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Como uma identidade é formada?  0

A resposta para esta pergunta varia de acordo com cada pessoa.

Com certeza existem instituições pesquisando o que forma o gênero ou a atração. Mas, convenhamos: isso não importa. A única coisa que vai acontecer serão testes que invalidarão as identidades de pessoas que não se encaixarem no critério adequado. E, se o motivo for genes, esterilização forçada será uma possibilidade.

(Vale lembrar que, em vários países, uma pessoa trans precisa ser esterilizada para ser reconhecida como sendo do seu gênero.)

Enfim, a comunidade LGBTQIAP+ precisa parar de se distanciar de pessoas que formam suas identidades de forma diferente. Assimilação tem sua parte nisso, mas outros fatores também.

Bandeira duo

A recente e pouco conhecida bandeira duo

Algumas pessoas possuem atração fluida. Isso significa que podem sentir atração por gêneros diferentes – ou por gênero nenhum – em períodos de tempo diferentes.

Às vezes, pessoas conhecem identidades como gênero-fluido e suas variações, mas raramente são encontradas pessoas que conhecem orientações como bifluxo, abro e duo.

(A mensagem aqui é: parem de falar como se todas as pessoas nascessem com certa atração ou falta de atração e mantessem ela pela vida toda! Parem de falar que fluidez não existe, que é só uma incerteza!)

Poucas pessoas também conhecem omnigay, uma identidade que pode ser utilizada tanto como gênero quanto como orientação. Uma pessoa omnigay é basicamente uma pessoa de gênero-fluido que é sempre atraída pelo mesmo gênero que o seu; uma pessoa que é atraída por homens quando é homem, por mulheres quando é mulher, etc.

Omnigay é uma identidade que pode ser tanto gênero quanto orientação. Muitas pessoas desta identidade não sabem identificar se mudam seu gênero por causa de sua atração ou se mudam sua atração por causa de seu gênero.

(A mensagem aqui é: Parem de falar como se orientação e gênero fossem sempre identidades completamente separadas! Para muitas pessoas, essas identidades estão ligadas! É bom saber que existem diferenças, e que gênero geralmente não deixa certa orientação implícita, mas muita gente sente conexão entre uma coisa e outra, e identidades como omnigay deixam estes dois conceitos inseparáveis!)

Luas crescentes bi

Bissexuais começaram a criar sues própries símbolos e comunidades porque foram excluídes da comunidade gay e lésbica na segunda metade do século XX, por “manterem relações hétero”.

Algumas pessoas se preocupam com a suposta heteronormatividade das comunidades trans e não-binárias. Afinal, e se uma pessoa bissexual gênero-fluido está só “criando uma desculpa” para sempre ter “privilégio hétero”, se ela é sempre homem quando está com parceiras mulheres e mulher quando está com parceiros homens?

Em primeiro lugar, sua orientação já será questionada por estar tanto com mulheres quanto com homens. Pessoas bi não deixam de ser bi se estão em relacionamentos.

Em segundo lugar, mesmo que a heteronormatividade seja um fator que contribua com estas mudanças – algo que não é impossível – a pessoa ainda é gênero-fluido. A pessoa ainda pode se identificar como transgênero e/ou não-binária, e ainda sofre com cissexismo e exorsexismo.

Em terceiro lugar, ao invés de fazer a pessoa se sentir mal por “contribuir com a heteronormatividade” (o que não acontece por razões acima, fora que pessoas cis e hétero raramente acham isso uma solução desejável para pessoas gays/lésbicas), que tal aceitá-la como é na comunidade, onde ela poderá ter outras pessoas não-hétero por perto e aprender mais sobre sua identidade?

Por falar em fatores que contribuem com mudanças: já sabemos que tanto gênero quanto orientação podem ser mutáveis, certo? E gênero geralmente é construído em relação aos gêneros de outras pessoas, e em relação a experiências diversas. Algumas destas experiências podem mudar completamente a identidade de alguém, ou influenciá-la desde o início de sua formação.

