Um espaço de aprendizagem

Neoflexões

Neoflexões, neoterminações ou neofinais se referem ao conceito de flexão, terminação ou final de palavra proposto dentro do modelo artigo/pronome/flexão. Ao contrário de neoartigos e de neopronomes, neoflexões estão presentes em várias classes gramaticais diferentes, e são a resposta da neolinguagem para o que se chama de desinência nominal indicadora de gênero, além de possivelmente atuar também em contrações para substituir artigos (a página neoartigos fala sobre isso).

Mesmo levando em consideração a noção de “indicação de gênero” como separada tanto das noções de que estes são um gênero gramatical “feminino” e um “masculino” quanto do conceito de identidade de gênero de forma geral, a ideia de gênero gramatical serve para unificar elementos de conjuntos, incluindo o artigo e o pronome. Por conta das preferências diversas das pessoas não-conformistas de linguagem, que podem não indicar uma uniformidade entre finais de palavra, artigos definidos e pronomes pessoais retos (e possivelmente outros elementos também), a posição desta página é a de não adotar o termo que a gramática normativa usa para descrever finais de palavra.

A intenção desta página é mostrar como a gramática funciona quando a neolinguagem é aplicada a ela. Isso tem seus pontos em comum com o ensino da língua portuguesa padrão. Porém, é importante também não desinformar pessoas quanto a conceitos que podem ser similares, mas que não são iguais.

Enfim, não há a necessidade de memorizar todas as informações desta página para começar a usar neolinguagem, tanto como linguagem genérica quanto como a linguagem pessoal de alguém. Esta página serve para mostrar como lidar com casos específicos que não são necessariamente comuns e que quando são podem ser inferidos em interações com outras pessoas. Ela serve para saciar a curiosidade e a vontade de aprender daquelus que querem se aprofundar no assunto, enquanto quem quer só um guia simples pode encontrar um aqui ou aqui.

Já existem diversos lugares focando em como se usa a neoflexão e ou oferecendo opções que funcionam para quaisquer neoflexões, como a Lista de neologismos de Blogue Alternative e o Guia pró-neolinguagem de linguagem neutra universal aqui do Orientando. Pessoas que querem usar uma neoflexão mais diferenciada podem escolher por deixar no ar quais seriam as melhores formas de aplicá-las, ou podem fazer guias próprios explicitando suas preferências ou ausências de preferência, como faz este guia para usar os conjuntos de linguagem pessoal dy Aster.

O tamanho e a complexidade desta página é por conta dela tentar cobrir o maior número de casos possíveis, mesmo os que seriam fáceis de contornar. Além disso, tem a questão de não existir uma só resposta correta ou mais popular em vários desses casos.

Embora esta página possa ser consultada somente para pesquisar por casos específicos, ou lida pulando itens desinteressantes ou que podem parecer complexos demais, saiba que cada item desta página foi escrito tendo em mente que as informações disponibilizadas mais em cima já foram absorvidas.

 

Neoflexões em seu caso básico

Antes de complicar, é importante ressaltar que neoflexões geralmente podem ser aplicadas de forma simples: palavras terminadas em a ou o passam a ter alguma neoflexão ao invés de tais letras. Por exemplo:

  • Aluna/aluno com flexão ãalunã;
  • Menina/menino com flexão emenine;
  • Não-binária/não-binário com flexão elnão-bináriel;
  • Próxima/próximo com flexão ipróximi;
  • Rápida/rápido com flexão umrápidum.

Na dúvida sobre como se aplica a flexão de alguém, é possível “chutar” utilizando este método, não mudando mais nada na palavra além de uma substituição simples de uma letra A e/ou de uma letra O a fim de aplicar a neoflexão desejada. Porém, em vários casos, é possível se aprofundar e decidir por escrever e/ou pronunciar certas palavras de outras formas, muitas das quais serão mostradas no decorrer desta página.

 

Casos onde flexões não são aplicadas

  • Flexões não devem ser aplicadas a nomes, e não precisam derivar de nomes. Alguém que se chama Daniele pode utilizar a flexão a sem que isso torne seu nome Daniela (Daniele é uma boa professora é uma frase que só utiliza a flexão a para Daniele). Da mesma forma, Daniele não é um nome obrigatoriamente associado com a flexão e.
  • No modelo APF, artigo, pronome e flexão são elementos separados que não se afetam. Alguém usando pronome ela ou ila não precisa usar a flexão a. Alguém usando pronome ele ou ile não precisa usar a flexão e. Nenhum pronome tem a obrigação de deixar alguma flexão específica implícita, não importa o quanto esteja dentro ou fora da normatividade.
  • Embora pessoas possam querer flexionar certas palavras por razões políticas, quando se trata apenas de respeitar a linguagem pessoal de alguém ou de usar neolinguagem como linguagem genérica/neutra, palavras já associadas com a/ela/a e o/ele/o permanecem sendo associadas com tais conjuntos. Por exemplo: se ume menine não-binárie tem uma caneta, tal caneta ainda é uma caneta, e não ume canete. Seu telefone ainda é seu telefone, e não sue telefone. Da mesma forma, é possível dizer que alguém é uma pessoa não importando a sua linguagem pessoal, porque a palavra pessoa é sempre associada com a/ela/a (exemplo: elu é uma pessoa não-binária que usa ê/elu/e).
  • Embora, novamente, certas palavras passem a ser flexionadas por razões políticas, existem palavras que não flexionam, mas que não possuem conjuntos associados a elas. Geralmente são palavras terminadas na letra L (como adorável e original), em -nte (como diferente e viajante) ou em -ista (como cartunista e motorista). Ou seja, minhu amigu é umu artista iniciante é uma frase que só utiliza a flexão u, mesmo que as palavras artista e iniciante se refiram diretamente a tal amigu.

De forma geral, se uma palavra não muda entre as flexões normativas (a/o), ela não vai mudar quando aplicada a uma neoflexão.

 

Neoflexões com pronúncias peculiares

Em geral, não se recomenda a utilização de caracteres feitos apenas para textos em conjuntos de linguagem. Programas que leem telas podem acabar lendo o nome de cada caractere ao invés de pular tais caracteres (@ como arroba, por exemplo), alongando textos desnecessariamente. Mesmo assim, existem ambientes privados onde usar tais caracteres não vai incomodar ninguém.

