aliada está comunicando o que a outra pessoa deveria estar entendendo de mim, mas prefere entender dela, e isso se tornar cada vez [mais] uma escuta melhor em que essa pessoa vai também passar a ouvir as pessoas do grupo marginalizado. Porque, afinal, a pessoa que está lecionando ela, que é do mesmo grupo que ela, aprende com os grupos marginalizados. Então esse ponte de comunicação é importante, contudo e apesar de tudo. É uma coisa meio amarga? É uma coisa meio amarga, mas pelo menos a outra pessoa tá ouvindo; melhor do que não ouvir, não ouvir absolutamente nada. Tem gente que não escuta nem a pessoa do grupo beneficiado, nem ela; haverá instâncias em que isso vai acontecer, inclusive, não quer ouvir ninguém. Mas se está ouvindo a pessoa que é mais parecida com ela, tá bom, pelo menos a pessoa aliada tá fazendo algum bom serviço [ri] para o grupo minorizado, então é alguma coisa.

Aster: Eu nem sei se eu tenho alguma coisa a comentar, porque eu acho que esse ponto já foi bem parecido com um outro ponto que já foi parecido com outro ponto que tu já levantou. [ri]

Oltiel: É, sim, tudo tá conectado, porque a gente não tem muitas novidades pra se comentar sobre essa questão do que faz uma pessoa aliada, né. As situações positivas e negativas têm pontos de conexão e se cruzam… Daria pra listar outras coisas que são–

Aster: Não, mas eu tô falando as coisas positivas especificamente. Tu tem três itens positivos que eram basicamente que aliades precisam espalhar a palavra pra outres aliades. [ri]

Oltiel: Sim, sim. É, eu não tinha muito o que ressaltar [?] também, mas também comentando como, por vezes, o ponto positivo e o negativo às vezes acabam sendo só o oposto…

Aster: Sim, sim.

Oltiel: …um do outro, né. Então… Eu acho que essa é uma situação mais específica, porque é um pouco ruim pra gente também; eu sei que isso tá num ponto positivo, mas vocês conseguem entender o que é você falar “A” e a outra pessoa não entender, aí a pessoa que é diferente de você falar “A” e aí a outra pessoa entender “A”? É esquisito, porque você falou a mesma coisa, mas a outra pessoa só se dispôs a ouvir de alguém que era igual a ela. É chato, gente. É chato pra [censurado]. É algum serviço que a pessoa aliada tá fazendo? É, só que caramba, deveria estar ouvindo a gente também.

Aster: É, isso é bem ruim, mas eu vou dizer que também acontece o contrário; tem pessoas que só querem saber da pessoa que não é aliada, porque se a pessoa diz, tipo: “ó, não usa esse termo”, ou: “ei, não é assim que funciona isso”, aí falam: “ah, mas tu nem é do grupo, tu não sabe de nada”. [ri] Então acontece o contrário também. Então até pra pessoas aliadas que querem educar e tal, sugiro que tenham links e coisas assim, e jeitos de achar essas informações e de guardar essas informações pra que possam repassar também pra essas pessoas que não querem saber de, entre aspas, aliades que não sabem de nada e que estão inventando opressão.

Oltiel: Essa é uma ótima sugestão, é uma coisa que eu também aplico. Porque eu acho muito esquisito as várias vezes em que eu tive que defender assexualidade pra outras pessoas alossexuais, mesmo eu não sendo assexual, e aí as pouquíssimas vezes que alguém me soltou uma coisa assim: “ah, mas cê nem é”, aí eu falo: “ah, tá bom, não seja por isso”; peguei uma tonelada de links e falei: “tó, conteúdo de assexuais. Leia tudinho, viu? É pra ler tudo!”. [ri] E é isso, porque se a pessoa tiver interesse em aprender, ela vai aprender. Aí tem gente que fala: “ah, mas é tudo isso?”, bom, tem gente produzindo conteúdo justamente pra não precisar dar uma palestra sempre numa [censurado] de uma postagem nos comentários! É chato pra gente também, sabe, a gente não tá 24 horas disponível pra ficar palestrando, muito menos na internet, muito menos em comentário de postagens de redes sociais populares. “Pelamor”, né, gente. Se a pessoa mandou um link pra você, já tem a coisa lá, já tem o conteúdo desenvolvido, reunido, e tá ali pra você acessar quando você quiser, quantas vezes você quiser. Ah, [sussurrando] e de graça!