(A mensagem aqui é: Parem de falar como se orientação e gênero fossem sempre identidades com as quais a pessoa nasce/”sempre soube”! Parem de falar como se pessoas cujas identidades possuem influência externa fossem inválidas!)

Bandeira neurogênero

A identidade neurogênero cobre qualquer pessoa cujo gênero é influenciado por sua neurodivergência (autismo, déficit de atenção, dislexia, etc).

Tanto orientação quanto gênero podem ter a ver com experiências em cultura diferente, neurodivergência, intersexualidade, trauma, kin, disforia, religião, experiências diferenciadas na infância, entre muitos outros fatores.

Não, uma pessoa que se diz arromântica por causa de neurodivergência ou agênero por causa de trauma não precisa ser “curada”.

Não, uma pessoa que diz que seu gênero tem a ver com certa estética (espaço, cores, etc.) ou com ser intersexo não está confusa ou mentindo.

E também não é necessário ter medo de alguém que escolhe não ser cis ou hétero, porque a pessoa não tem nada a ganhar da sociedade com esta escolha. Se é mais alguém que quer quebrar padrões, que aceita as consequências envolvidas, e a pessoa não vai pisar no dedão de ninguém enquanto isso, que se junte ao barco.

“Radicalismo” reformista  1

Piadas e manifestações de desprezo genéricas contra opressories* e pessoas ignorantes podem ser catárticas e importantes. Porém, quando são levadas ao patamar de princípios, retiram nuances existentes na vida real, além de criarem um ideal distorcido para grupos ativistas.

Estou falando tanto sobre teorias que desprezam a realidade em troca de dualidades falsas de opressories e oprimides, quanto sobre piadas e brincadeiras que ajudam a normalizar essas dualidades.

É importante perceber que a maior parte dos grupos oprimidos consistem de várias identidades diferentes, e que nem sempre uma vai ser mais ou menos oprimida do que a outra. Isso porque a sociedade centraliza uma característica como certa e outras características como erradas em cada eixo, por não se encaixarem no modelo privilegiado por diferentes motivos.

Por exemplo, uma pessoa heterorromântica é vista como padrão pela sociedade. Uma pessoa heterorromântica exibe interesse romântico em pessoas somente de um gênero, aquele que é considerado oposto pela sociedade, e eventualmente se apaixona e entra em relacionamentos amorosos com pessoas do gênero “certo”.

Enquanto isso, existem pessoas que não são heterorromânticas. Pessoas multirromânticas vão sofrer repressão por não sentirem atração por só um gênero, além de sofrerem repressão por sentir atração por algum gênero “errado”; pessoas arromânticas e do espectro arromântico vão sofrer repressão por não desejarem ou manterem relações românticas com o “gênero certo”; e gays, lésbicas, e pessoas de orientações similares vão sofrer repressão por sentirem atração pelo “gênero errado” e não pelo “gênero certo”.

Existem maneiras, é claro, de uma pessoa heterorromântica não parecer heterorromântica, e ser confundida com alguém de outra orientação, recebendo então repressões por parte da sociedade. Porém, no momento, vamos lidar com um modelo teórico de uma pessoa heterorromântica que não dá a impressão de ser arromântica, gay, etc.

Mesmo assim, uma pessoa heterorromântica não é necessariamente privilegiada em outros aspectos. Uma pessoa heterorromântica ainda pode ser transgênero, mulher, deficiente, indígena, profissional do sexo e/ou até mesmo não-heterossexual, para citar algumas das inúmeras minorias existentes no planeta.

Dentro da comunidade LGBTQIAP+, existem diversos tipos de marginalização. A comunidade é unida desta forma porque a sociedade ainda vê certas características como desvio das normas de gênero: muitas vezes não separam um homem trans hétero de uma mulher cis lésbica, ou uma mulher trans perisexo de uma mulher ipsogênero, por exemplo.