Muitas consoantes seguidas também podem dificultar o entendimento de quem usa programas que leem telas. Dito isso, a letra Y no meio de outras palavras parece ser simplesmente lida como I sem muitos problemas, e palavras que tendem a ser fáceis de pronunciar em voz alta tendem a não dar problemas para vozes automatizadas.

 

Caracteres não pronunciados

É possível considerar que os caracteres x, *, @, #, /, e , que a princípio devem estar sendo utilizados a fim de “anular” ou “cortar” graficamente as flexões normativas, não são pronunciados. Isto é, a pronúncia de queridx e de querid* é a mesma de querid. Há pessoas que usam pronúncias alternativas para um ou alguns desses caracteres, então pode ser relevante perguntar sobre a pronúncia para quem usa tais caracteres como parte de suas linguagens pessoais.

 

Caracteres incomuns, mas pronunciáveis

Neoflexões que são consoantes além da letra X devem ser, em geral, tratadas como pronunciáveis. Pode ser possível pedir para que a pessoa forneça uma neoflexão alternativa caso hajam dificuldades de pronunciação, mas palavras como moçd (moça/moço, mas com a flexão d) e meninv (menina/menino, mas com a flexão v) não devem ser tratadas como “apenas para uso em texto” só por requererem pronúncias que não são comuns na língua portuguesa.

As letras Y e W geralmente são usadas com as mesmas pronúncias de I e U, respectivamente. Porém, é possível que hajam pessoas que prefiram pronúncias diferentes para elas.

Finalmente, alguns caracteres são comumente usados para substituir letras ($ ou 5 = S, 3 = E, 4 = A, 0 = O, 1 = I são alguns exemplos). É possível que seja assim que tais caracteres sejam pronunciados quando fazem parte de conjuntos. Porém, também é possível que tais conjuntos tenham sido pensados apenas para uso em textos.

 

Outros caracteres

Muitos caracteres simplesmente não possuem pronúncias que podem ser deduzidas. É possível que algumas pessoas deem pronúncias próprias para eles, ou que sejam flexões pensadas apenas para ser usadas em textos.

 

Reflexões sobre a acentuação com base em sílabas tônicas

Para que este trecho faça sentido eu vou ter que revisar algumas definições e regras da língua portuguesa:

 

Definições

  • Sílabas são partes de palavras que são ditas de uma só vez. Palavras como mês e céu possuem uma sílaba cada. Palavras como uva e minha possuem duas (u-va, mi-nha). Palavras como árvore e lavanda possuem três (ár-vo-re, la-van-da). Não há limite de número de sílabas para palavras, mas…
  • …a sílaba tônica – isto é, a sílaba mais forte em uma palavra – é sempre uma das três últimas sílabas.
  • Til (~) não é acentuação, e sim sinal gráfico. É importante saber disso pra entender alguns casos nas próximas regras.

 

Regras

  • Palavras oxítonas – aquelas cuja sílaba tônica é a última – são acentuadas apenas quando terminadas em a(s), e(s), o(s) ou em(ns). É por isso que a palavra cajá é acentuada, enquanto a palavra caju não é. Sinceramente, esta regra acaba sendo mais importante para falar de neopronomes, porque grande parte das palavras oxítonas com finais de palavra flexíveis já caem em outros casos que precisam ser especificados (como má/mau e vó/vô). A exceção principal é a abertura para a possibilidade de neoflexões acentuadas, como é (aluné, meniné) ou ó (alunó, meninó).
  • Palavras paroxítonas – aquelas cuja sílaba tônica é a penúltima – são acentuadas quando terminadas em ã(s), ão(s), i(s), l, n, r, ps, um(ns), us, x ou ditongos (mais de uma vogal seguida na mesma sílaba: a palavra série termina com o ditongo ie, enquanto a palavra dilúvio termina com o ditongo io).
  • Palavras proparoxítonas – aquelas cuja sílaba tônica é a antepenúltima – são sempre acentuadas.
  • Esta geralmente não é uma regra associada com sílabas tônicas, mas, quando em sílabas tônicas, os ditongos éu, éi e ói (acompanhados ou não de S) são acentuados quando oxítonas (como em escarcéu, papéis e herói) e não acentuados quando paroxítonas (como em ideia e heroica). Isso vai ser relevante em alguns casos específicos mais pra frente, mas também pode ser interessante ter em mente em casos onde deseja-se usar éi(s)/éu(s)/ói(s) como flexões.

 

Consequências

Em relação a como isso afeta neoflexões não acentuadas, isso significa que palavras como menini, meninie e meninel (que usam as flexões i, ie e el, respectivamente) precisam ou ser acentuadas (meni) ou tornar-se oxítonas (menini) para que permaneçam dentro das normas de acentuação da língua.

Há a defesa de que tornar as palavras oxítonas seja mais coerente para enfatizar a diferença entre, por exemplo, menine (menine) e menini (menini); mesmo assim, acredito que seja uma questão arbitrária pela qual cada pessoa pode se decidir. E, caso palavras como arquiteti e lindi passem a ser oxítonas, palavras como ótimi e últimi deveriam então perder suas acentuações para tornar-se oxítonas? É algo a se pensar também.

  • Exemplos com a flexão ã que mantém a pronúncia original das palavras: a, costurêi, me, namo, pidã, últimã;
  • Exemplos com a flexão ã que tornam as palavras oxítonas: alu, costurei, meni, namora, rapi, ulti;
  • Exemplos com a flexão el que mantém a pronúncia original das palavras: anel, costurêirel, menel, namodel, pidel, últimel;
  • Exemplos com a flexão el que tornam as palavras oxítonas: alunel, costureirel, meninel, namoradel, rapidel, ultimel;
  • Exemplos com a flexão i que mantém a pronúncia original das palavras: ani, costurêiri, meni, namodi, pidi, últimi;
  • Exemplos com a flexão i que tornam as palavras oxítonas: aluni, costureiri, menini, namoradi, rapidi, ultimi;
  • Exemplos com a flexão oa que mantém a pronúncia original das palavras: anoa, costurêiroa, menoa, namodoa, pidoa, últimoa;
  • Exemplos com a flexão oa que tornam as palavras oxítonas: alunoa, costureiroa, meninoa, namoradoa, rapidoa, ultimoa.

