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Aster publicou uma atualização 6 anos, 9 meses atrás
Algo que as pessoas aparentemente não pensam em relação à pergunta de “quem faz parte da comunidade”: o contexto de cada grupo.
[i](Dúvida sobre alguma palavra ou termo do texto? Cheque o fim dele para um glossário!)[/i]
LGBTQIAPN+ não é uma comunidade específica ou um espaço específico; é uma sigla com o objetivo de representar quem sai dos padrões de atração, sexo e gênero dentro de nossa sociedade.
É possível argumentar que identidades não-cis, não-hétero e intersex(o) não sejam a totalidade das pessoas que saem desses padrões. É possível argumentar que pessoas com kinks ou fetiches, que saem dos padrões de gênero pela forma de se vestir, que saem do padrão de relacionamento monogâmico, entre outras, são oprimidas praticamente pelas mesmas forças, e que então devessem fazer parte da comunidade.
Porém, a questão mais importante aqui é que, atualmente, muitos espaços da comunidade LGBTQIAPN+ não acolhem bem essas questões, enquanto esses setores já parecem acostumados com ter comunidades entre si. Assim, acredito pessoalmente que não faz muito sentido eu tentar acolher esses setores como parte da mesma comunidade, por mais que tais comunidades sejam adjacentes à comunidade LGBTQIAPN+.
Agora, eu estou falando de questões gerais, e do que faz sentido para a minha experiência. Se outras pessoas acreditam que, para a experiência delas, faz mais sentido utilizar RASGKL (Responsibility and Sexuality Gender Kink Legality; Responsabilidade e Legalidade de Sexualidade, Gênero e Kink), ou alguma sigla que envolva poliamor ou outras coisas, e não falar de forma que apague parte da comunidade ou adicione algo que não faz sentido dentro de cada contexto, não vejo problema nisso.
Eu não termino o texto por aqui porque acredito que tenha que desenvolver dois aspectos dessa última frase.
1) O que é apagar parte da comunidade?
Dizer que pessoas que sentem atração pelo mesmo gênero do que o seu são oprimidas com base em suas orientações é uma verdade, e não está excluindo ninguém por si só. Dizer que APENAS pessoas que sentem atração pelo mesmo gênero são oprimidas com base em suas orientações, ou que pessoas que sentem atração pelo mesmo gênero são oprimidas APENAS por conta disso, é incorreto e excludente.
E é esse o problema de certas siglas ou de certas comunidades. O problema de reduzir espaços a “LGBT”, por exemplo, é que esse tipo de grupo frequentemente age como se apenas pessoas que se identificam como lésbicas, gays, bi (provavelmente bissexuais, especificamente) ou trans (muitas vezes transexuais bináries ou travestis especificamente) fossem as únicas pessoas não-hétero e não-cis no mundo, ou como se só esses setores fossem oprimidos por não serem hétero e/ou cis, ou como se a discriminação de outros setores fosse apenas por terem confundido a pessoa com algum destes grupos, independentemente da própria identidade.
Um espaço para pessoas não-binárias não exclui ninguém por si só, porque geralmente o objetivo de um espaço não-binário é oferecer recursos para pessoas não-binárias especificamente. Não há nada de errado ou excludente em ter grupos só para certo setor da comunidade, sendo ele abrangente (ex: espaço para pessoas não-monossexuais) ou restrito (ex: espaço para mulheres trans do espectro arromântico). Desde que o objetivo seja o foco naquele grupo.
Agora, um espaço para pessoas trans que não oferece ou aceita nada em relação a pessoas não-binárias é excludente. Um espaço para lésbicas que é restrito a lésbicas cis porque acreditam que outras pessoas sáficas ou mulheres não-hétero são predadoras invasoras ou não oprimidas o suficiente é excludente.
Existe uma diferença entre usar LGBT+ porque há muitas outras identidades não-hétero/não-cis e não dá pra listar todas e entre usar LGBT+ porque há pessoas que “tecnicamente caberiam nas primeiras quatro letras mas insistem em não caber” (pessoas pan, não-binárias, etc.) enquanto “o resto não é LGBT de verdade” (pessoas assexuais, intersex, etc). Isso porque uma afirmação do que “não é LGBT” hoje em dia não quer dizer “não é especificamente lésbica/gay/bi/trans”, e sim “essas pessoas sempre possuem, ou podem possuir, privilégio cis e hétero incondicional”.
E a coisa fica pior porque há muita desinformação. Por exemplo, muitas vezes é difícil saber se um espaço “gay” significa “para homens gays”, “para pessoas aquileanas”, “para pessoas gays e lésbicas”, “para pessoas sáficas e aquileanas”, “para qualquer pessoa não-hétero” ou “para qualquer pessoa LGBTQIAPN+”. Notem que termos abrangentes como sáfique e aquileane não são muito utilizados por aqui, e que raramente é considerada a ideia de que nem todo mundo é gay ou hétero, ou que há mais possibilidades de orientações do que atração por homens, por mulheres ou por ambes.