No entanto, é importante que cada pessoa possa se identificar em seus próprios termos, não importa se a sociedade as coloca no mesmo saco de pessoas estranhas que deveriam ser tiradas de vista ou corrigidas. Só que, dentro da comunidade, alguns grupos se aproveitam da invisibilidade de outros para tentar homogeneizar a comunidade, o que só leva à criação de grupos assimilacionistas; grupos que tentam ser mais aceitáveis para a sociedade que os oprime, para ganharem privilégio a troco da marginalização de quem não está nesses grupos.

Existe um fenômeno chamado homonormatividade, que é, essencialmente, a normalização da identidade gay – e, na maioria das vezes, da identidade lésbica também – como a identidade LGBTQIAP+ “padrão”, muitas vezes colocando questões gays como as mais importantes para a comunidade, e tratando representação gay como o único tipo de representação importante para a comunidade.

É a homonormatividade que vende o padrão de casais gays/lésbicos monogâmicos, cis, brancos, de classe média e razoavelmente atraentes como a experiência LGBTQIAP+ ideal. Que mostra a liberdade de casais do mesmo gênero poderem se casar oficialmente e adotar filhes como as pautas mais importantes para o progresso da sociedade, quando crianças intersexo passam por cirurgias forçadas e pessoas transfemininas são frequentemente assassinadas por não “parecerem mulheres” o suficiente.

Essa homonormatividade também desvaloriza outras identidades não apenas por ignorá-las, mas por considerá-las extensões das identidades gay e lésbica. É daí que vem a preocupação de pessoas trans hétero serem “gays ao extremo”, de pessoas trans gays/lésbicas serem “pessoas hétero com um fetiche”, de pessoas não-binárias poderem ser “pessoas que querem ser de outro gênero por terem homofobia internalizada” ou “pessoas cis e hétero que se acham especiais”, de pessoas bi serem “apenas parcialmente gays”, “secretamente hétero”, ou “secretamente gays”, de identidades como poli e pan serem irrelevantes, de pessoas intersexo não terem nada a ver com a comunidade, etc.

Este tipo de pensamento se estende dentro das comunidades LGBTQIAP+, quando há uma pressão para ser o mais gay possível; ou, em certos casos, o mais trans possível. Por exemplo:

  1. Dizer que uma personagem que possui relacionamentos tanto com homens quanto como mulheres é lésbica não é desrespeitoso com pessoas bi, porque várias lésbicas já tiveram relacionamentos com homens. Porém, dizer que uma personagem que só possui relações com mulheres é possivelmente bi é desrespeitoso, porque passa a mensagem de que lésbicas não existem/que qualquer mulher deve “estar disponível a um homem”;
  2. Uma pessoa multi não pode dizer que sua atração por pessoas do mesmo gênero é gay, ou se chamar de palavras estigmatizadas direcionadas a pessoas gays/lésbicas (viado, sapatão, etc.); porém, casais formados por pessoas do mesmo gênero são “casais gays”, direitos para estes casais são “direitos gays”, etc.
  3. Lésbicas e homens gays podem sentir atração por pessoas não-binárias que ~parecem ser~ do gênero que geralmente se atraem, e isso, de alguma forma, não é desrespeitoso. Porém, se uma pessoa se identifica com alguma identidade multi por sentir atração por pessoas de vários gêneros que não é o seu, essa pessoa é “basicamente hétero” e “fetichiza identidades não-binárias”;
  4. Pessoas assexuais ou arromânticas que também são lésbicas ou gays sofrem de “homofobia internalizada” por não se identificarem completamente como lésbicas ou gays, mas pessoas assexuais ou arromânticas que também são hétero são “basicamente hétero” e não deveriam estar em “espaços LGBT”;
  5. Pessoas trans precisam de disforia de gênero para serem “trans de verdade”, que são as únicas pessoas trans que devem ser respeitadas. Porém, identidades não-binárias e pronomes alternativos são constantemente alvos de chacota, sem que ninguém pense na possibilidade dessas pessoas possuírem disforia.