Também é possível apontar que vários casos possíveis de neoflexões simplesmente não são previstos pela língua portuguesa. Letras como Z, Y, W, V, U e S (dependendo do caso) acabam não se encaixando nem nos casos que são acentuados em palavras oxítonas e nem nos que são acentuados em palavras paroxítonas. Qual a sílaba tônica de meniny (flexão y)? É possível argumentar que a mesma regra da letra I deve ser seguida, assim como também é possível argumentar que se não há regra explícita de acentuação, não faz sentido acentuar a palavra independentemente de sua pronúncia. A língua padrão não fornece resposta, e também não há pessoas suficientes usando tais flexões para ter sido elaborado um consenso popular.

Além disso, finais de palavra não pronunciados ou pronunciados como consoantes reduzem o número de sílabas, mudando em qual posição está a sílaba tônica. Por exemplo, medics (médica/médico, mas com a flexão s) deixa de ser proparoxítona para tornar-se uma paroxítona terminada em cs, a qual não está prevista como acentuada. Caso alguém use algum final que adicione mais sílabas (como ete ou inhe), a mudança de lugar da sílaba tônica também ocorre: ao invés de ótima/ótimo, temos otimete/otiminhe, por exemplo. Aliás, embora seja possível especificar algo diferente, é possível que tanto os finais ete como inhe acabem empurrando todas as palavras para a posição de paroxítonas.

Enfim, é provável que este seja um dos motivos pelas quais a neoflexão e seja mais popular do que outras, visto que ela usa as mesmas regras de acentuação das flexões a e o. Dito isso, neoflexões acentuadas acabam descomplicando a questão por tornarem todas as palavras oxítonas, e, tecnicamente, letras como W, Y e Z nem estão inclusas em quaisquer regras de acentuação que especificam letras, podendo assim dispensar tais acentuações.

 

Neste guia, a fim de oferecer alguma consistência (embora outras pessoas estejam livres para especificar suas linguagens pessoais ou genéricas com funcionamentos diferentes), serão feitas as seguintes presunções daqui por diante:

  1. Flexões terminadas em ã, i, u, w, y, ou em vogais ou caracteres com sons de vogais acompanhados de outros caracteres pronunciáveis (ae, ão, el, inhe, om, uw, yl, woa, etc.), serão tratadas como flexões que “puxam” as sílabas tônicas para si (ex.: meninil, otimil, meninie, otimie, meni, oti);
  2. Flexões terminadas apenas em sons de consoantes, ou que não são pronunciadas, podem ou manter ou diminuir o número de sílabas (dependendo se a palavra original terminava ou não em ditongo). A acentuação será feita somente quando as regras da gramática tradicional pedirem isso, independentemente da letra final ser ou não ser pronunciada (ex.: não-birix, rix, dicx, meninx; não-binariz, seriz, medicz, meninz).

 

Sobre acentuação de hiatos

Enquanto ditongos ocorrem quando duas vogais juntas estão na mesma sílaba, hiatos ocorrem quando duas vogais juntas estão em sílabas diferentes. As duas últimas letras em atrai (a-trai) são um ditongo, enquanto as mesmas letras em atraí (a-tra-í) são um hiato.

Na língua portuguesa padrão, a segunda parte de um hiato, caso seja composta somente por i(s) ou u(s) e não seja seguida por nh, precisa ser acentuada [como em baú (ba-ú) e saída (sa-í-da)]. Esta regra será relevante principalmente para quem usa as flexões i, is, u ou us, e deseja trazer para tais flexões a sílaba tônica de cada palavra, mas, mesmo assim, tal acentuação será necessária somente na formação de hiatos:

  • gêmea/gêmeogemeí (flexão i)
  • inócuas/inócuosinocuís (flexão is)
  • não-binária/não-binárionão-binariú (flexão u)

Esta seção pode ser ignorada por quem não quer transformar palavras com as flexões i(s) e u(s) em oxítonas: em gêmei, inócui e não-bináriu, as letras finais formam ditongos, e as palavras são acentuadas como paroxítonas terminadas em ditongos.

 

Lidando com polissemia

Algumas palavras na língua portuguesa – mesmo na língua portuguesa padrão – possuem significados diferentes. Por exemplo:

  • Escolhi a Ana“, “Beto a convidou” e “Cecil foi a um bar” são três usos diferentes da palavra “a“. Dá pra notar que as frases “escolhi Ana“, “Beto convidou ela” e “Cecil foi para um bar” possuem basicamente os mesmos significados (embora o pronome oblíquo a nem sempre concorde com um pronome reto ela dentro do modelo APF), mas as substituições de cada frase não fazem sentido ao serem aplicadas a cada uma das outras frases;
  • O salão de festas contém cem bancos” e “só tenho contas em dois bancos” são dois significados diferentes da palavra banco. Ainda que tenham a mesma classe gramatical, é possível inferir por cada contexto que a primeira frase se refere a móveis onde é possível se sentar e a segunda se refere a empresas que guardam dinheiro de sues clientes;
  • Dadá não para de me ligar” e “Ezra ligou para mim” são duas frases envolvendo ligações e a palavra para, mas a primeira palavra para se trata de uma conjugação do verbo parar, enquanto a segunda é uma preposição indicando uma direção da ação (ao invés da ação em si).

Algumas pessoas tentam eliminar a polissemia da neolinguagem, justificando tal esforço como uma forma de não confundir pessoas que são novas no assunto. Porém, isso acaba complicando a estrutura de cada palavra, quando seus sentidos distintos são interpretáveis dentro da maioria dos contextos. Por exemplo:

  • Senti aquilo na pele” e “soube do grupo pele Fabiane” (na segunda frase, pele é a versão com flexão e de pela/pelo);
  • Ila é fotografia” e “preciso editar esta fotografia” (na primeira frase, fotografia se refere a uma pessoa que usa o pronome ila e a flexão ia);
  • a elu um adesivo” e “este adesivo é Gabi” (na segunda frase, utiliza ê como flexão).