Ou seja, sempre que você estiver falando da “comunidade inteira”, ou quiser um espaço para uma comunidade específica, tenha consciência em relação às ramificações de excluir certos grupos.
2) O que é adicionar algo que não faz sentido de acordo com o contexto?
Resumidamente: você não precisa meter a comunidade inteira no meio de assuntos específicos de certos setores.
Checar documentos para não deixar pessoas “do sexo errado” entrarem em banheiros segregados por gênero não é algo que prejudica “pessoas LGBT”, é algo que prejudica pessoas não-cis, especialmente pessoas transmasculinas, transfemininas, e, dependendo do caso, algumas pessoas não-binárias e intersex. Talvez prejudique algumas pessoas cis cuja expressão de gênero faz com que estariam mais seguras no banheiro de um gênero que não é o seu.
A segregação por gêneros binários presente em diversos espaços prejudica pessoas não-binárias (ao menos as que não se alinham com algum dos gêneros binários). Dependendo de qual é sua base, pode prejudicar certas pessoas binárias, mas é possível ter espaços que respeitem as identidades de pessoas intersex e trans binárias e que sejam inclusivos de pessoas não-hétero, mas que ainda assim não ofereçam espaços para pessoas não-binárias.
Dentro desta mesma lógica, há vezes que não é adequado falar sobre discriminação contra kinks ou poliamor junto a questões que não afetam estes grupos, mas também seria legal se o pessoal lembrasse de não agir como se LGBT(QIAPN+) fosse um grupo coeso onde todo mundo sofresse com exatamente as mesmas discriminações pelo mesmo motivo e da mesma forma.
O que eu quero dizer com tudo isso é que, não importa qual o termo ou sigla sendo utilizado, desde que as devidas responsabilidades sejam tomadas para que você não esteja generalizando demais.
Você pode não querer se associar a nenhum espaço que inclua algo além de sua identidade, desde que não desrespeite outras pessoas que possuem experiências similares sendo de outras identidades, e desde que entenda que outras pessoas não se importam em participar de grupos mais abrangentes.
Você pode querer se associar a grupos que incluam mais do que outras pessoas acham “aceitável” para a comunidade, desde que entenda que esses grupos vão ser diferentes entre si, e que nem todas as pessoas vão querer participar de espaços ou se considerar parte de grupos super abrangentes.
Glossário:
LGBTQIAPN+: http://orientando.org/o-que-significa-lgbtqiap/
O N é para pessoas não-binárias, pessoas que não se identificam como 100% mulheres ou como 100% homens. Isso envolve pessoas cujo gênero é entre mulher e homem, pessoas cujo gênero é fraco ou inexistente, pessoas cujo gênero é neutro, pessoas cujo gênero é presente, não-neutro, e também completamente separado dos gêneros binários, etc.Intersex(o): http://orientando.org/o-que-e-intersexo/
“Mas o texto inteiro diz não-cis/não-hétero, e pessoas intersex?”
Pessoas intersex não cabem no padrão cis, que muitas vezes é reforçado por conta de funções corporais, de partes do corpo ou afins que pessoas intersex não possuem (“mulheres menstruam”, “pessoas com pênis são homens”, “mulheres só podem ser XX e homens só podem ser XY”, etc). Eu, assim como muites ativistas intersex, considero pessoas intersex que se identificam com seu gênero designado ipsogênero, uma classe que possui certas experiências em comum com pessoas cisgênero, mas que, por conta de serem intersex, não possuem suas experiências normalizadas da mesma forma que as experiências de pessoas cis.Kink: Tara. Alguém que sente prazer em se envolver em cenários, geralmente sexuais, diferentes de sexo que envolve pênis penetrando vagina. Ainda que outras posições e formas de sexo tenham virado mais padrão com o tempo, ainda há bastante estigma associado a muitos desses cenários.
Aquileane: homem ou pessoa que se considera de gênero parecido que sente atração por homens ou por pessoas que se consideram de gênero parecido. Pessoas aquileanas podem ser pansexuais, birromânticas, gays, acefluxo, abro, etc.
Sáfique: mesma coisa que aquileane, só que para mulheres e pessoas que se consideram de gênero parecido. Pessoas sáficas podem ser lésbicas, bi, polissexuais, abrorromânticas, pomossexuais, etc.
Expressão de gênero: uma forma de se vestir, identificar e agir que pode ou não emular masculinidade, feminilidade ou outros arquétipos relacionados a gêneros.