Isso também culmina em ódio a pessoas hétero que nem realmente são hétero. Ódio a “relacionamentos hétero” muitas vezes afeta pessoas dentro da comunidade BTQIAP+; ódio a identidades não-binárias que ~parecem falsas~ muitas vezes afeta pessoas que não são cis; ódio a pessoas com fetiches ou em relacionamentos poliamorosos por “acharem que podem ser LGBT” afeta pessoas LGBTQIAP+ nestas comunidades.

E de que adianta rir de pessoas que se identificam como demissexuais ou magigênero? De que adianta alienar pessoas multi, que são grande parte da comunidade, dizendo que não podem se sentir representadas na mídia, e que são sujas por terem “relacionamentos hétero”? Quem ganha com a ideia de que pessoas trans precisam entrar em um certo molde para serem respeitadas?

Apenas o sistema, é claro, e as pessoas que querem fazer parte dele.

Porque, de resto, você está alienando partes de um grupo que se uniu justamente para ser mais forte e visível desta maneira.

Combater heteronormatividade e cissexismo em espaços LGBTQIAP+ é importante, mas tentar manter um ideal de pessoas que são “oprimidas o suficiente” está mantendo estes sistemas, dando a ideia de que só certos pequenos grupos são puros o suficiente para serem respeitados.

Se você tem medo de agressões contra lésbicas, pessoas gays e pessoas trans binárias na comunidade, o ideal é educar qualquer pessoa sobre cisheteronormatividade, e não reduzir a comunidade LGBTQIAP+ apenas a estas pessoas.

É um erro pensar que qualquer pessoa que não é de certa identidade vai ser preconceituosa contra certa identidade (especialmente em espaços LGBTQIAP+), e também é um erro pensar que qualquer pessoa que é de certa identidade não vai ser preconceituosa contra pessoas dessa mesma identidade.

Também é muito importante combater racismo, misoginia, capacitismo e outras marginalizações que não são relacionadas à comunidade LGBTQIAP+, afinal existem outros sistemas que devem ser destruídos.

* Recentemente, fui informade que palavras que já possuem e podem ser acompanhadas de i para serem claramente neutras, como em professories, opressories ou trabalhadories. Pretendo escrever desta forma de agora em diante.

Por que não utilizar o termo LGBTfobia?  4

Esta postagem foi escrita por certa discussão hoje, onde pessoas não entendiam o que havia de errado em resumir as opressões sofridas pela comunidade LGBTQIAP+ em LGBTfobia.

O uso de fobia para descrever opressão e discriminação é controverso por seu potente capacitismo, em relação a pessoas que realmente possuem fobias. É por isso que não uso termos como transfobia e afobia em geral. Porém, esta postagem irá focar apenas na ideia de tentar incluir um monte de discriminações contra identidades diferentes em uma só palavra.

Bem, vamos começar apontando o óbvio: é só LGBT ali. LGBTfobia não considera a existência de diadismo (intersexofobia), amatonormatividade (arofobia) ou alossexismo (acefobia).

Admito que bifobia normalmente é um termo generalizado para quem sofre com monossexismo. Os ataques que pessoas pan, omni ou outras que sejam atraídas por multiplos gêneros sofrem não são muito diferentes do que os ataques que pessoas bi sofrem, com a exceção do problema adicional de reclamarem que são termos desnecessários, apenas para “floquinhos de neve especiais”. Também há o exorsexismo que acompanha a intolerância em relação a identidades não-binárias, que não é especificamente direcionada para pessoas multi que se dizem atraídas por gêneros não-binários.

Embora a maioria das pessoas em espaços LGBT nem saiba da existência de gêneros não-binários, acredito que dê pra forçar a barra e dizer que consideraram exorsexismo (discriminação contra pessoas não-binárias) dentro de transfobia.

Admito também que LGBTfobia pode até ser um nome relativamente adequado para quando ultraconservadores falam mal “dos LGBTs”, quando não sabem a diferença de identidade de gênero e de orientação sexual, ou quando sabem e colocam tudo no mesmo saco. E, bom, normalmente falam de “homens beijando homens”, de “mulheres beijando mulheres”, e de “pessoas que acham que podem mudar de sexo”. Realmente não falam de algo que teria a ver diretamente com pessoas intersexo, assexuais ou arromânticas. Porém, se estes grupos tivessem mais visibilidade, com certeza iriam falar publicamente contra eles, ao invés de utilizarem cirurgias forçadas e estupros corretivos de forma que a discriminação seja invisível.