 

Lidando com possíveis repetições de letras

Embora isso possa acontecer com quaisquer neoflexões (e esta seção é aplicável a todas), aquelas envolvendo vogais são mais comuns, e por isso serão estes os exemplos mostrados aqui. Há três possibilidades de como se lidar com a situação:

  1. Supressão da letra repetida: gêmea/gêmeo com flexão egeme; não-binária/não-binário com flexão inão-binari; inócua/inócuo com flexão uinocu;
  2. Repetição da letra: gêmea/gêmeo com flexão egemee; não-binária/não-binário com flexão inão-binarii; inócua/inócuo com flexão uinocuu ou inocuú;
  3. Troca da letra anterior para uma de som parecido, para que a flexão seja destacada: gêmea/gêmeo com flexão egêmie; não-binária/não-binário com flexão inão-binárei ou não-binareí; inócua/inócuo com flexão uinócou ou inocoú.

 

Neste guia, a fim de oferecer alguma consistência (embora outras pessoas estejam livres para especificar suas linguagens pessoais ou genéricas com funcionamentos diferentes), serão feitas as seguintes presunções daqui por diante:

  1. A flexão e, no lugar de ser repetida, resultará nas duas letras finais -ea/-eo sendo trocadas por -ie (gêmie, contemporânie);
  2. A flexão x será repetida, já que foi feita especificamente para substituições fáceis (bruxx, prolixx);
  3. Outras flexões terão letras extras cortadas (flexão elgemel, flexão inão-binari, flexão sindefês, flexão uinocu);
  4. Caso a ausência de letra extra demonstre uma palavra igual a uma associada com um dos gêneros gramaticais normativos (exemplos no próximo item), haverá a presença de uma letra extra (flexão unuú, flexão zjuizz). Em casos como nuú, um hiato está sendo formado (ou seja, há uma separação das vogais entre sílabas diferentes da forma nu-ú, assim como em ba-ú) para facilitar a diferenciação oral de uma letra U que estiver simplesmente sendo alongada.

 

Lidando com -um/-uma, -or/-ora, -iz/-iza, -u/-ua e casos similares

Se, dentro da gramática normativa, uma das palavras termina com o chamado morfema zero/Ø (que é mais ou menos um jeito formal de apontar a ausência de uma letra em oposição à presença de tal letra em outra versão da palavra) enquanto a outra palavra termina com alguma letra formalizada como flexão (geralmente a), a solução é colocar a neoflexão no lugar do morfema zero e da flexão normativa:

  • algum (flexão o); alguma (flexão a); algumel (flexão el); algumu (flexão u); algumy (flexão y);
  • juiz (flexão o); juíza (flexão a); juizã (flexão ã); juizam (flexão am); juíze (flexão e);
  • nu (flexão o); nua (flexão a); nuen (flexão en); nuú (flexão u); nuz (flexão z);
  • trabalhador (flexão o); trabalhadora (flexão a); trabalhadore (flexão e); trabalhadorim (flexão im); trabalhadoroa (flexão oa);
  • um (flexão o); uma (flexão a); umae (flexão ae); umé (flexão é); umw (flexão w);
  • vereador (flexão o); vereadora (flexão a); vereadori (flexão i); vereadorie (flexão ie); vereadors (flexão s);

 

Lidando com -as/-es e -a/-e (onde a letra E é usada como coerente com a flexão o)

Se pessoas não estão deixando de usar termos como pintores e professores para descrever plurais de pintor e professor, não há sentido na utilização desses termos como idênticos quando se trata de caracterizar formas plurais das palavras pintore e professore. Uma coisa é se essas pessoas passarem a utilizar pintoros e professoros, mas, se isso não acontece, o que há aí é uma generalização de o/ele/o como um conjunto padrão e/ou a ausência de ousadia de usar neolinguagem de forma coerente assim que ela fica “estranha” ou “difícil”.

A maneira de lidar com a situação é substituindo a letra E por alguma outra coisa. Algumas das possíveis substituições são:

  • ie sem acentuação (eleitories, pintories, redatories). Esta opção já aparece no guia da Espectrometria Não-Binária, publicado em 2014, e a motivação dita foi a similaridade ao final da palavra não-binárie. Ainda que seja bastante adotada, é comum haver a dificuldade em pronunciar tais palavras como diferentes das associadas com a forma plural da flexão o.
  • ie com acentuação (mais comumente: eleitóries, pintóries, redatóries). Esta opção não só puxa a opção para dentro das regras de acentuação tônica, como também diferencia o som de tais palavras. Pessoas cujo sotaque já pronunciam eleitores, pintores, etc. com a letra O aberta (ó) devem optar pelo acento circunflexo (eleitôries, pintôries, redatôries).
  • ê ou (eleitorês, pintorês, redatorês; eleitoriês, pintoriês, redatoriês). Estas alternativas mantém e ou ie, mas tornam as palavras oxítonas, mudando o som em relação às formas normativas.
  • i ou y (eleitoris, pintoris, redatoris; eleitorys, pintorys, redatorys). Estas alternativas, quando usadas em concordância com a flexão e, provavelmente se baseiam em tentar achar letras/pronúncias diferentes mas sem adicionar acentuação e/ou letras extras.
  • u (eleitorus, pintorus, redatorus ou eleitôrus, pintôrus, redatôrus). Em geral, esta alternativa é baseada em uma suposta concordância com o neopronome elu. Embora, na maioria dos casos, essas formas plurais estejam sendo usadas para se referir a pessoas com múltiplos pronomes diferentes, dentro de um contexto onde e/elu/e, ê/elu/e ou conjunto similar esteja sendo usado como genérico, talvez esta não seja a melhor alternativa quando se trata de falar de pessoas com neopronomes diferentes mas que usam a flexão e (por exemplo, um trio onde uma pessoa usa -/ila/e, outra usa ze/elz/e e outra usa e/éli/e), quando existem outras alternativas que possuem sons mais similares com a flexão e e que assim não usam a lógica de um pronome genérico quando se está falando de uma flexão não relacionada com pronome.

 

Neste guia, a fim de oferecer alguma consistência (embora outras pessoas estejam livres para especificar suas linguagens pessoais ou genéricas com funcionamentos diferentes), serão feitas as seguintes presunções daqui por diante:

  • Palavras como autóries e presidéntie são associadas à neoflexão e;
  • A flexão ie, como já estava sendo usada como uma flexão que puxa a sílaba tônica para si, não resultará em acentuação, mas resultará em mudanças de som em comparação com as versões das palavras que estão associadas com a flexão o e sua forma plural (autories, presidentie).