Aster: Então, finalizando, meu último item, não é de graça… [ri] é ajuda financeira.

Oltiel: [ri] Isso não foi intencional! A gente jura que não tem um roteiro aqui, não foi intencional, gente!

Aster: [ri] Porque o desemprego entre pessoas NHINCQ+, especialmente pessoas cisdissidentes e que também são marginalizadas em outros aspectos, tende a ser bem alto, então muitas dessas pessoas dependem de doações para viver ou lidar com gastos grandes como mudanças, estudos ou cirurgias.

Oltiel: Bom, essa é uma situação bem complicada mesmo, porque assim, não tá bem pra ninguém praticamente, atualmente, mas se você tiver algum dinheirinho, sabe, sobrando, você pode doar pra uma organização, pra uma pessoa que precisa… pode ser pra uma pessoa que seja próxima a você; a proximidade é uma conexão, né, é um vínculo. E é questão daquilo, se a gente tiver um pouquinho sobrando dá pra gente doar pra uma pessoa que pode estar precisando, pra uma causa justa. Olha, gente [suspira], fazendo uma referência aí a um certo jogo, sabe [ri], em vez de vocês correrem [pra pagar] 300 reais num jogo que vai pra uma pessoa que tá financiando movimentos antitrans, doa pra movimentos trans mesmo, sabe! Eu acho que vai ser uma coisa muito bem aproveitada. “Ah, eu não tenho como doar”; divulga a vaquinha da pessoa, né, pelo amor de deus! [ri] Divulga a vaquinha da pessoa, comenta sobre ela, se você conhece algum outro recurso que pode ajudar ela, recomenda o recurso pra ela também. Enfim, bora todo mundo se ajudando porque tá difícil pra todo mundo, mas pra algumas pessoas tá mais difícil do que [pra] outras, então bora fazer o que estiver dentro da nossa possibilidade, dentro do nosso alcance. E de novo [ri], hashtag “é sobre isso”.

Aster: É, eu tava falando mais sobre a questão das pessoas que têm dinheiro extra ou talvez até doem pra alguma ONG, que seja lá pra onde vai o dinheiro, ou [ri] que não doam nada, mas têm um monte de dinheiro guardado e tipo, não se importariam em doar um pouco… mas também tem essa questão, do tipo, tem pessoas trans fazendo jogos, tem pessoas trans em plataformas daqueles negócios de aula paga…

Oltiel: É, tipo o Sympla, por exemplo.

Aster: É, Sympla é mais negócio de ingresso, né? Mas enfim. [ri]

Oltiel: Por lá as pessoas costumam divulgar cursos e palestras, aí tem uma questão do retorno financeiro…

Aster: Uhum. É, tem pessoas trans, ou não necessariamente trans, mas NHINCQ+ também, que fazem shows, que fazem eventos ou que oferecem serviços, né, tipo fotógrafes, artistas gráfiques, designers, aquele– eu não sei se tem um nome especial pra cozinheires que fazem comida por encomenda, tipo encomenda de bolo e tal…

Oltiel: Cozinheire autônome?

Aster: Confeiteires autônomes, sei lá. [ri]

Oltiel: [ri] Sim.

Aster: Mas enfim, tem pessoas NHINCQ+ ou não necessariamente NHINCQ+, mas também pessoas racializadas, pessoas com deficiência e de qualquer outro grupo marginalizado que possa se pensar. Geralmente [pra] essas pessoas acaba sendo mais difícil conseguir emprego, acaba sendo mais difícil conseguir dinheiro, acaba sendo mais difícil conseguir clientes, então assim, se for procurar por alguma coisa, um serviço, às vezes vale a pena sim tentar achar algo que esteja dando mais dinheiro pra alguém que talvez esteja com mais dificuldade.

Oltiel: Uma última palavra então? Eu não penso muito em últimas palavras, mas… Bom, eu espero que esse seja um podcast bem ilustrativo, bem explicativo pra pessoas que pertencem a grupos beneficiados e que queiram se engajar com esse papel de aliança ou [que] já se consideram aliades, mas podem repensar o que podem fazer de melhor e o que poderiam fazer de menos pior. Em todo caso, o que a gente tentou trazer aqui é um assunto que pesa bastante pra nossa comunidade, porque aliades [são] algo muito importante pra gente conseguir transitar pelo sistema, sabe? Porque nós estamos falando do grupo que transita melhor por esse sistema e que se beneficia dele em detrimento de certos grupos, então… Eu não gosto desse discurso de que a gente precisa de aliades, mas seria ótimo, e seria ótimo que mais pessoas que tomam esse título para si fossem realmente aliadas, porque muitas só são aliadas da boca pra fora, muitas só são aliadas de uma maneira muito superficial. Com ou sem intenção, a ação é a mesma. Então eu espero que esse podcast ajude as pessoas a serem melhores aliadas. Eu fico muito feliz de participar disso e agradeço a participação, o convite. E é isso, gente.

Aster: Eu acho que, pra comunidades NHINCQ+ especificamente, a questão de aliades é até mais destacada, de certa forma, porque em várias siglas, num sentido de LGBTQIAPN+ ou qualquer sigla que tenha o A, muitas vezes pessoas colocam esse A pra aliades, ou às vezes colocam até outras letras que têm a ver com aliades. Como ser NHINCQ+ é uma questão que, ao contrário de outras comunidades marginalizadas, não é um negócio que todo mundo da família vai ter geneticamente– vai ser geneticamente NHINCQ+ [ri], então é uma coisa que a pessoa já vai estar num mundo, muitas vezes, com família que não é NHINCQ+, e às vezes essa família acaba tomando essa posição de aliada, ou a pessoa já tinha amizades antes de se descobrir e tal, porque também é um negócio que a pessoa não sabe desde o nascimento, a pessoa se descobre… Então a gente muitas vezes tá sozinhe no mundo de aliades, especialmente no início da descoberta, ou no mundo, às vezes, de não aliades, né, mas no caso tem pessoas que têm essa experiência mais positiva. Só que daí essa questão de ser aliade acaba às vezes caindo numa coisa muito superficial, numa coisa que a gente já falou nas questões negativas de: “ah, eu apoio e ponto”, então até tem discussões em certas comunidades sobre não usar esse termo e não se identificar pessoalmente com esse termo. Dentro de todas as comunidades marginalizadas tem a questão de não se dar o termo de aliade, deixar que outras pessoas falem sobre isso, da pessoa que é aliada. E tem algumas comunidades que estão falando pra não usar “aliade”; acho que era a comunidade indígena que tá falando pra falar de “cúmplices” e não de “aliades”, e aí eu não sei na real o quanto isso é pra ser algo pra todas as comunidades marginalizadas ou se é só pra algo mais específico de causas indígenas ou outras causas mais parecidas, mas enfim. É um termo que, ao mesmo tempo, é aplicado de forma muito branda, e ao mesmo tempo é uma coisa que é muito criticada e precisa ser algo muito revisto, né, de o que cada pessoa pode fazer melhor para ser uma aliada melhor, se a pessoa quer se chamar de aliada ou quer não ser uma pessoa que tá ativamente prejudicando a saúde mental das pessoas NHINCQ+ à sua volta.

Agradeço a Oltiel por ter feito isso comigo; a ideia foi minha, mas eu queria que tivesse alguém pra fazer isso junto. Eu espero que isso tenha ajudado e tenha trazido questões que talvez não tenham sido pensadas antes, tanto por aliades quanto por pessoas que não são aliadas, mas que se interessam nesse assunto, ou que não são aliadas NHINCQ+ no geral, mas que são, tipo, pessoas cis que querem ser aliadas de pessoas trans, mesmo sendo heterodissidentes, e por assim vai. Enfim, é isso, obrigade por ouvirem!

 


Créditos de músicas, em ordem:

  1. chien•ne errant•e – résoudre mon problème s’il vous plait
  2. Adeline Adrenaline – square roots
  3. passerine – cavernous
  4. Komiku – Should we be afraid or sad ?
  5. Monplaisir – a=landmine
  6. ni_ni – geni das rosas cintilantes
  7. isabel nogueira e luciano zanatta – queer noise
  8. Aster – Experiências de gênero (demo de versão muito anterior à final)
  9. chien•ne errant•e – Encore un effort
  10. Aster – twinkles (indisponível publicamente)
  11. jentesselin – Unraveling/Nothing
  12. passerine – seaside
  13. Loyalty Freak Music – Lack of Color – Sugar and coffee
  14. Anonymous420 – Demon Funder
  15. Loyalty Freak Music – Hug Convoy
  16. Loyalty Freak Music – Lack of Color – Aeroplane
  17. jentesselin – Frustration/Going Nowhere
  18. bm_128 – bm_128 (número
  19. das_synthikat – _erroristen

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