Ok, temos aí o esquecimento de grupos que certamente sofrem com a di/cis/heteronormatividade! O que mais?

LGBTfobia ignora as causas individuais de grupos marginalizados na comunidade LGBT+.

Pessoas bi compõem mais ou menos 50% da comunidade LGB+. Ainda assim, poucos são os fundos que vão especificamente para causas bi. Mesmo que pessoas bi sejam estatisticamente mais discriminadas em relação a gays e lésbicas. Até terapeutas “LGBT-friendly” tentam convencer pessoas bi de que na verdade são hétero ou gay, e bissexualidade é listada como sintoma de diversas doenças mentais.

O B e o T da sigla só foram adicionados mais tarde, mas isso não significa que gays e lésbicas realmente toleram pessoas bi e trans. [x] [x]

Monossexismo é um grande problema, mas é extremamente difícil ver alguém falando de monossexismo ou de bifobia de forma que não seja superficial: ou como se não fosse diferente de heterossexismo (ou de ódio específico contra pessoas que são atraídas pelo mesmo gênero), ou mencionando episódios de violência contra pessoas bissexuais, mas sem analisar como alguém pode discriminar especificamente pessoas bi/multi.

Pessoas bi/multi muitas vezes sofrem abuso por serem atraídas por mais de um gênero, mas a comunidade gay e lésbica insiste que é só pela atração pelo mesmo gênero, e que pessoas bi são menos discriminadas, por possuírem o privilégio de se casarem com alguém de um gênero aceitável pela sociedade. No entanto, as estatísticas não mostram nenhum privilégio, muito pelo contrário.

O ponto é: bifobia não é discutida quando só se põe em foco a “LGBTfobia”. Discriminação contra pessoas bi/multi conta como LGBTfobia quando é violência pela pessoa estar com alguém do mesmo gênero; conta nos números de violência contra pessoas LGBT. Mas e quando o assunto é pessoas bi/multi – em sua grande maioria, mulheres – serem abusadas por parceires de qualquer gênero pelo medo de traição, ou quando são estupradas para convencê-las a “escolher um lado”? Isso vai pra baixo do tapete.

Portanto, “LGBTfobia” apaga a discriminação específica contra pessoas multi, e faz com que pessoas não falem de monossexismo. Só falam que a discriminação foi por “ser LGBT”, não especificamente por “ser bi/multi”, e agem como se as outras pessoas da sigla corressem os mesmos riscos que uma pessoa bi/multi corre. Além de, claro, ganharem fundos para combater discriminação em cima disso, que, por sua vez, não é gasto com causas de pessoas bi/multi.

Um caso similar ocorre com pessoas trans.

Mulheres trans são um dos grupos que corre mais risco de ter AIDS, mas são frequentemente excluídas de programas feitos para combatê-la. Fundos de saúde LGBTQ+ gastam muito mais em homens LGB+, com mulheres LGB+ em segundo lugar com menos da metade do que é gasto com homens, e pessoas trans em terceiro lugar. (Pessoas intersexo ganham uma quantidade ridiculamente pequena de fundos, mas hey, estamos falando de LGBTfobia, não de LGBTIfobia!)

Mortes também são um problema. Este estudo mostra que pessoas trans possuem 50% a mais de risco de serem assassinadas do que gays ou lésbicas (ainda que, neste caso, se só contar o Brasil, são 9 assassinatos de pessoas trans contra 8 de gays e 3 de lésbicas). Este estudo feito em relação a assassinatos de pessoas lésbicas, gay, bi, trans, queer e soropositivas teve como resultados 45% de assassinatos de mulheres trans, e 87% de assassinatos de pessoas de cor (não-brancas).