 

Lidando com mudanças entre a letra O aberta ou fechada de acordo com a flexão

Há palavras que não mudam simplesmente a flexão, mas também uma letra O anterior. Por exemplo:

  • sogra/sogro;
  • senhor/senhora;
  • amorosa/amoroso, carinhosa/carinhoso, cautelosa/cauteloso, manhosa/manhoso, ociosa/ocioso, pretensiosa/pretensioso, receosa/receoso e outros adjetivos terminados em -osa/-oso;
  • canhota/canhoto;
  • morta/morto;
  • nova/novo.

Esta troca entre sons é chamada de metafonia. É um fenômeno que também acontece com certos plurais (como em porco/porcos) ou polissemias (“eu te olho“/”meu olho dói“).

Algumas propostas para lidar com metafonia ao usar neoflexões:

  • A utilização da letra U para substituir a letra O, proposta publicamente por Oltiel em 2020. Assim como a letra I pode ser usada em pronomes como ilae e ilu para que haja uma rejeição completa da escolha entre uma letra E aberta ou fechada (de pronomes como ela e ele), a letra U oferece um som que remete o da letra O, mas que ao mesmo tempo é diferente. Assim, palavras usando neoflexões resultariam em sugrã, senhure, amorusi, canhutu, murty, nuvz e afins.
  • A utilização da letra O como aberta ao ser tônica e fechada ao não ser, a qual pode ser interpretada como uma aderência a como várias palavras já funcionam (nove, celulose, cordel, corri, orei, podia; pode-se contrastar tais palavras com novo, guloso, corda, corre, hora e poda). Por conta da neoflexão mais comum ser e, associar tal flexão com uma letra O aberta nesses contextos pode também ser uma tentativa de ir contra o que se faz no conjunto o/ele/o, o qual é visto como “neutro” pela língua padrão.
  • A utilização da letra O com sons diferentes (ou da letra U) dependendo de cada caso. Isso significa perguntar para cada pessoa o que prefere, ou tentar combinar com outros conjuntos que a pessoa usa: por exemplo, se a pessoa usa o/ele/o e -/ile/e, o som da letra O em nove e senhore é fechado, porque a pessoa não deveria se importar com ser associada com a flexão o. Enquanto isso, alguém usando u/ul/u talvez não se incomode com nuvu e senhuru, por já usar a letra U em vários lugares em seu conjunto.

 

Metafonia neste guia

Será utilizada a letra O para palavras como cautelosi, sogre, etc.

 

Lidando com mudanças de sons em consoantes (-ca/-co, -ça/-ço, -ga/-go, -ge/-ja)

As palavras foca, foque e foco não têm a ver com mudanças de flexão baseadas em gêneros gramaticais, mas demonstram que, na língua portuguesa, sílabas como ca e co possuem sons remetentes a uma letra K ou Q, enquanto sílabas como ce e ci possuem sons que remetem ss ou ç.

Por conta disso, é comum que, ao usar neoflexões, certas palavras tenham letras além de suas flexões mudadas para que o som fique intuitivamente mais parecido com os das palavras flexionadas com a ou o. Médique (flexão e), gotiqui (flexão i) e riquy (flexão y) são exemplos da troca de -ca/-co para -que, -qui e -quy, respectivamente.

No caso de -ga/-go, é adicionada uma letra U para que as últimas sílabas não transformem o som de letra G em som de letra J, algo que acontece nas palavras bege e viagem: amigue (flexão e), meiguel (flexão el) e leiguie (flexão ie) demonstram como manter os sons de palavras como amiga/amigo, meiga/meigo e leiga/leigo, por exemplo.

Nas palavras monge e monja, a própria língua padrão já muda a letra G para uma letra J para manter o som da consoante. Isso pode se aplicar também à neolinguagem, utilizando J quando a flexão começar com sons das letras A, O ou U, e G quando a flexão começa com sons de E ou I. Por exemplo: mongi (flexão i), monjoa (flexão oa).

Finalmente, temos -ça/-ço, onde o cedilha é supérfluo quando a flexão envolve sons associados com as letras E ou I. Palavras como cambuci, foice e cedo demonstram que a letra C antes das letras E e I acaba por ter som igual ao de ss ou de ç. Portanto, palavras como mocé (flexão é), descalcix (flexão ix) e aeromocy (flexão y) podem ser escritas com c ao invés de ç, ainda que o uso de ç por si só não deixe impressão errada sobre a pronúncia de tais palavras.

Quando as flexões começam com consoantes, é possível refletir sobre qual a pronúncia que será feita a partir de cada grafia. Por exemplo, a palavra amigs não precisa de uma letra U para que a pronúncia seja feita da mesma forma das palavras originais (e a adição de uma letra U mudaria drasticamente a pronúncia da palavra), mas moçs pode precisar de ç para que a pronúncia não vire “moks“. Enquanto isso, se alguém pedir para que sua flexão n seja lida como in, as mesmas regras serão aplicadas a uma flexão como in (mocn, amigun, etc).

 

Lidando com a mudança entre os sufixos -dor/-triz ou -tor/-triz

Na língua latina, os sufixos -tor e -trix foram utilizados para denotar dentro dos gêneros gramaticais “masculino” ou “feminino” pessoas que fizeram ou faziam alguma ação. Por exemplo, uma pessoa que ama seria amator ou amatrix, dependendo do gênero gramatical.

Várias dessas composições foram sumindo com o passar do tempo. Porém, dentro da língua portuguesa, algumas palavras ainda remetem a tais sufixos. Em relação a como neoflexões são aplicadas, há duas formas de se lidar com isso:

  1. A utilização de um terceiro sufixo, o qual geralmente é aplicado a todas as neoflexões;
  2. A adição da neoflexão após –or, já que existem muitas palavras na língua padrão terminadas em –or/-ora. Além disso, muitas palavras terminadas em -triz também possuem versão mais comum terminada em -dora/-tora, como senatriz/senadora e eleitriz/eleitora.

