Um espaço de aprendizagem

Artigo, pronome e final de palavra

Quadrado de fundo oliva cujo texto é: Minha linguagem é ze/elz/e (artigo/pronome/terminação).ze - "Ze jovem é daqui" elz - "Elz é legal." e - "Estou atrasade!"

Imagem ensinando a usar ze/elz/e. Originalmente postada aqui.

Artigo/pronome/final de palavra (também é possível substituir o termo final de palavra por flexão ou terminação) é uma forma de expressar conjuntos de linguagem que às vezes também é chamada de modelo ou de sistema APF ou APT. Neste modelo, os elementos artigo, pronome e final de palavra são tratados como completamente distintos entre si, embora influenciem o uso de outras palavras que são consideradas derivadas de cada elemento, os quais geralmente são separados por barras.

O modelo APF não é usado exclusivamente para falar de neolinguagem. É possível tanto utilizá-lo para se referir a conjuntos dentro da norma (a/ela/a, o/ele/o) quanto para conjuntos que não são normativos, mas que não usam elementos da neolinguagem (-/ele/a, o/ela/o, -/-/-, etc.; o traço indica que é pra não usar nenhum elemento específico, de forma que obedece as normas padrão sem atribuir alguma especificidade). Mesmo assim, o modelo é importante dentro de um contexto de usuáries de neolinguagem porque oferece uma forma de expressar conjuntos de linguagem pessoais e discutir sobre conjuntos de linguagem de forma mais explícita do que a utilização só de um pronome ou de uma atribuição vaga de neutralidade.

A formatação de conjuntos como a/ela/a e o/ele/o ao invés de ela/dela e ele/dele ou de “pronomes femininos” e “pronomes masculinos” ajuda pessoas a terem uma ideia melhor do que é pra fazer quando se deparam com conjuntos que são menos normativos. São pessoas cujos conjuntos estão mais dentro da norma que podem ajudar mais o modelo APF a tornar-se intuitivo. Utilize-o quando for demonstrar sua linguagem pessoal, por favor!

 

Quais são as vantagens de usar o modelo APF?

  1. A expressão de gêneros gramaticais disponíveis na língua padrão de forma que não os tipifica como femininos ou masculinos: ao invés disso, explicitam-se tais conjuntos como a/ela/a e o/ele/o. Isso ajuda a não impor conotações possivelmente indesejadas em cima de quem quer usar tais conjuntos ou falar deles e a igualar tais conjuntos padrão ao mesmo modelo de outros conjuntos, os quais não possuem nomes próprios.
  2. A expressão de gêneros gramaticais neutros/alternativos (neolinguísticos) de forma que nem centraliza uma única forma como correta e nem coloca todas as formas como intercambiáveis. Assim, ao invés de alguém ter que dizer “uso pronomes neutros” sem poder relatar preferências específicas ou esperando que outres estejam pensando em um conjunto de linguagem específico, a pessoa pode dizer que quer que usem -/éli/e, le/ile/e, ê/elu/e, i/ili/i e/ou afins para que outres falem dessa pessoa.
  3. A possibilidade de “misturas” que não são possíveis dando nomes específicos a gêneros gramaticais distintos. Por exemplo, uma pessoa pode querer que outres se refiram a ela usando e/ela/e, que envolve elementos da neolinguagem no artigo e na flexão, enquanto o pronome está previsto pela língua portuguesa. Também é possível expressar uma preferência por evitar certos elementos mas não outros, como em -/ilo/- (sem artigo, pronome ilo, finais de palavra devem ser contornados) ou -/-/e (sem artigo, sem pronomes pessoais, final de palavra e).
  4. A expressão explícita de quaisquer elementos com os quais cada pessoa se sente confortável sem que eles precisem de algum guia específico ou de popularidade suficiente para que sejam inferidos outros elementos. Alguém que sabe usar artigo/pronome/final de palavra vai saber usar tanto a/ela/a e ê/elu/e quanto xy/yx/y e -/♥/uil.
  5. A utilização de um modelo pensado especificamente para as particularidades da língua portuguesa, que não centraliza o pronome como eixo principal e único ou contém informações redundantes. (Apesar de a/ela/a e o/ele/o, os conjuntos impostos pela língua padrão, repetirem artigo e flexão, é muito comum que usuáries de neolinguagem não queiram usar artigos idênticos às suas flexões.)