Este reporta que, entre pessoas assassinadas por serem LGBTQ ou soropositivas, 53% eram mulheres trans, e 73% eram pessoas de cor.

Quase metade destas mortes de pessoas LGBT+ nas Américas foram mulheres trans. O mesmo estudo fala que mais da metade das 300 mortes no Brasil foram de mulheres trans (“mulheres trans” aqui provavelmente inclui outras pessoas transfemininas: pessoas designadas como homens ao nascimento que possuem alguma identidade relacionada com feminilidade ou com o gênero feminino, como muitas travestis).

Ou seja, ativismo que se apropria destas mortes, como se pessoas LGB+ cis e brancas tivessem a mesma chance de serem assassinadas do que mulheres trans negras, é extremamente desrespeitoso.

Também houve o caso do filme Stonewall. Stonewall era um bar para as pessoas mais indesejadas da comunidade LGBT+; pessoas trans, homens gay afeminados, lésbicas masculinizadas, pessoas sem-teto, pessoas de cor, profissionais do sexo, e assim vai. Porém, o filme preferiu inventar um personagem principal mais aceitável para o público hétero – um homem gay, cis e branco. O filme também deixou de contratar mulheres trans para contratar homens cis para fazer o papel delas. E, ao invés de mostrar Sylvia Rivera, mostra uma personagem similar, talvez porque a presença dela no ato seja contestada por algumes.

Isso pode não ser superficialmente “LGBTfóbico”, afinal, é um filme sobre uma parte do movimento gay, e es personagens fictícies ainda são LGBT+. Porém, esta ainda foi uma jogada cissexista e racista, uma vez que deixa implícito que gêneros são só roupas pela contratação de homens cis, e que pessoas transfemininas de cor não são simpáticas o suficiente para que um filme sobre um evento histórico aonde elas foram protagonistas tenha uma protagonista que seja coerente naquele contexto.

Lésbicas também sofrem discriminação específica. Aqui tem uma anedota pessoal de lésbicas serem convidadas a sair de um bar gay. Lésbicas enfrentam um mundo onde a sexualidade masculina é considerada mais importante, e onde histórias com lésbicas são feitas para consumos de homens hétero. Lésbicas são sexualizadas e fetichizadas publicamente.

Pessoas trans, meninas bi e lésbicas estatisticamente sofrem mais na escola do que meninos bi ou gay.

Enquanto falarmos só sobre LGBTfobia, a discussão não vai passar do superficial.

Homens gays e lésbicas ainda vão perpetuar discriminação contra pessoas bi e trans. E vão se dizer mais oprimidas para a sociedade em geral, mostrando como prova o quanto de discriminação pessoas LGBT em geral sofrem.

Lésbicas ainda vão acusar mulheres trans de serem predadoras sexuais. E, através de teoria feminista radical, vão incentivar legislações como as da Carolina do Sul, onde pessoas trans não podem mais ir ao banheiro que “não corresponde com seus genitais”.

Homens gays e brancos ainda vão excluir mulheres lésbicas, bi e trans, além de qualquer pessoa LGBTQIAP+ de cor, de espaços e movimentos, por não serem aceitáveis o suficiente.

Pessoas brancas vão organizar protestos em áreas nobres contra a LGBTfobia, citar as quantidades de mortes causadas por LGBTfobia, e comover as pessoas com o quanto é perigoso ser LGBT+, quando a maioria destas mortes teve como alvo grupos específicos.

Pessoas vão dizer o quanto é importante lutar contra a LGBTfobia, mas vão falar só de homofobia, porque supostamente é o “ponto em comum”.

Pessoas vão dizer que protestos e paradas são bons para conscientizar a população de que existimos, enquanto a maior parte da população não sabe o que é uma pessoa transgênero, não-binária, ou até mesmo o que exatamente é ser bissexual. Quem dirá saberem o que é uma pessoa pan, arromântica, intersexo ou demigênero.

Celebram Stonewall, enquanto tentam passar a mensagem de que são iguais a pessoas di/cis/hétero, com “a exceção de quem amamos”.