Não existe nenhum sufixo amplamente utilizado dentro da neolinguagem neste caso: são poucas as palavras que obrigatoriamente flexionam desta forma, e elas são facilmente evitadas. O caso mais comum é provavelmente ator/atriz, onde a maioria das pessoas opta por utilizar a palavra já existente atuante ao invés de tentar aplicar neolinguagem.

 

Neosufixos alternativos (divergentes da neoflexão)

Alternativas a ator/atriz, divinador/divinatriz, embaixador/embaixatriz, imperador/imperatriz, pecador/pecatriz e senador/senatriz, respectivamente:

  • -ter (ater, divinater, embaixater, imperater, pecater, senater);
  • -tir (atir, divinatir, embaixatir, imperatir, pecatir, senatir);
  • -toriz (atoriz, divinatoriz, embaixatoriz, imperatoriz, pecatoriz, senatoriz);
  • -trez (atrez, divinatrez, embaixatrez, imperatrez, pecatrez, senatrez);
  • -troz (atroz, divinatroz, embaixatroz, imperatroz, pecatroz, senatroz).

 

Utilizando neoflexões fornecidas (-dor[flexão]/-tor[flexão])

  • Exemplos usando a neoflexão ae: atorae, divinadorae, embaixadorae, imperadorae, pecadorae, senadorae;
  • Exemplos usando a neoflexão e: atore, divinadore, embaixadore, imperadore, pecadore, senadore;
  • Exemplos usando a neoflexão i: atori, divinadori, embaixadori, imperadori, pecadori, senadori;
  • Exemplos usando a neoflexão u: atoru, divinadoru, embaixadoru, imperadoru, pecadoru, senadoru;
  • Exemplos usando a neoflexão y: atory, divinadory, embaixadory, imperadory, pecadory, senadory.

 

Lidando com -ão/-oa, -ão/-ona, -oa/-om, -om/-ona e -om/-ete

Existem duas alternativas principais aqui: a substituição de -om pelas letras O e N acompanhadas da neoflexão adequada e a substituição da letra A pela neoflexão adequada. Por exemplo:

  • leão/leoaleone ou leoe (flexão e), leoné ou leoé (flexão é), leony ou leoy (flexão y);
  • queridão/queridona queridone (flexão e), queridoné (flexão é), queridony (flexão y);
  • boa/bombone ou boe (flexão e), boné ou boé (flexão é), bony ou boy (flexão y);
  • Dom/DonaDone (flexão e), Doné (flexão é), Dony (flexão y);
  • garçom/garçonetegarçone (flexão e), garçoné (flexão é), garçony (flexão y).

É possível notar que, enquanto -ão/-oa e -oa/-om oferecem duas opções cada, -ão/-ona e -om/-ona fazem com que ambas as formas de aplicar a flexão alternativa seja a mesma. Já -om/-ete acaba por ter apenas uma opção aplicável dentro das sugestões dadas: quem não gostar de tal opção pode optar por inventar um sufixo alternativo ou por usar apenas a letra O acompanhada da flexão, sem a letra N (como em garçoe).

 

Lidando com /-ão e -ana/-ão

As soluções aqui são similares àquelas do item anterior:

  1. Substituir /-ão ou -ana/-ão pelas letras A e N acompanhadas da flexão: artesanã (flexão ã), irmane (flexão e), guardianó (flexão ó), sultanu (flexão u);
  2. Substituir /-ão ou -ana/-ão por acompanhando a flexão: artesãe (flexão e), irmãel (flexão el), guardiãí (flexão i), sultãy (flexão y).

Observações:

  • Não é recomendada a forma irmãe para descrever quem usa a flexão e, porque a palavra é associada com uma combinação de irmã com mãe;
  • Pessoas que usam a flexão ã podem optar por utilizar formas terminadas em associadas com a flexão a (artesã, irmã, etc.), mas, por via das dúvidas, pode ser melhor diferenciar a palavra usando -anã (como em irmanã).

 

Lidando com -eu/-eia, -eu/-ia, -eu/-inha e -eu/-ua

Novamente, temos as opções de um sufixo alternativo ou de trocar a letra A pela flexão. Nestes casos, em geral, a opção mais popular é essa última:

  • europeu/europeiaeuropeie (flexão e), europeiú (flexão u), europeiy (flexão y);
  • judeu/judiajudie (flexão e), judiú (flexão u), judiy (flexão y);
  • meu/minhaminhe (flexão e), minhu (flexão u), minhy (flexão y);
  • seu/suasue (flexão e), su (flexão u), suy (flexão y).

Nos casos de meu/minha, de teu/tua e de seu/sua, também é comum utilizar somente mi, tu e su, respectivamente, para pessoas que usam neoflexões quaisquer.

Para quem não gostar muito das opções baseadas na versão da palavra associada com a flexão a, ofereço as sugestões de utilizar ê para substituir o sufixo: europê, judê, , . Oltiel, em sua lista de neologismos, também disponibiliza judei como alternativa a judeu/judia.

 

Lidando com /réu

A palavra ré é associada com a flexão a, enquanto a palavra réu é associada com a flexão o. A letra U remete ao som da letra O, e portanto é esta que pode ser substituída ao adicionar uma flexão:

  • reã (flexão ã);
  • ree (flexão e; a letra não está sendo cortada porque a pronúncia ainda é “” ou “-i“, mas paroxítonas terminadas em E não são acentuadas);
  • rel (flexão el);
  • reí (flexão i);
  • reú (flexão u).

Para quem quiser uma diferenciação maior e/ou uma forma de manter a acentuação consistente em certos casos, é possível adicionar a letra I antes da flexão, transformando vogais em ditongos:

  • reiã (flexão ã);
  • réie (flexão e);
  • reiel (flexão el);
  • reí (flexão i);
  • reiú (flexão u).

Observações:

  • No caso da flexão ser é, é possível que a pessoa esteja confortável com a palavra , mas, se houver dúvidas, pode ser melhor utilizar reié;
  • No caso da flexão ser u, mas de forma que a sílaba tônica não seja puxada para tal flexão (ex.: sériu e gêmeu ao invés de seriú e gemeú), é possível que a pessoa esteja confortável com a palavra réu, mas, se houver dúvidas, pode ser melhor utilizar reiu.

 

Lidando com /mau

Estas duas palavras estão bem próximas de flexões tradicionais – é como se fossem maa e mao – então não há muitos problemas em substituir a letra U de mau pela flexão desejada:

  • maá (flexão á);
  • mae (flexão e);
  • mael (flexão el);
  • maí (flexão i);
  • maú (flexão u).

Porém, a flexão mais comum é e, e aplicá-la desta forma deixa a palavra muito similar à palavra mãe, o que causa desconforto em algumas pessoas. Por isso, existe também a opção que combina mal com a flexão desejada:

  • malá (flexão á);
  • male (flexão e);
  • malel (flexão el);
  • mali (flexão i);
  • malu (flexão u).

Observações:

  • No caso da flexão ser á, é possível que a pessoa esteja confortável com a palavra , mas, se houver dúvidas, pode ser melhor utilizar uma das opções mencionadas;
  • No caso da flexão ser u, mas de forma que a sílaba tônica não seja puxada para tal flexão (ex.: sériu e gêmeu ao invés de seriú e gemeú), é possível que a pessoa esteja confortável com a palavra mau, mas, se houver dúvidas, pode ser melhor utilizar málu ou malu.

 

Lidando com rainha/rei

Embora ambas as palavras comecem com R e tenham a letra I junta de vogais diferenciadas, as estruturas destas palavras acabam sendo diferentes demais para haver uma resposta óbvia a como lidar com elas.

Uma alternativa dentro da norma é a palavra monarca, mas também existem outras propostas:

  • réi + flexão: reie (flexão e), reil (flexão il), réis (flexão s), reiú (flexão u);
  • rein + flexão: reíne (flexão e), reinil (flexão il), reins (flexão s), reinu (flexão u);
  • reinh + flexão: reinhe (flexão e), reinhil (flexão il), reinhs (flexão s), reinhu (flexão u).

 

Lidando com barão/baronesa, duque/duquesa, príncipe/princesa e construções similares

Em geral, é mais fácil substituir a letra A final em -esa pela flexão (como em baronesel, duquesi ou princesu, levando em consideração as flexões el, i e u, respectivamente). Porém, existem também outras alternativas, para quem preferir:

  • barão/baronesabarone (flexão e), baronie (flexão ie), baronum (flexão um);
  • duque/duquesaduquex (para quaisquer neoflexões);
  • príncipe/princesa → , prince (para quaisquer neoflexões), princete (para quaisquer neoflexões), princi (para quaisquer neoflexões), princis (para quaisquer neoflexões), princix (para quaisquer neoflexões), princise (flexão e), princisy (flexão y).

 

Lidando com herói/heroína e construções similares

  • Alternativas substituindo a letra A de heroína por outra flexão: heroinã (flexão ã), heroíne (flexão e), heroinie (flexão ie);
  • Palavras alternativas pensadas para quaisquer neoflexões: heréi, heroim.

 

Lidando com sacerdote/sacerdotisa e construções similares

  • Alternativas substituindo a última letra A de sacerdotisa por outra flexão: sacerdotise (flexão e), sacerdotisé (flexão é), sacerdotisy (flexão y);
  • Alternativas substituindo também a letra S pela letra X: sacerdotixe (flexão e), sacerdotixé (flexão é), sacerdotixy (flexão y);
  • Palavras alternativas pensadas para quaisquer neoflexões: sacerdoti, sacerdotis, sacerdotix.

 

Lidando com -a/-isa

É possível que as únicas palavras que utilizem esta construção sejam papa/papisa e poeta/poetisa. Porém, ao menos no caso de poetisa, há um desuso do termo de forma proposital, argumentando que a forma alternativa existe para marcar a versão associada a mulheres/à feminilidade da palavra com a ideia de produções poéticas inerentemente diferentes ou inferiores.

Assim, o uso de poeta para descrever alguém que deve ser referide com alguma neoflexão não é necessariamente questão de ignorância ou de intolerância contra pessoas cisdissidentes ou contra quem usa neolinguagem.

Para os casos onde a diferenciação for desejada, existem as seguintes alternativas:

  • Alternativas substituindo a letra A de -isa por outra flexão: papisã (flexão ã), papise (flexão e), poetis (flexão s), poetisym (flexão ym);
  • Alternativas substituindo as letras S e A de -isa pela letra X e por outra flexão: papixã (flexão ã), papixe (flexão e), poetixs (flexão s), poetixym (flexão ym);
  • Palavras alternativas pensadas para quaisquer neoflexões: papis/poetis, papix/poetix.

 

Sobre musicista

A palavra músico pode ser utilizada para se referir a alguém que deve ser referido com a flexão o e que trabalha com música. Porém, ao se referir a uma pessoa que usa a flexão a, não se usa a palavra música, apenas musicista. Ao pesquisar pelo significado da palavra musicista, é possível se deparar com definições que colocam ela como comum a pessoas que usam quaisquer flexões (assim como artista e cartunista); porém, quase nunca se vê além das definições de musicista alguém que usa a flexão o sendo referido como musicista ao invés de músico.

Isso faz com que, por um lado, a palavra musicista possa ser uma alternativa genérica que independe da flexão de cada pessoa. Só que, por outro lado, pessoas que não querem ser referidas com a flexão a podem preferir ser referidas por alguma palavra derivada de músico, como musicã (final ã), musiquel (final el) ou músicx (final x).

 

Lidando com avó/avô e palavras derivadas

  • É possível tornar a palavra avo paroxítona, diferenciando-se de avó/avô pela pronúncia e ausência de acentuação: avo, bisavo, vovo;
  • É possível substituir ó/ô por u, mantendo a sílaba tônica e diferenciando o som sem também estar trazendo algo muito diferente: avu, bisavu, vuvu;
  • É possível adicionar alguma neoflexão específica após avó/avô: avoã (flexão ã), avoe (flexão e), avoé (flexão é), avol (flexão ol), avoú (flexão u);
  • É possível trocar a letra O pela neoflexão desejada: avã (flexão ã), avé ou avê (flexão e), avé (flexão é), avol (flexão ol), avu (flexão u).