 

Cada elemento é explicado em detalhes abaixo:

 

Artigo

O artigo, neste contexto, indica o que vai na frente do nome, ou de outro substantivo que está substituindo um nome. Por exemplo:

  • A Joana vem aqui hoje.
    O artigo utilizado para Joana na frase acima é a.
  • Alguém viu ê Iara hoje?
    O artigo utilizado para Iara na frase acima é ê.
  • Le Kaká é jornalista.
    O artigo utilizado para Kaká na frase acima é le.
  • O colega ali me emprestou sua caneta.
    O artigo utilizado para colega na frase acima é o.
  • Já falei para y designer refazer essa parte.
    O artigo utilizado para designer na frase acima é y.

Ou seja, o artigo, no contexto do modelo APF, não modifica nomes ou outras formas de se referir a cada pessoa, sendo assim um elemento quase sempre usado de forma isolada. Em relação a como lidar com contrações, plurais e artigos indefinidos, a página sobre neoartigos traz detalhes para quem estiver interessade em se aprofundar no assunto.

Quando alguém não quer que nenhum artigo seja usado para si (ex.: pessoas cujos conjuntos são -/-/-, -/ela/a, -/éli/e ou afins), é só cortar o artigo fora nos casos onde ele seria utilizado. Por exemplo, se Léo não usa nenhum artigo, referências a Léo devem ser feitas usando só “Léo”, “colega”, “estudante” ou afins, ao invés de “a Léo”, “ê colega”, “o estudante” ou afins. Tal preferência não afeta palavras que já possuem conjuntos associados a si: por exemplo, tudo bem dizer “Léo é a pessoa que me ofereceu carona“, porque, gramaticalmente, o artigo a está sendo utilizado para a palavra pessoa, e não para Léo em si.

 

Pronome

O pronome, neste contexto, indica apenas o que substitui o nome. Por exemplo:

  • Acho que ela ainda não saiu pra trabalhar.
    O pronome usado para a pessoa que ainda não saiu para trabalhar na frase anterior é ela.
  • Li o último livro dele hoje. Achei muito bacana!
    O pronome usado para se referir à pessoa que escreveu o livro é ele. Dele é uma contração da preposição de e do pronome ele.
  • Bah, eu não pensava nelu faz tempo.
    O pronome usado para se referir à pessoa que foi temporariamente esquecida é elu. Nelu é uma contração da preposição em e do pronome elu.
  • Mari faz aniversário hoje. Ile tá fazendo 30 anos.
    O pronome usado para se referir a Mari é ile.
  • Aquily ali é Noel.
    O pronome usado para se referir a Noel é ily. Para o propósito do modelo APF, ainda que palavras como aquela e aquele não sejam contrações, palavras derivadas dessas usam o pronome como base. Assim, alguém que usa o pronome ele seria referide como aquele, alguém que usa o pronome ilo seria referide como aquilo e por assim vai, independentemente dos outros elementos do conjunto.

É importante ressaltar que os pronomes, dentro do modelo APF, se resumem a estes usos apontados acima, e outros similares: usos onde as palavras originais são derivadas de ela e ele. Dentro deste modelo, quaisquer pronomes – sejam eles ela, ele, éli, elu, ila, ile, ilo ou outros quaisquer – não estão inferindo quaisquer finais de palavra ou artigos específicos.

Quando alguém não quer que nenhum pronome seja usado para si (ex.: pessoas cujos conjuntos são -/-/e, -/-/-, y/-/y ou afins), contornos podem ser feitos utilizando o nome da pessoa, ou alguma outra descrição que possa ser usada no lugar do nome. Por exemplo, se Órion não usa nenhum pronome, referências a Órion são sempre feitas usando seu nome, como em “essa revista é de Órion; eu tenho que devolvê-la para Órion amanhã“.

Temos uma página específica sobre neopronomes, para quem estiver interessade em detalhes gramaticais sobre no que se baseia cada tipo de pronome e contração envolvendo pronomes.