 

Lidando com mãe/pai, madre/padre e palavras derivadas

É possível argumentar que estas palavras sejam mais dependentes de identidade de gênero do que de linguagem pessoal. Assim, um mulher que usa o/ele/o ainda poderia estar confortável sendo chamado de mãe, enquanto uma pessoa não-binária que usa a/ela/a não deveria ser referida como mãe. No entanto, esta é uma questão bem pessoal: também existem não-mulheres que se chamam de mães por terem gestado sues filhes, mulheres que se colocam como pais por se verem em papéis masculinos, e assim por diante.

Portanto, as palavras desta seção não devem ser vistas como necessariamente representativas de pessoas que usam flexões específicas. São opções ligadas com a não-binaridade e com o uso de neolinguagem, mas não são alternativas obrigatórias nem para quem é não-binárie e nem para quem deve ser referide usando neoflexões. Isto se aplica especialmente aos termos mãe, pai e outros que cumprem as mesmas funções, já que muitas vezes são vistos mais como papéis sociais do que como variações em gênero gramatical, mas também pode se estender a madrinha/padrinho, madre/padre e afins.

Enfim:

  • Alternativas a mãe/pai e mamãe/papai: ade, baê e babaê, e fafá, faê e fafaê, naê e nanaê, nai e nanai, nam e nanam, náter e naná;
  • Alternativas a maternidade/paternidade: aternidade, baternidade, gestanidade, naternidade, xaternidade, zaternidade;
  • Alternativas a madrasta/padrasto: adraste (flexão e), adrasti (flexão i); badraste (flexão e), badrasti (flexão i); fadraste (flexão e), fadrasti (flexão i); nadraste (flexão e), nadrasti (flexão i); xadraste (flexão e), xadrasti (flexão i); zadraste (flexão e), zadrasti (flexão i);
  • Alternativas a madrinha/padrinho: adrinhe (flexão e), adrinhi (flexão i); badrinhe (flexão e), badrinhi (flexão i); fadrinhe (flexão e), fadrinhi (flexão i); nadrinhe (flexão e), nadrinhi (flexão i); xadrinhe (flexão e), xadrinhi (flexão i); zadrinhe (flexão e), zadrinhi (flexão i);
  • Alternativas a madre/padre e comadre/compadre: adre e coadre, badre e combadre, fadre e confadre, nadre e conadre, xadre e conxadre, zadre e conzadre.
  • Alternativas a matriarca/patriarca: atriarca, batriarca, fatriarca, natriarca, xatriarca, zatriarca.

Basicamente, com a exceção de (ma)mãe/(pa)pai:

  • As letras M/P podem ser retiradas ou substituídas por outras, geralmente F ou N, mas B, X e Z também são opções já propostas;
  • É possível aplicar neoflexões quando há uma diferença entre as flexões a/o dentro da língua padrão. Por exemplo, alguém com flexão el seria umel nadrastel, enquanto alguém com flexão y seria umy nadrasty. Mas uma pessoa não-binária cuja flexão é a pode querer ser chamada de nadrasta ao invés de madrasta.

 

Outras palavras completamente diferentes entre si

Algumas palavras, embora terminem nas letras A ou O, são também associadas com homens ou com mulheres. Assim, haverão pessoas não-binárias e/ou inconformistas de gênero que se sentem confortáveis simplesmente mudando a flexão, enquanto outras pessoas optarão apenas pelo uso de termos completamente distintos.

Em relação a cavalheiro/dama, existe o termo elegial, feito para representar tanto pessoas de identidade de gênero desconhecida quanto pessoas que não são homens ou mulheres. Ele foi cunhado num contexto anglófono em 2020 por Rouge, rouge-the-bat no Tumblr, com base nas palavras elegant (elegante) e cordial, e funciona bem em um contexto lusófono também.

No caso de esposa/marido, há dentro da língua o termo esposo, embora seja menos utilizado. Isso significa que espose (flexão e), esposu (flexão u) e afins são possibilidades que podem ser vistas como mais próximas da normatividade. Enquanto isso, o termo marida é informal e pode ter uma conotação de masculinidade e/ou de estar em um relacionamento entre mulheres, sendo assim possivelmente menos neutro. Pessoas podem optar por termos como maride (flexão e) ou maridu (flexão u), mas, ao se referir a alguém desconhecide, talvez as derivações de esposa/esposo possam ser mais apropriadas.

Genro/nora são palavras que podem ou ser flexionadas (como em genry ou nory, usando a neoflexão y como exemplo) ou ser descartadas em troca da proposta nur acompanhada de flexão (como em nure, nuri ou nurol, levando em conta as flexões e, i e ol, respectivamente). Aparentemente, não existem outras propostas até o momento.

Finalmente, existem casos de diversos animais não humanos onde os nomes para “fêmeas” e “machos” são bastante ou completamente diferentes, dificultando uma pluralização, comparação ou identificação usando neolinguagem (por exemplo, “é umi bodi de tão teimosi” ou “é umi cabri de tão teimosi“). Acho que, após ler todo este guia, não deve ser difícil entender o que fazer: escolher qual palavra tem a raiz mais apropriada naquele contexto e aplicar alguma neoflexão, a qual pode passar por mudanças para que não entre em conflito com algo associado com um final de palavra diferente (elefántie ao invés de elefante ao aplicar a flexão e, por exemplo).

Em qualquer um desses casos, é possível a cunhagem de outras palavras com o objetivo de contemplar pessoas não-binárias, seres cujos conjuntos não foram identificados e/ou formas plurais mistas. É só ter a coragem de propôr algo e sair usando.

 

E quem não quer usar nenhuma flexão específica ()?

Pessoas que sinalizam ausência de flexão podem ser referidas com palavras dentro das normas aplicáveis de forma independente de flexão (como colega e estudante). Também é possível contornar referências a tais pessoas falando delas usando palavras com flexões próprias (como amizade, amor, criança ou pessoa). Uma pessoa que trabalha comigo e alguém que tenho como colega são formas muito mais extensas do que se referir a alguém como um/uma/ume/umy/etc. colega, mas é esse o tipo de contorno necessário para se referir corretamente a quem não quer ser referide com nenhuma flexão marcada.

Em relação a palavras aplicáveis independentemente da neoflexão (como heroim e imperater), elas ainda são marcadas como utilizadas por quem usa neolinguagem, então ainda vale a pena conferir se pessoas que não querem flexão alguma estão confortáveis sendo referidas com tais palavras.


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