 

Final de palavra, flexão ou terminação

Neste contexto, tais termos tratam-se do que se coloca ao final de palavras que, na gramática tradicional, consideram-se flexionados na base do gênero, mas de forma que não remete a pronomes pessoais e que não são elementos isolados (como são os artigos definidos). Isso ocorre independentemente das classes gramaticais de tais palavras. Por exemplo:

  • Paz é minha amiga.
    A flexão usada para Paz é a.
  • Quim é não-bináriae e transmasculinae.
    A flexão usada para Quim é ae.
  • I Roberto é não-binárie e usa i/éli/e. Faz sentido chamá-le para seu grupo de artistas cisdissidentes, visto que éli é ume fotógrafe.
    A flexão usada para Roberto é e.
  • O Saturno está estudando para ser médiquim. É por isso que il se esforça para ser umim boim alunim.
    A flexão usada para Saturno é im. É possível notar que, para manter a coerência na sonoridade entre médica/médico e médiquim, a última sílaba é acompanhada de qu ao invés de c. Isto ocorre em quaisquer flexões que começam com as letras E ou I, e é possível ler sobre esta e outras adaptações similares no final deste guia para a utilização de e/elu/e como linguagem genérica/neutra.
  • Meu tio é um pintor maravilhoso!
    A flexão usada para tal tio é o. Mesmo dentro do modelo APF, presume-se que pessoas utilizando a flexão o irão optar por ser referidas com o tratamento padrão associado com tal flexão (meu, um, pintor) ao invés de formatar tais palavras de formas coerentes com as outras flexões (minho, umo, pintoro). Até o momento, não existe forma de sinalizar uma preferência por essa segunda forma de interpretar a flexão, embora a utilização da flexão u ou da flexão w sejam opções viáveis para quem se importa mais com emular o som de tais palavras do que com como elas são escritas.

Alguns pontos importantes que quero ressaltar:

  1. O conceito do final de palavra foi feito para ser utilizado em quaisquer situações que não envolvem flexões baseadas (ou aparentemente baseadas) no pronome pessoal ou que são partículas isoladas. Isso significa que não se resume a adjetivos, a substantivos e/ou a pronomes: alguém que usa lé/ilé/é deve ser referidé usando as palavras umé (ao invés de um/uma/umlé), (ao invés de da/do/dlé), pelé (ao invés de pela/pelo/pellé/pilé), pré (ao invés de pra/pro/prlé) e minhé (ao invés de meu/minha). Obviamente, cada pessoa pode, se quiser, especificar caso queira algo diferente em relação a um desses elementos, mas, se não houverem especificações, é assim que tais palavras se flexionam.
  2. Como já deu para perceber, palavras onde não há nenhuma letra final associada com a flexão o mas onde há uma letra final associada com a flexão a são flexionados quando neoflexões estão envolvidas. Por exemplo, alguém cuja flexão é e deve ser referide por palavras como ume, pintore, professore, trabalhadore ou afins, ao invés de suas versões associadas com a flexão o.
  3. Flexões não afetam nomes próprios (Ana, Bernardo, Caim, Dani, etc. não indicam ou são afetados por flexões), palavras que não são flexionadas dentro da língua padrão (artista, colega, estudante, homem, mulher, bissexual, etc.) ou descrições que giram em torno de palavras que já possuem conjuntos fixos [anjo (o/ele/o), amizade (a/ela/a), pessoa (a/ela/a), ser (o/ele/o) e muitas outras].

Caso alguém não queira que nenhuma flexão seja utilizada para si (ex.: pessoas cujos conjuntos são -/ilo/-, u/elu/-, -/-/- ou afins), contornos devem ser feitos usando palavras que já possuem atribuições específicas dentro da língua padrão e/ou palavras que não possuem flexões. Frases como “Tales é uma amizade muito querida pra mim” e “Úrsula, a pessoa que foi contratada mês passado, é um anjo” não determinam finais de palavra, por usarem apenas flexões associadas às palavras amizade, pessoa e anjo, respectivamente.

Pessoas que quiserem saber mais sobre como se lida com neoflexões nos casos de palavras mais irregulares do que as descritas podem conferir o final deste guia de linguagem neutra universal.

 

“Códigos” que podem ser usados dentro do modelo artigo/pronome/final de palavra

 

Como já se mencionou acima, o traço é utilizado para indicar que é pra anular ou contornar o uso de algum elemento.

 

Mais de um elemento no mesmo espaço

Por favor, evite escrever algo como le/el/elae/ael/ae/e/el! Caso queira expressar o uso de múltiplos elementos, opte por separar os conjuntos (ex.: le/elae/ae, el/ael/el, le/ael/e) e/ou por usar vírgulas (ex.: [le, el]/[elae, ael]/[ae, e, el] ou le/elae/[ae, e] e el/ael/el). Parênteses, colchetes e chaves podem ser caracteres utilizados para mostrar que tais elementos ainda fazem parte do (mesmo) conjunto, ao invés de estarem separados.

 

(q), (qlqr), (qqr.), etc.

Referenciam o uso de um elemento qualquer. Assim, alguém que coloca em seu perfil que seu conjunto é -/(q.)/(q.) não quer que artigos sejam usados para si e não se importa com o uso de quaisquer pronomes ou flexões, podendo ser chamade de moça/moço/moçae/moçu/etc., referide por pronomes ael/el/ela/ele/elu/il/ila/ile/ilu/qualquer outro e por assim vai.

 

(r), (rot.), (rtt), etc.

Referenciam a rotatividade de um elemento. Caso não especifique, a pessoa não vai se importar com o uso de algum elemento específico, desde que fique trocando o elemento usado na medida do possível. Por exemplo, alguém que se chama Wal e que usa (rtt.)/ile/e vai querer que outra pessoa varie entre falar dile como a Wal, ê Wal, li Wal, o Wal, y Wal, ze Wal e afins.

 

Como aplico isso na prática?

É importante se acostumar com as categorizações artigo, pronome e flexão como separadas, assim como saber entender que palavras realmente são afetadas pelos conjuntos de linguagem envolvidos. Um truque para se acostumar com entender onde ocorrem as aplicações de elementos é tentar passar frases de a/ela/a para o/ele/o, ou vice-versa:

Aquela menina é a Vivi. Ela é minha aluna.

Aquele menino é o Vivi. Ele é meu aluno.

Neste exemplo, as palavras que mudaram são aquela/aquele, menina/menino, a/o, ela/ele, minha/meu e aluna/aluno. Então, para aplicar o conjunto -/elu/e, analisa-se quais seriam os equivalentes a cada uma dessas palavras em tal conjunto:

  • Aquela/aquele remete aos pronomes ela e ele. Portanto, o pronome elu deve ser aplicado: aquelu.
  • Menina/menino diferenciam na flexão, a/o. Portanto, a flexão e deve ser aplicada: menine.
  • A e o são elementos isolados usados na frente do nome: eles não terminam outras palavras, sendo palavras por si só. Portanto, são artigos, e não flexões. Como o conjunto -/elu/e não possui artigo, este é apagado da frase.
  • Ela/ele são pronomes pessoais. Portanto, é só aplicar o pronome elu.
  • Minha/meu indicam uma flexão. A palavra meu não contém a flexão o, então utiliza-se minha como base para aplicar a neoflexão e: a palavra resultante é minhe.
  • O caso de aluna/aluno é igual ao caso de menina/menino. Aplicando-se a flexão e, a palavra resultante é alune.

A frase final fica assim:

Aquelu menine é Vivi. Elu é minhe alune.

Tire da cabeça a ideia de que é possível presumir a linguagem pessoal alheia, uma noção que afeta negativamente pessoas que não se encaixam dentro de tal norma. Acostume-se com usar frases que não marcam a linguagem alheia, a não ser que ela tenha sido explicitada anteriormente.

Para quem quiser testar a aplicação do modelo APF de forma interativa, existem os seguintes recursos:

  • O testador de conjuntos do Orientando consegue, de forma rudimentar, aplicar diversos artigos, pronomes e finais de palavra.
  • Teste sobre conjuntos de linguagem pergunta sobre a aplicação prática de vários conjuntos diferentes.
  • Teste um Conjunto deixa que você escolha um artigo, um pronome e um final de palavra e testa a aplicação de tal conjunto em várias situações.

Para quem quiser ler mais sobre o assunto, nosso portal de neolinguagem contém vários links sobre neolinguagem e conjuntos de linguagem.

Para quem quiser ler explicações alternativas sobre o modelo APF, os seguintes links contém mais guias: